'Sem reforma há risco de instabilidade no Congresso’
Co-autor da proposta de reforma política que tramita no Congresso, o ministro Tarso Genro (Justiça) sai em defesa do voto em lista e do financiamento público da eleição.
Em entrevista ao blog, diz que o Congresso, mesmo em crise, tem legitimidade para alterar o sistema eleitoral.
Afirma que não é a mudança, mas a manutenção do atual modelo que submete o Legislativo a riscos.
“Se não melhorarmos isso aí, podemos entrar numa situação de risco de instabilidade no Congresso”.
Vai abaixo a entrevista do ministro, subdividida em duas partes:
- Acha que, sob crise, o Congresso consegue votar?
Tenho ouvido algumas críticas de que um Congresso em crise não teria condições de fazer uma reforma política séria. Essa é uma visão que impugna a própria possibilidade de o Congresso atual sair da crise.
- A reforma política elimina a crise?
Se o Congresso não tem condições de legislar em temas importantes para o país, não tem condições de sair da crise. Daí, nós arrastaríamos essa crise para o ano eleitoral de uma forma totalmente prejudicial para o processo democrático.
- Acredita na aprovação da reforma já para a eleição de 2010?
Essa é uma agenda que ajuda o Congresso a sair dessa situação em que se encontra. E contribui para firmá-lo, de modo a não permitir que o Congresso entre numa crise de legitimidade.
- Há crise de legitimidade?
Não há crise de legitimidade atualmente. Mas se essa situação dos processos eleitorais continuar determinando essas irregularidades que normalmente são alvos de debates no Congresso e na imprensa, se não melhorarmos isso aí, podemos entrar numa situação de risco de instabilidade no Congresso. E essa situação de risco vai exacerbar o poder dos outros poderes, tanto do Executivo quanto do Supremo. O que não é bom para a democracia.
- Por que reduzir a reforma à lista fechada e ao financiamento público?
Esse debate está sendo feito de forma distorcida. O governo mandou um conjunto de seis propostas. Envolve outras questões –cláusulas de barreira e coligações proporcionais, por exemplo. Mas sempre tivemos a visão de que não se formaria uma maioria em torno de uma reforma total. As seis propostas foram uma opção para que se pudesse formar maiorias pontuais em torno de temas relevantes.
- Financiamento público e voto em lista são os temas mais relevantes?
São temas fundamentais. São dois projetos que nos mandamos e que o deputado Ibsen Pinheiro [PMDB-RS, coordenador do grupo que destrinchou a reforma política na Câmara] está transformando em um projeto.
- A lista fechada não submete o eleitor à vontade da caciquia dos partidos?
Essa é uma visão totalmente equivocada. Caciquismo partidário é o que temos hoje.
- Como se dá o caciquismo atual?
Ele se dá em cima da votação nominal. A lista aberta, que determina a votação nominal tal como temos hoje, concentra votos de maneira totalmente estranha à vontade do eleitor. Privilegia os conchavos políticos. O resultado desses conchavos cria lideranças artificiais.
- O voto nominal não reflete a vontade do eleitor?
A votação nominal, em lista aberta, não não privilegia a visão que o eleitor deve ter de um partido. Como ocorrem coligações, esse voto do eleitor se desprende. Ele vota no PCdoB e o resultado é eleger um deputado ou verador do DEM. Vota no PMDB e, eventualmente, no lugar em que o PT é mais forte, o voto dele resulta na eleição de um deputado ou vereador do PT. É falsa a visão de que a lista aberta estabelece uma relação direta do eleitor com o candidato.
- Está se referindo ao rateio do voto proporcional entre os partidos?
Exatamente. Veja, por exemplo, o caso do Enéas. Faz meio milhão de votos e elege junto com ele, com cinco mil votos, uma bancada enorme, que não tinha nenhuma relação com o voto original. O resultado é totalmente estranho ao desejo do eleitor.
- Qual é a vantagem da lista fechada?
Ela dá mais segurança ao eleitor. Ele pode examinar o partido e a lista que o partido ofereceu. O voto dele vai para o partido de sua preferência. Sempre. E vai representar a escolha de candidatos dispostos numa lista. O eleitor vai saber em quem está votando.
- A votação nominal não é mais democrática?
É falsa essa visão. A votação nominal é o que alimenta a relação personalista, o fisiologismo. Alimenta um sistema de alianças meramente de conveniência entre os partidos, que leva a uma deformação da representação. Valorizando os partidos estaremos valorizando o próprio processo democrático. Não entendo que a votação nominal seja superiror. Ela é despolitizada, personalizada e sem conteúdo político.
- A lista fechada não perpetua o caciquismo?
