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Sobre políticos e escravos
Dois pesos, duas medidas. Durante encontro anual da Anpocs,
pesquisadora da Unicamp apresenta estudo que mostra que poder judiciário
tende a dar tratamento processual VIP para políticos e grandes
empresários acusados de envolvimento em trabalho escravo.
Por: Henrique Kugler
Publicado em 25/09/2013
|
Atualizado em 25/09/2013
O trabalho escravo ainda é realidade no Brasil do século 21. (Flickr/ Imagens Evangélicas – CC BY 2.0)
“Não são poucos os políticos brasileiros envolvidos em contratação de
trabalho escravo.” O sinistro diagnóstico é da cientista política Celly
Cook Inatomi, que vem se dedicando ao escrutínio do tema em seu
doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Não bastasse a péssima notícia, que nem novidade é, Inatomi percebeu algo grave: o poder judiciário costuma dar tratamentos diferenciados para acusados de envolvimento em trabalho escravo rural.
“Para políticos e grandes empresários, o tratamento é um; para
pequenos proprietários ou empresários de pouca expressão econômica, o
tratamento é outro”, constatou Inatomi. E não é puro achismo. A
pesquisadora da Unicamp vasculhou, nos arquivos do Tribunal Superior do
Trabalho (TST) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), todos os casos
envolvendo trabalho escravo rural entre 2005 e 2011.
“Estratégias evasivas, argumentos protelatórios, tergiversações processuais”. Essas são manobras constantes que, segundo Inatomi, têm sido usadas com maestria no judiciário, com o intuito de anular ou amenizar as acusações que incidem sobre políticos ou grandes empresários. “Transformam acusações de trabalho escravo rural em simples irregularidades trabalhistas.”
“Por outro lado, quando o réu é de pouca expressão política ou econômica, os processos costumam ser bem mais rápidos e incisivos nas decisões condenatórias”, afirmou a pesquisadora, que apresentou seu trabalho durante o 37º encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), que acontece nesta semana em Águas de Lindoia (SP).
“Desde 2003 o governo federal tem incrementado, em quantidade e qualidade, as ações de fiscalização e erradicação de trabalho escravo rural no Brasil”, disse Inatomi. Mas, segundo ela, o senador em questão e a maioria dos juízes envolvidos no caso insistem na argumentação de que essas ações são ilegítimas e distantes das verdadeiras necessidades do trabalhador rural.
“O senador acusado, assim como os juízes do caso, argumenta que os grupos de fiscalização e as autoridades atuam de modo panfletário e ideológico”, indignou-se a pesquisadora da Unicamp. “E vão além: para a maioria deles, não há como defender que seja praticado no campo o mesmo padrão de cidadania que se tem na cidade!”
No caso do trabalho escravo rural, a maioria das ocorrências
concentra-se no Pará. Mas fiscalizações do Ministério Público do
Trabalho já registraram casos em diversos estados do Norte, Nordeste,
Centro-oeste e mesmo do Sudeste.
Embora haja reconhecimento público de que existe trabalho escravo no Brasil – o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu isso publicamente em 1995 –, ainda não há consenso sobre o que qualifica a condição ‘degradante’. A enrolação conceitual, segundo a pesquisadora, é muito usada para protelar ou arrastar decisões ou processos flagrantes de uso de mão de obra em condições desumanas.
Henrique Kugler*
Ciência Hoje On-line
* O jornalista viajou a Águas de Lindoia a convite da Anpocs.
Não bastasse a péssima notícia, que nem novidade é, Inatomi percebeu algo grave: o poder judiciário costuma dar tratamentos diferenciados para acusados de envolvimento em trabalho escravo rural.
“Para políticos e grandes empresários, o tratamento é um; para pequenos
proprietários ou empresários de pouca expressão econômica, o tratamento é
outro”
“Estratégias evasivas, argumentos protelatórios, tergiversações processuais”. Essas são manobras constantes que, segundo Inatomi, têm sido usadas com maestria no judiciário, com o intuito de anular ou amenizar as acusações que incidem sobre políticos ou grandes empresários. “Transformam acusações de trabalho escravo rural em simples irregularidades trabalhistas.”
“Por outro lado, quando o réu é de pouca expressão política ou econômica, os processos costumam ser bem mais rápidos e incisivos nas decisões condenatórias”, afirmou a pesquisadora, que apresentou seu trabalho durante o 37º encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), que acontece nesta semana em Águas de Lindoia (SP).
Escravocrata moderno
O foco da pesquisa de Inatomi tem sido o caso emblemático de João Ribeiro, senador pelo estado do Tocantins. Ele foi denunciado por manter em uma de suas fazendas, no Pará, trabalhadores em condições degradantes – que os fiscais do trabalho classificam como “condições análogas às de escravidão”. O caso é de 2004 e se arrasta até hoje.“Desde 2003 o governo federal tem incrementado, em quantidade e qualidade, as ações de fiscalização e erradicação de trabalho escravo rural no Brasil”, disse Inatomi. Mas, segundo ela, o senador em questão e a maioria dos juízes envolvidos no caso insistem na argumentação de que essas ações são ilegítimas e distantes das verdadeiras necessidades do trabalhador rural.
“O senador acusado, assim como os juízes do caso, argumenta que os grupos de fiscalização e as autoridades atuam de modo panfletário e ideológico”, indignou-se a pesquisadora da Unicamp. “E vão além: para a maioria deles, não há como defender que seja praticado no campo o mesmo padrão de cidadania que se tem na cidade!”
Brasil, 2013
Muitos hesitam em acreditar, mas trabalhadores em condições degradantes – ou análogas às de escravo – ainda são encontrados com espantosa frequência no Brasil.
A maioria das ocorrências de trabalho escravo
rural concentra-se no Pará. Mas há casos em vários estados do Norte,
Nordeste, Centro-oeste e Sudeste
Embora haja reconhecimento público de que existe trabalho escravo no Brasil – o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu isso publicamente em 1995 –, ainda não há consenso sobre o que qualifica a condição ‘degradante’. A enrolação conceitual, segundo a pesquisadora, é muito usada para protelar ou arrastar decisões ou processos flagrantes de uso de mão de obra em condições desumanas.
Henrique Kugler*
Ciência Hoje On-line
* O jornalista viajou a Águas de Lindoia a convite da Anpocs.