Fernando Rodrigues: Professor, o senhor, voltando à
pergunta do início, essa falsa questão, que os tucanos e os petistas
ficam se atacando uns com os outros sobre se havia mais corrupção antes,
ou se agora há mais investigação. O senhor identifica objetivamente nos
últimos anos algumas mudanças que provem que, de fato, melhoraram a
qualidade do Estado para combater a corrupção ou isso também é difícil
de se detectar?
Roberto Romano: Veja, a Constituição de 88 deu um
instrumento muito bom para a sociedade que é justamente a autonomia do
Ministério Público. Essa foi, foi um grande elemento...
Fernando Rodrigues: Mas foi de 88.
Roberto Romano: Exato, desde então Ministério
Público tem cumprido com sua função de uma maneira admirável com algumas
exceções gravíssimas, como é o caso, aí me perdoe dizer, é o caso da
perseguição ao Eduardo Jorge [ex-secretário-geral
da presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira no governo de
Fernando Henrique Cardoso em 2000]. Certos elementos do Ministério
Público, eu diria quase que, com poder novo, abusaram desse poder, mas
eu não digo que sejam todos.
Fernando Rodrigues: Mas o Ministério Público é quase
como um quarto poder hoje. Dentro da estrutura clássica dos três
poderes, o senhor vê alguma melhora nos três poderes, judiciário,
executivo e legislativo para combater a corrupção digamos, nos últimos
dez anos?
Roberto Romano: Fernando, as melhoras são pontuais,
mas o problema é a estrutura inteira do Estado brasileiro que dá ao
executivo prerrogativas quase que ainda mantendo as prerrogativas do poder moderador.
Então, é como se você tivesse um imperador que a cada período é eleito,
quase sempre censitariamente, ele é consagrado por milhões de votos e
dificilmente consegue fazer a tal da base parlamentar de apoio. Mas,
você tem então essa assimetria, você tem aparentemente um poder público
todo poderoso, mas que a qualquer momento pode ser pressionado, ou
inclusive chantageado pelos parlamentares. Enquanto isso o poder
judiciário, na base, tenta executar o seu trabalho, mas tem um órgão
chamado STF [Supremo Tribunal Federal], e as pessoas dizem, quase que
com uma desculpa, é um órgão político. É um órgão político, mas de uma
maneira um pouco estranha.
Fernando Rodrigues: É o que erra por último.
Roberto Romano: Exatamente. E erra da maneira mais,
no meu entender, muitas vezes desastrosa, porque o tipo de julgamento é
feito de tal modo que dificilmente se restabelece, através da ação do
judiciário, o famoso equilíbrio dos três poderes. Eu gosto de lembrar
que o poder moderador foi guiado pelo Benjamim Constant [(1767-1830) pensador; teórico da política, escreveu Sobre a liberdade dos antigos comparada com a dos modernos,
em 1819, em que contrapunha a liberdade dos indivíduos em relação ao
Estado] numa linha liberal, como um poder neutro, ele seria neutro, ele
teria a função de evitar os choques e as diferenças dos três poderes. E
seria exercido pelo chefe do Estado, mas de maneira neutra. Aqui, em
1824, ele foi colocado como um poder superior e continua até hoje. Quer
dizer, essa idéia de que o chefe do Estado tem essa supremacia na
estrutura inteira do Estado. Isso é fonte de todas as crises, que no meu
ver, se dão no Estado brasileiro.