domingo, 22 de dezembro de 2013

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Dezembro/2013

Academia

O fundamental da língua clássica

Projeto promove aulas de grego e latim em escola pública de educação básica

Por Marcelo Módolo e Henrique Braga


Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo", diz Manuel Bandeira no poema "Profundamente". Mesmo tratando da transitoriedade da existência - tema lírico conhecido pela expressão latina Ubi sunt, redução de Ubi sunt qui ante nos fuerunt? (algo como "Onde estão aqueles que foram antes de nós?") -, o verso se aplica bem ao rumo dado na atualidade às línguas clássicas, aquelas que recebem a desagradável denominação de "línguas mortas".

A justificativa para o termo "línguas mortas" tem fundamento. Tratar essas línguas como "defuntos", no entanto, acaba por sugerir que seu estudo seja desimportante.

É contra essa concepção que se posiciona o projeto Minimus: grego e latim no ensino fundamental.

Proposto por Paula da Cunha Correa - professora de língua e literatura grega na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP - e fomentado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da mesma universidade, conta com apoio da Onassis Foundation (EUA).

EquipeA iniciativa leva aulas de grego, latim e cultura clássica a estudantes do 4º, 6º e 7º anos do fundamental na escola municipal Desembargador Amorim Lima, na cidade de São Paulo, (http://amorimlima.org.br/). A ideia inicial era oferecer um curso extracurricular, o que ficou aquém do entusiasmo despertado pelo projeto na diretora da escola, Ana Elisa Siqueira. Resultado: o projeto foi inserido na grade curricular dos alunos. Isso foi possível não só pela proposta de curso coesa e bem fundamentada com que conta o Minimus, mas pelo audacioso projeto pedagógico da escola.

Inspirado na Escola da Ponte (de S. Tomé de Negrelos, no Porto, em Portugal), o método da Amorim Silva se baseia em roteiros de pesquisa, incentivando a autonomia dos alunos. Embora as aulas expositivas não deixem de ser um recurso de ensino-aprendizagem, estimula-se que os alunos trabalhem em grupos, de forma mais atuante no seu processo de construção do saber.

É nesse contexto que, sob a supervisão de Paula, seus alunos de graduação e pós em Letras Clássicas na USP fazem o projeto acontecer: a equipe de vinte monitores elabora o material didático (com base nos métodos Athenaze e Minimus, mas sem limitar-se a eles), preparara e ministra as aulas na escola. Somam-se ao grupo três graduandos cuja função é auxiliar os alunos com maiores dificuldades em desenvolver competências comunicativas em português.

Conscientes de que o contato com uma língua requer acesso ao seu ambiente cultural, a equipe ministra ainda aulas sobre mitos clássicos - para os alunos do 4º ano - e sobre teatro, lírica, épica, historiografia e filosofia - para os do 6º e 7º anos. A proposta não é passadista, nem almeja fazer do conhecimento das línguas clássicas um mero instrumento de distinção social.

VivacidadeCom base em estudos estadunidenses sobre efeitos do ensino-aprendizagem de latim e grego, o Minimus busca desenvolver nos alunos atendidos maior consciência sobre mecanismos da língua materna, mais facilidade em lidar com línguas estrangeiras e maior competência de raciocinar lógica e criticamente.

Os discentes de graduação e pós  adquirem experiência didática intensa e pouco convencional, já que desde a LDB 4.024/61 de 1961 (que tirou a obrigatoriedade do ensino de latim e grego, decretando seu fim) não foi mais possível trabalhar com um público desse nível de escolaridade.

Medir os resultados desse trabalho, desenvolvido neste 2013 e passível de renovação em 2014, será tarefa complexa. Segundo Paula, em escolas estadunidenses nas quais se realizou semelhante experiência, aulas de grego e latim melhoraram o desempenho dos alunos na língua materna, em línguas estrangeiras e atividades que exploram o raciocínio lógico. Para isso, foi necessária a criação de um grupo-controle: as aulas foram oferecidas a um conjunto de alunos, negadas a outros e, na comparação, observou-se um incremento na formação dos que tiveram acesso ao projeto.

Abrindo mão de obter resultados estatísticos mais rigorosos e menos discutíveis, o projeto Minimus optou por oferecer a todos os alunos o mesmo acesso ao conhecimento. A comparação, portanto, será feita entre os alunos que vêm participando dessas aulas e os que frequentaram as mesmas séries em anos anteriores, o que, como reconhecem os pesquisadores, pode não resultar em uma avaliação estatística tão consistente quanto a que se obteria se a comparação fosse feita com um grupo-controle.

AcessoO comentário da professora Paula Correa sobre essa busca de resultados revela muito do espírito do trabalho.

- Se o projeto não alcançar todos os objetivos pretendidos de forma plenamente satisfatória, esperamos que os alunos, diante da riqueza dessas línguas, dos mitos e das grandes obras clássicas, adquiram uma perspectiva mais ampla e humanística e, por meio da comparação com essas culturas do passado, adquiram uma melhor compreensão de si - avalia ela.

Em um contexto neoliberal, no qual mesmo o mundo acadêmico sofre pressões para se submeter à lógica produtivista do mercado, as palavras da professora Paula Correa mostram que a universidade pode ser um belo espaço de resistência.