“Seguimos devagar e sempre no combate à corrupção”, avalia especialista
9 de dezembro de 2013
Dyelle Menezes9 de dezembro de 2013
A corrupção está presente em vários setores da sociedade e transforma o poder num verdadeiro agregador de vantagens. Em 2013, apesar de famosos corruptos terem finalmente chegado às penitenciárias brasileiras, o Brasil ocupa a 72ª posição em uma lista de 177 países no ranking mundial da corrupção. Em 2012, o país ocupou a 69ª colocação.
Neste dia 9 de dezembro é celebrado o Dia Internacional de Combate à Corrupção. Na data que marca a assinatura da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, o Contas Abertas entrevistou o professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas, Roberto Romano.
Segundo o especialista, o combate à corrupção no Brasil tem seguido “devagar e sempre”. Entre os problemas no setor, o professor apontou a centralização das políticas públicas brasileiras na federação, a burocracia e a troca de favores para conseguir cargos políticos e os repasse de recursos.
Confira a entrevista completa:
Contas Abertas (CA) -No Dia Internacional de Combate à Corrupção como o senhor analisa essa área no Brasil?
Roberto Romano - Em primeiro lugar é preciso ter uma ideia mais planetária do problema da corrupção. O Estado, como nós conhecemos desde o século XVII, está entrando em uma crise inédita em termos mundiais. Ele concentra em si os famosos três monopólios: da força física (polícia e exército), da norma jurídica e da imposição de taxas e impostos. Esses monopólios definiram a história do Estado moderno e o desenvolvimento da iniciativa pública em todo o mundo.
Acontece que o Estado, tal como pensado para o século XVII, foi idealizado para países de porte pequeno em termos populacionais. É incomensurável a diferença, por exemplo, quando comparado com a quantidade de cidadãos que vivem em países medianos atualmente. Os problemas são muito maiores, as exigências e dificuldades também. O Estado não está conseguindo garantir esses três monopólios, que se confundem com a soberania, e isso favorece a corrupção.
No Brasil a situação é mais grave porque essa centralização de todos os estados não foi acompanhada de forte movimento de cidadania e democracia interna. Por aqui tudo é centralizado no nível federal (políticas, impostos, educação, saúde, etc).
As políticas públicas são uma espécie de monopólio do Estado federal. Com isso temos uma enorme burocracia, que atrasa o repasse de recursos entre as esferas da administração e obriga a existência de intermediários, deputados e senadores, por exemplo, que fazem lobby para conseguir recursos. Quando temos intermediação, temos pagamento de serviços prestados. Então, enquanto não tivermos no Brasil uma federação estabelecida, mais respeitosa, a corrupção vai estar presente.
Nossos deputados e senadores são mais lobbistas do que representantes, você tem 11 projetos de regulamentação do lobby no Brasil que não saem da gaveta de jeito nenhum. Porque acabaria com boa parte da função atual de parlamentares, que cairia por terra. É proibido ser oposição no Brasil.
CA – Precisamos refletir mais sobre isso?
Romano - Com certeza, a Federação Russa saiu do czarismo, passou pelo comunismo, e, no entanto, as unidades federadas têm mais autonomia do que as brasileiras. É algo a ser pensada. É estranho que não reflitamos mais sobre essa questão federativa. Essa questão é um grande incentivador, inclusive, da confiança da população nos governantes. As manipulações que os governo vem fazendo no orçamento, por exemplo, são horríveis, é como se não tivéssemos que prestar contas para ninguém.
CA – A prestação de contas mais efetiva pode ajudar?
Romano - A crise dos Estados só não está pior em razão dos processos de prestação de contas, ou seja, de responsabilização dos órgãos públicos. No Brasil, só agora nós temos legislações específicas que permitem maior da corrupção. Não por acaso, por exemplo, que pouco antes das jornadas de junho, vimos deputados que queriam mudanças drásticas na lei de improbidade administrativa, o que não aconteceu pelas manifestações. Caso contrário, eles não teriam mais que prestar contas a ninguém.
CA – Como o senhor analisa a sociedade brasileira nesse sentido?
Romano - Embora a crise não seja tão sentida no Brasil, quando mais democrático o Estado, qualquer fenômeno mais violento de corrupção vem a tona com grande facilidade, dada a liberdade imprensa e cidadania mais amadurecida. Aqui no Brasil, a sociedade não tem tanta consciência dessa falta de federalismo, de democracia e accountability. Essa consciência aparece somente nos escândalos, esquecendo-se de que há um sistema e esse sistema opera ao mesmo tempo em outros setores. Nesse aspecto sincrônico, nós não prestamos muita atenção. Só aparece diacronicamente e esse é o elemento hipnotizador, porque a população começa a ficar cansada e desacreditar que pode mudar alguma coisa. Isso também favorece a corrupção.
No entanto, eu diria que tendemos a super estimar a corrupção no Brasil e subestimar a corrupção no exterior. Russia e Itália, por exemplo, têm práticas de corrupção mais violentas do que a nossa no Brasil. A diferença é que esses Estados têm populações pequenas e mais envolvidas. O cidadão italiano sabe que existe corrupção, mas exige seu direitos. Não temos isso, não temos exercício da cidadania para exigir e cobrar.
CA – O que falta para a população ser mais participativa?
