Conselheiro Aécio
22 de dezembro de 2013 | 2h 06
ROBERTO ROMANO,
ROBERTO
ROMANO É FILÓSOFO, PROFESSOR DA UNICAMP, AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS,
DE , O CALDEIRÃO DE MEDEIA (PERSPECTIVA) -
O Estado de S.Paulo
Uma cena marcante do filme Pierrot le Fou (O Demônio das
Onze Horas), dirigido por Jean-Luc Godard) mostra uma festa de gente
rica. Nela, as conversas repetem slogans sobre objetos do desejo. As
referências mais constantes são aos carros de luxo. Na época (1965), a
paixão de consumo trazia a marca Alfa Romeo. Na sala festiva não existe
indivíduo ou grupo cultural distinto e autônomo. As frases se encadeiam
nos bonecos falantes que elogiam a etiqueta de seus vestidos, ternos,
sapatos. É o delírio da propaganda. O herói (Jean-Paul Belmondo) que se
ergue contra tal sistema mata a si mesmo, pois não encontra a quem
realmente contestar na sociedade dominante. Ele não conseguiu fugir da
armadilha discursiva e prática que cerca sua pretensa missão
revolucionária.
O marketing, segundo Sergei Tchakhotine (A Mistificação das Massas
pela Propaganda Política) sugestiona mais do que explica. Ele move as
pulsões humanas, cria necessidades nas pessoas-alvo. A propaganda
política combina todos os impulsos e desejos e usa slogans de maneira
automática, o que impede o público-alvo de pensar duas vezes sobre o que
é dito, prometido, ameaçado, pelos partidos e candidatos. Sem falar na
longa prática brasileira de engodo propagandístico (que vem do DIP,
onipotente na ditadura Vargas, até Collor de Mello), só em São Paulo
exemplos vistosos mostram o poder do marketing para mistificar
eleitores. Bastam dois nomes para ilustrar a coisa: Fura-Fila e Arco do
Futuro. A notícia recente mais importante é a ruptura de Aécio Neves com
seu marqueteiro. Não por acaso, o principal ministro a serviço da
presidente Dilma Rousseff é João Santana. E Duda Mendonça é a noiva
cobiçada por vários políticos nacionais.
No PSDB, a guerrilha perene dos dirigentes desencantou: Serra aceita
Aécio como candidato. Aceita, mas não canta hinos jubilosos ao vencedor.
A memória do Lulécio (a campanha disfarçada de Aécio em favor de Lula,
contra o candidato de seu partido) e do Dilmasia (façanha idêntica em
favor de Rousseff, contra a candidatura do PSDB) é recente e forte. O
partido precisa efetuar uma engenharia política eficaz para diminuir a
ferida aberta pela sede de poder que domina o herdeiro de Tancredo
Neves.
Mas, pelos sinais emitidos no quartel tucano, a tarefa partidária
está longe de ser eficaz. A plataforma lançada na Câmara dos Deputados é
cheia de slogans, vazios como as falas dos ricos em Pierrot le Fou. Ela
canta as delícias da ética pública em tons de Conselheiro Acácio
("restaurar valores e ideias caros aos brasileiros", "colocar o poder
público a serviço da coletividade"). Nela são sugeridas mudanças sem
nada mudar no concentracionário Estado brasileiro ("não se trata de
Estado mínimo, tampouco de Estado máximo"). A propaganda tucana retoma
os mantras gastos na saúde ("aplicar melhor os recursos, investindo na
melhor organização, na eficiência e na gestão"). E nem falemos do
prometido "ambiente econômico saudável, com bases sólidas que permitam
recuperar confiança e credibilidade", ou das "portas de inclusão" para
as famílias nos programas sociais. A pérola é a proposta de redução dos
impostos "para melhor distribuição de receitas para Estados e
municípios".
Nenhuma das medidas indicadas acima é original, nenhuma delas vem com
um rol de mudanças estruturais na federação brasileira, nenhuma delas
analisa e critica a forma do Estado federal e os poderes desmedidos da
Presidência em detrimento dos outros poderes, dos Estados, dos
municípios. E nenhuma delas questiona o verdadeiro mensalão,
oficializado nas concessões de emendas parlamentares (para aprovar o
Orçamento de 2014, R$ 2 milhões serão "cedidos"pelo Executivo aos
congressistas), parte apenas do preço pago pela Presidência para manter
sua hegemonia.
Dilma Rousseff controla as obras públicas, os recursos financeiros, a
propaganda, além de contar com o PT, um partido que domina suas
divisões internas. Já a situação dos tucanos é cheia de aporias. Eles
não construíram uma agremiação de massa (Fernando Henrique os alerta
desde longa data para a urgente busca de apoio popular) nem instalaram
diretórios em todas as regiões e municípios, e sempre dependeram de
alianças à direita. Os partidos da direita encolheram; o DEM nem é
sombra do PFL e a nova direita apoia… Dilma. Eduardo Campos tem o pé em
duas canoas: de um lado, os ecologistas, de outro, o setor ruralista.
Difícil conciliar tais interesses. Fora o governo paulista, sob o
comando de Geraldo Alckmin, as perspectivas do PSDB são pouco
alvissareiras. Os tucanos deveriam tudo fazer para atenuar suas
diferenças (sem trocos ao Lulécio e ao Dilmasia) e para robustecer a
candidatura Alckmin, talvez o último reduto relevante da oposição no
próximo quatriênio. Se as fraturas tucanas não forem sanadas, a
semelhança com Pierrot le Fou será perfeita: no fim, vítimas da
sociedade de consumo e da propaganda, inclusive da sua, como o herói de
Godard, eles colocarão explosivos na própria testa e…