Terça, 24 de setembro de 2013
O Papa Francisco contempla entre suas reformas a nomeação de uma mulher para cardeal
Não se trata de uma brincadeira. É algo que está passando pela cabeça do Papa Francisco: nomear uma mulher para cardeal. Quem o conhece, dentro e fora da Companhia, desde antes de chegar à cátedra de Pedro,
garante que o primeiro papa jesuíta da Igreja está chamado a
surpreender cada dia não apenas com suas palavras, mas também, e
sobretudo, com seus gestos. Está fazendo isso nos primeiros seis meses
de pontificado.
A reportagem é de Juan Arias e publicada no jornal espanhol El País, 22-09-2013. A tradução é de André Langer.
Quem pensa que Francisco, com sua simplicidade de
pároco de província, sua linguagem coloquial e seu sorriso sempre nos
lábios é um simples ou um ingênuo, engana-se. Este Papa, que não parece
Papa, chegou a Roma da periferia da Igreja com um
programa bem concreto: mudar não apenas o aparelho enferrujado da
maquinaria eclesial, mas também ressuscitar o cristianismo das origens.
O simbolismo de seus gestos começou desde que apareceu na sacada da Basílica de São Pedro,
vestido de branco, dizendo-se “bispo” e pedindo às pessoas que estavam
na Praça para que o abençoassem. Não perdeu, desde então, um minuto para
semear gestos inesperados em seus primeiros meses de pontificado, para
espanto de muitos, dentro e fora da Igreja.
E vai continuar nesta trilha. Por exemplo, com esse plano de nomear
uma mulher para cardeal. Ele sabe que a questão feminina dentro da
Igreja está sem ser resolvida e que não pode esperar. Deixou isso claro
com duas frases lapidares em sua última entrevista à revista La Civiltà Cattolica:
“A Igreja não pode ser ela mesma sem a mulher”. Não é apenas uma
afirmação. É uma acusação. A frase pode ser lida também da seguinte
maneira: “A Igreja ainda não está completa porque nela falta a mulher”.
Francisco considera que resolver a questão da mulher dentro da Igreja já é algo impostergável.
Como introduzir na Igreja essa peça essencial, sem a qual a Igreja
“não pode ser ela mesma”? Disse-o na mesma entrevista: “Necessitamos de
uma teologia profunda da mulher”.
E essa teologia, dá a entender o papa, não pode ser construída no laboratório do Vaticano,
apadrinhada pelo poder. Ela está sendo construída pelas mulheres dentro
da Igreja: “A mulher está formulando construções profundas que devemos
enfrentar”, disse.
Francisco quer resolver esse problema durante o seu
pontificado porque está convencido de que a Igreja de hoje está manca e
coxa sem a mulher no lugar que lhe corresponderia, que seria nada mais
nada menos que aquele que já teve nos inícios do cristianismo, onde
exerceu um enorme protagonismo. Pelo menos até que Paulo cunhou sua teologia da cruz e hierarquizou e masculinizou a Igreja.
O papa sabe que para fazer a revolução que tem em mente necessita
“ouvir” a Igreja, não apenas a de cima, mas também a de baixo, onde
estão sendo realizadas, por parte da mulher, as “construções profundas”.
Pode haver cardeais que não sejam sacerdotes, basta que sejam diáconos
Ele mesmo poderia, no entanto, abrir caminho com alguns gestos que
obrigariam a colocar com urgência o tema da mulher sobre o tapete ou, se
preferir, sobre “o altar”. E um destes gestos seria nomear uma mulher
cardeal. Impossível? Não. Hoje, segundo o direito canônico, pode haver
cardeais que não sejam sacerdotes, basta que sejam diáconos.
Mas o fato é que a mulher, alguém poderia objetar, atualmente, ainda não pode ser diaconisa, como foi há 800 anos e, sobretudo, nas primeiras comunidades cristãs. Pois essa é também uma das reformas que Francisco tem em mente. Não se trata de nenhum dogma. A mulher poderia ser admitida ao diaconato amanhã mesmo.
Como escreveu Phyllis Zagano, da Universidade de Loyola de Chicago,
a maior especialista da Igreja neste tema, “o diaconato feminino não é
uma ideia para o futuro. É um tema do presente, para hoje”. E conta que
havia abordado o tema com o cardeal Ratzinger, antes de ser papa, e que lhe respondeu: “É algo em estudo”. No pontificado de Bento XVI não se realizou, mas o Papa Francisco poderia acelerar o processo. Atualmente, a Igreja Apostólica Armênia e a Ortodoxa Grega, ambas unidas a Roma, contam com diaconisas.
Chegada a mulher ao diaconato, já é possível, sem mudar o atual Direito Canônico,
fazer uma mulher cardeal com o título de diaconisa. Mais ainda,
bastaria mudar a atual lei para permitir que um leigo, e, portanto, uma
mulher, possa ser eleita cardeal, já que houve pelo menos dois casos na
Igreja em que leigos foram nomeados cardeais: o Duque de Lerma, em 1618, e Teodolfo Mertel, em 1858.
O cardinalato não implica consagração presbiteral nem episcopal; é um cargo de conselheiro do Papa
O cardenalato não supõe a consagração presbiteral nem episcopal. Os
cardeais são conselheiros do Papa e sua função principal é escolher o
novo sucessor de Pedro. Há algum inconveniente em que uma mulher possa dar seu voto no silêncio do conclave? Seu voto valeria menos que o de um varão?
Um jesuíta me dizia: “Conhecendo este papa, não teria medo para fazer
uma mulher cardeal e até lhe encantaria ser ele o primeiro papa a
permitir que a mulher pudesse participar da eleição de um novo papa”.
Quando Francisco, em sua longa entrevista, insiste
em que não quer fazer as mudanças precipitadamente e que prefere antes
“ouvir” a Igreja, é porque tem essas mudanças, algumas surpreendentes,
em mente, talvez bem enumeradas. Quer apresentá-las com o aval não
apenas da hierarquia, mas do povo de Deus.
Com este Papa, como diria Federico Fellini, “La nave va”. Com Francisco,
os pilares da Igreja começam a se mover. E muitos começam a tremer. De
medo. Dentro, não fora da Igreja. Fora começam a ressoar antes as notas
de estupor e até de incredulidade. “Com este papa quase me dá vontade de
me tornar católica”, escreveu no sábado uma leitora neste jornal.