Romano - Antigamente tínhamos educadores coletivos para jovens cidadãos que queriam marcar presença de norte a sul do país. Eles se aperfeiçoavam do ponto de vista prático e teórico, por exemplo. Porém, com a ditadura, esses movimentos foram perseguidos e reprimidos, o que diminuiu esse poder “educacional” que permitia uma análise aguçada. Quando terminou o período da ditadura esses movimentos não tinham mais essa presença nacional e foram substituídos por partidos, que tentaram fazer movimentos de juventude, mas não conseguiram. Ou seja, não temos mais educadores coletivos.
CA – Há alguma novidade sobre isso?
Romano - O que pode mudar isso é a internet. As redes sociais estão pouco a pouco criando mecanismos de análise e de ação que são mais efetivos do que em anos passados. É uma mudança difícil porque militância maniqueia, que vemos em blogs, por exemplo, pouco a pouco vai se retirando um série de indíviduos e grupos que se cansam da mesmice e que começam a falar. É um processo pedagógico muito lento. Porém, é valido ressaltar que as novas ferramentas não vão substituir a imprensa, importantíssima no processo de cidadania. Também é necessário ter mais participação da universidade em debates sobre o tema.
CA – As manifestações de junho são um começo?
Romano - Sim, manifestações como as de junho são essencias e precisam se estabelecer como “sujeito político”. Porém, o problema é que esses movimentos não possuem continuidade. Sobretudo porque precisamos considerar outro fator gravíssimo na história do Brasil que é o fato dos nossos partidos políticos serem absolutamente antidemocráticos e fechados a novos valores e pessoas. Temos diretores de partidos que estão no cargo há mais de 30 anos, fazem todo tipo de acordo de leniência e não deixam que ninguém fiscalize. O que acontece é que essas tratativas secretas só aparecem em escândalos como o do Mensalão, quando um “dono de partido”, como Roberto Jefferson, não conseguiu o que queria e vai à público denunciar os outros.
CA- Como o senhor analisa o julgamento do mensalão no combate à corrupção no Brasil? Acredita que seja o início de uma mudança? Penalizando e prendendo corruptos?
Romano - Isso vai depender dos movimentos sociais democráticos, que levaram à aprovação da lei da ficha limpa, que partem dessas manifestações como as de junho, que mantiveram luta contra a PEC 37 e o final da lei de improbidade administrativa. Depende desse incipiente movimento de cidadania que está se formando pouco a pouco no Brasil. As pessoas precisam se organizar e encontra uma pauta forte. Além disso, o papel da imprensa e de uma oposição firme devem ser direcionados para isso.
CA – Essa mudança é possível?
Romano - O sinal de que mudanças são possíveis, nós podemos encontrar nas pesquisas eleitorais. Mesmo os que pretendem votar na presidente Dilma Rousseff, querem modificações nos procedimentos de governo. Isso mostra que a condição das políticas públicas não está sendo aplaudida pelas pessoas que têm intenção de voto no governo. Esse sinal é importante porque os grandes escândalos de corrupção acontecem nas grandes obras públicas no Brasil. Além disso, mostra a insatisfação com essa super centralização e ineficácia que deixaram as cidades se desenvolverem populacionalmente e não oferecerem serviços dignos para todos.
CA – Como o senhor analisa o combate à corrupção no Brasil nos últimos?
Romano - Temos seguido “devagar e sempre”. Não sou pessimista, o governo Itamar Franco assumiu um país com grande inflação e taxa de corrupção imensa herdada do Collor e estabeleceu parâmetros de combate a corrupção que foram historicamente predefinidos. Com Fernando Henrique tivemos grandes avanços no combate à corrupção, com diversas iniciativas na linha da prestação de contas. Já no governo Lula temos a criação da Controladoria-Geral da União, que merece respeito. Porém, no governo Lula, a questão de combate à corrupção virou essencialmente ideológica e partidária. É uma discussão muito difícil, não porque foi partidarizada e o problema não está no partido que se apresenta no governo, mas porque estrutura do país estáinalterada desde dom Pedro I. Por isso caminhamos lentamente.
CA – Como o senhor vê o trabalho da CGU?
Romano - Na medida do possível, a CGU tem realizado um bom trabalho. Porque são muitos municípios, e a quantidade de fiscais da Controladoria não é suficiente para cobrir toda essa rede. As irregularidades precisam ser entendidas como um sistema e a CGU não consegue tomar conta de tudo isso. O trabalho é correto, porém, insuficiente. É preciso considerar também que, aumentando o número de fiscais, o órgão poderia se transformar em uma polícia paralela e não podemos esquecer que ela está sob a tutela do Executivo.
CA – Quais os próximos passos primordiais para o Brasil no combate à corrupção?
Romano - Primeiro ponto é justamente democratizar os partidos políticos, com o fim imediato da prerrogativa de foro. Não caio na cantiga de coitadinho do prefeito, que vai ser perseguido por ser uma pessoa pública. Essa questão tem sido desastrosa. No caso da ação 470, por exemplo, esse fator atrasou em anos um processo que estaria resolvido na base. Esses privilégios para autoridades brasileira são como a jabuticaba, só tem por aqui. Outro problema é o status patrimonialista de qualquer governante. Por que o vereador precisa de carro último ano com motoristas? Não tem sentido, é um atentado manter um casta que anda com carro novo todo ano, enquanto pessoas passam fome. Esse tipo de gasto de juízes e parlamentares tem que acabar. A terceirização de cabos eleitorais disfarçado e os cargos comissionados têm que acabar, não é moralismo, é questão básica de cidadania.
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