A dúvida é razoável. Mas ela é compensada por um outro aspecto. No sistema atual, de voto nominal, há as pessoas que desfrutam do privilégio do caciquismo formado pelo dinheiro. Na lista nominal, aqueles candidatos que tem mais força econômica adquirem mais força política dentro dos partidos e dentro da comunidade. Isso deforma a representação.
- Como evitar o privilégios aos caciques na elaboração das listas?
A própria lei pode determinar um processo amplamente democrático no interior dos partidos, para que a lista seja votada. O Ibsen [Pinheiro] fez acréscimo positivo: a possiblidade de apresentação de duas listas. O grupo que tiver em torno de 30% dos votos no colégio interno do partido que vai decidir sobre a lista pode ter o direito de apresentar uma segunda lista. Ou pode determinar uma proporcionalidade na composição da lista e na própria ordem dos nomes. Isso combate o caciquismo.
- De que maneira a lista fechada fortalece os partidos?
Não haveria mais campanha individual. O candidato teria que fazer campanha para a sua lista. Se estou entre os 15 primeiros, vou trabalhar, visitar pessoas, apresentar o meu nome, mas não numa propaganda individual. A campanha será em cima da lista. O eleitor vai veririficar se dentro daquela lista há nomes aceitáveis ou não. Pode concluir: Tenho simpatia por esse partido, mas a lista que ele me oferece não é razoável. Tem pessoas das quais eu discordo ou que já responderam a processos por corrupção. Vou procurar um partido que não tenha isso. O eleitor vai formar os seus critérios políticos e partidários, para eleger os seus deputados e vereadores. Me parece um voto muito mais democrático e moderno. Pergunto: O que é mais correto, apostarmos numa melhoria dos partidos ou deixarmos a oligarquia financeira continuar controlando os pleitos?
- E quanto ao financiamento público das campanhas?
O caciquismo do dinheiro é reforçado, na votação nominal, pelo financiamento privado. Com o financiamento público, teremos uma campanha infinitamente mais barata e submetida a um controle mais simples e, portanto, mais eficiente.
- Por que mais simples?
Os Tribunais Regionais Eleitorais vão passar a controlar seis ou sete contabilidades e não 500. Hoje, temos uma conta por candidato. Passaríamos a ter uma conta por partido. O que determina um controle, uma transparência maior. E o poder punitivo dos tribunais será muito mais certeiro. O que ocorre hoje? Além da demora na conferência da contabilidade dos candidatos, há uma jurisprudência volúvel. Os tribunais regionais tem posições diferentes. Examinam centenas de casos. Num controle mais direto, em cima da contabilidade do partido, os abusos seriam absolutamente verificáveis. E a punião mais forte.
‘Lula não quer e não autoriza falar em 3º mandato’
Tarso Genro declara, nesta segunda parte da entrevista que concedeu ao blog, que o diz-que-diz sobre terceiro mandato não tem as digitais do governo.
Afirma que o tema, ressuscitado nas franjas da reforma política, “não tem nenhuma pertinência”. Reafirma que “o presidente Lula não quer isso”.
Vai abaixo a parte final da entrevista do ministro:
- Não é utopia imaginar que financiamento público extingue o caixa dois?
Não vai extinguir, mas vai reduzir substancilamente. Nenhum dos sistemas é perfeito. Nenhum deles suprime completamente a corrupção. Mas o que temos que nos perguntar nesse momento é qual é o mais transparente e qual o que tem mais possibilidade de controle pelos órgãos oficiais.
- Uma parte do dinheiro continuará transitando por baixo da mesa, não?
Me parece que é incomparável a possibilidade de controle num sistema de lista fechada, com financiamento público, e a situação atual, em que impera uma verdadeira babel de financiamentos.
- Mas o dinheiro sujo, obviamente, circulará à margem do controle oficial.
Sim, mas o controle, no novo sistema, pode ser online. O gasto de todos os partidos pode ser controlado imediatamente. A Justiça Eleitoral pode estabelecer critérios para veririficar se entrou ou não o dinheiro ilícito na campanha. Nenhum dos sistemas extingue a corrupção e o financiamento ilegal. Mas parece evidente que reduz substancialmetne nesse modelo em discussão.
- O Estado tem como suportar mais esse gasto?
A visão de que o Estado vai gastar mais também é equivocada. Hoje, é sabido que em cada planejamento de custo das empresas que trabalham com o Estado vem inserido um determinado percentual que é de financiamento de campanhas eleitorais, legal ou ilegal. Isso ocorre na maioria das empresas. Elas passarão a ser muito menos achacadas por aquela parte dos políticos que tem financiamentos ilegais. As empresas serão resguardadas na lei, para não dar contribuição. Além disso, já temos hoje o fundo partidário, que financia os partidos políticos no Brasil. