As armas nucleares de Israel
Até agora, a Casa Branca não disse nada sobre as bombas atômicas de Israel e as armas químicas e biológicas do Egito
30 de setembro de 2013 | 2h 02
Victor Gilinsky* e Henry D. Sokolski* - O Estado de S.Paulo
O recente acordo entre Estados Unidos e Rússia
envolvendo as armas químicas da Síria deixou claro o que há muito tempo
deve ser um fato óbvio: os esforços do presidente Barack Obama para
fazer valer as normas internacionais que proíbem armas de destruição em
massa no Oriente Médio envolverão Washington numa confusão diplomática e
estratégica muito maior do que a discussão sobre o arsenal químico
sírio.
O presidente Bashar Assad insiste que a finalidade do seu arsenal
químico sempre foi para fazer frente às armas nucleares de Israel. Se a
Síria de fato destruí-lo, o que será do arsenal de Egito e de Israel? Os
Estados Unidos se calam estranhamente sobre o estoque de armas químicas
do Egito. O Cairo aponta para Israel. Que, naturalmente, afirma ter
suas próprias armas químicas para dissuadir Síria e Egito e não pretende
se desfazer delas.
Uma manchete do diário israelense Haaretz, há alguns dias, dizia:
"Israel inflexível quanto a não ratificar o tratado de armas químicas
diante de vizinhos hostis".
Esses três países também não aderiram à Convenção sobre Armas
Biológicas e Israel não assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear
(TNP), embora mantenha um arsenal nuclear formidável, que, em breve,
deverá se tornar tema central neste drama - os Estados Unidos gostem ou
não.
Poder nuclear. Um obstáculo que os próprios
americanos criaram tem impedido amplas negociações sobre armas de
destruição em massa no Oriente Médio. Enquanto o mundo continua sua
discussão eterna sobre a capacidade nuclear do Irã e a possibilidade de o
país criar um arsenal atômico, dificilmente alguém nos Estados Unidos
menciona o poderio nuclear de Israel.
Obama, como seus predecessores, finge que não tem conhecimento do
fato. O tabu tem impedido discussões a respeito, tanto em Washington
quanto no plano internacional, e desencoraja os EUA a pressionarem Egito
e Síria para retificarem as convenções sobre armas biológicas e
químicas. Porque, se insistir, imediatamente, serão levantadas objeções
quanto à aceitação americana do arsenal nuclear de Israel.
O que sustenta essa atitude dissimulada é o mito de que os Estados
Unidos se obrigam a esconder o fato de Israel possuir armas atômicas em
razão de um acordo firmado em 1969 entre o presidente, Richard Nixon, e a
primeira-ministra israelense, Golda Meir.
O objetivo de Nixon era conseguir o apoio israelense na Guerra Fria.
Ele e Golda Meir viram a necessidade de desencorajar os soviéticos a
fornecerem armas nucleares para seus aliados árabes. Se o arsenal
nuclear israelense fosse revelado, haveria pressão por parte de Moscou.
No entanto, as razões para os Estados Unidos continuarem calados não
existem mais.
Todos sabem que os israelenses possuem bombas atômicas. Hoje, como
principal efeito dessa ambiguidade, negociações regionais sérias sobre o
controle de armas ficam muito mais complicadas.
Todos os outros países da região aderiram ao TNP, mas há questões que
ainda não foram solucionadas. Em 2007, descobriu-se que a Síria estava
construindo um reator nuclear ilícito, que Israel rapidamente
bombardeou.
Assad não permitiu até hoje que inspetores da ONU realizem uma plena
investigação do local do reator destruído. E o Irã, aliado da Síria, é
suspeito de desenvolver seu próprio programa nuclear para desafiar o
monopólio israelense na área. Na verdade, muitos analistas acreditaram
que a decisão de Obama de estabelecer uma "linha vermelha" proibindo o
uso de armas químicas na Síria foi motivada pela necessidade de mostrar
sua disposição a usar a força contra o Irã se o país avançasse com seus
planos de fabricar armamento nuclear.
Mudança. O imbróglio explosivo deveria ser objeto de
uma conferência internacional, decidida em 2010 por votação unânime dos
membros do TNP, incluindo os Estados Unidos. No entanto, tal
conferência jamais foi realizada, em parte por causa da ambivalência da
Casa Branca sobre como ela poderia afetar Israel.
Em abril, o secretário adjunto de Estado encarregado dos assuntos de
não proliferação e segurança internacional. Thomas Countryman, disse
esperar que a conferência seja realizada ainda este ano. No início do
mês, o chanceler russo, Sergei Lavrov, insistiu para que fosse
determinada uma data para a conferência "o mais rápido possível". Ele
acrescentou que da reunião deveriam tomar parte Israel e Irã. A Rússia
tentou inserir o encontro no acordo da semana passada, mas o secretário
de Estado, John Kerry, resistiu.
Se Washington deseja que as negociações sobre armas de destruição em
massa no Oriente Médio avancem - ou simplesmente para que os EUA não
caiam no ridículo -, Obama deve começar a ser mais franco. O presidente
não pode esperar que os países que participarem da conferência levem
Washington a sério se a Casa Branca continuar fingindo não saber que
Israel possui armas nucleares, ou que Egito e Israel possuem armas
biológicas e químicas.
Se a política de Israel neste campo é tão inflexível que é impossível
mudar, Obama e o governo dos Estados Unidos precisam ser honestos
quanto ao arsenal israelense e agir com base neste fato, para o bem dos
EUA e de Israel.
*Victor Gilinsky foi membro da Nuclear Regulatory Commission e é consultor na área energética.
*Henry D. Sokolski trabalhou no departamento de defesa dos EUA e é diretor do Centro de Educação de Políticas de Não Proliferação.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO