segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Estado, 22/12/2013

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Conselheiro Aécio

22 de dezembro de 2013 | 2h 06

ROBERTO ROMANO, 
 
ROBERTO ROMANO É FILÓSOFO, PROFESSOR DA UNICAMP, AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE , O CALDEIRÃO DE MEDEIA (PERSPECTIVA) - 
 
O Estado de S.Paulo
 
Uma cena marcante do filme Pierrot le Fou (O Demônio das Onze Horas), dirigido por Jean-Luc Godard) mostra uma festa de gente rica. Nela, as conversas repetem slogans sobre objetos do desejo. As referências mais constantes são aos carros de luxo. Na época (1965), a paixão de consumo trazia a marca Alfa Romeo. Na sala festiva não existe indivíduo ou grupo cultural distinto e autônomo. As frases se encadeiam nos bonecos falantes que elogiam a etiqueta de seus vestidos, ternos, sapatos. É o delírio da propaganda. O herói (Jean-Paul Belmondo) que se ergue contra tal sistema mata a si mesmo, pois não encontra a quem realmente contestar na sociedade dominante. Ele não conseguiu fugir da armadilha discursiva e prática que cerca sua pretensa missão revolucionária. 

O marketing, segundo Sergei Tchakhotine (A Mistificação das Massas pela Propaganda Política) sugestiona mais do que explica. Ele move as pulsões humanas, cria necessidades nas pessoas-alvo. A propaganda política combina todos os impulsos e desejos e usa slogans de maneira automática, o que impede o público-alvo de pensar duas vezes sobre o que é dito, prometido, ameaçado, pelos partidos e candidatos. Sem falar na longa prática brasileira de engodo propagandístico (que vem do DIP, onipotente na ditadura Vargas, até Collor de Mello), só em São Paulo exemplos vistosos mostram o poder do marketing para mistificar eleitores. Bastam dois nomes para ilustrar a coisa: Fura-Fila e Arco do Futuro. A notícia recente mais importante é a ruptura de Aécio Neves com seu marqueteiro. Não por acaso, o principal ministro a serviço da presidente Dilma Rousseff é João Santana. E Duda Mendonça é a noiva cobiçada por vários políticos nacionais. 

No PSDB, a guerrilha perene dos dirigentes desencantou: Serra aceita Aécio como candidato. Aceita, mas não canta hinos jubilosos ao vencedor. A memória do Lulécio (a campanha disfarçada de Aécio em favor de Lula, contra o candidato de seu partido) e do Dilmasia (façanha idêntica em favor de Rousseff, contra a candidatura do PSDB) é recente e forte. O partido precisa efetuar uma engenharia política eficaz para diminuir a ferida aberta pela sede de poder que domina o herdeiro de Tancredo Neves. 

Mas, pelos sinais emitidos no quartel tucano, a tarefa partidária está longe de ser eficaz. A plataforma lançada na Câmara dos Deputados é cheia de slogans, vazios como as falas dos ricos em Pierrot le Fou. Ela canta as delícias da ética pública em tons de Conselheiro Acácio ("restaurar valores e ideias caros aos brasileiros", "colocar o poder público a serviço da coletividade"). Nela são sugeridas mudanças sem nada mudar no concentracionário Estado brasileiro ("não se trata de Estado mínimo, tampouco de Estado máximo"). A propaganda tucana retoma os mantras gastos na saúde ("aplicar melhor os recursos, investindo na melhor organização, na eficiência e na gestão"). E nem falemos do prometido "ambiente econômico saudável, com bases sólidas que permitam recuperar confiança e credibilidade", ou das "portas de inclusão" para as famílias nos programas sociais. A pérola é a proposta de redução dos impostos "para melhor distribuição de receitas para Estados e municípios". 

Nenhuma das medidas indicadas acima é original, nenhuma delas vem com um rol de mudanças estruturais na federação brasileira, nenhuma delas analisa e critica a forma do Estado federal e os poderes desmedidos da Presidência em detrimento dos outros poderes, dos Estados, dos municípios. E nenhuma delas questiona o verdadeiro mensalão, oficializado nas concessões de emendas parlamentares (para aprovar o Orçamento de 2014, R$ 2 milhões serão "cedidos"pelo Executivo aos congressistas), parte apenas do preço pago pela Presidência para manter sua hegemonia. 

Dilma Rousseff controla as obras públicas, os recursos financeiros, a propaganda, além de contar com o PT, um partido que domina suas divisões internas. Já a situação dos tucanos é cheia de aporias. Eles não construíram uma agremiação de massa (Fernando Henrique os alerta desde longa data para a urgente busca de apoio popular) nem instalaram diretórios em todas as regiões e municípios, e sempre dependeram de alianças à direita. Os partidos da direita encolheram; o DEM nem é sombra do PFL e a nova direita apoia… Dilma. Eduardo Campos tem o pé em duas canoas: de um lado, os ecologistas, de outro, o setor ruralista. Difícil conciliar tais interesses. Fora o governo paulista, sob o comando de Geraldo Alckmin, as perspectivas do PSDB são pouco alvissareiras. Os tucanos deveriam tudo fazer para atenuar suas diferenças (sem trocos ao Lulécio e ao Dilmasia) e para robustecer a candidatura Alckmin, talvez o último reduto relevante da oposição no próximo quatriênio. Se as fraturas tucanas não forem sanadas, a semelhança com Pierrot le Fou será perfeita: no fim, vítimas da sociedade de consumo e da propaganda, inclusive da sua, como o herói de Godard, eles colocarão explosivos na própria testa e…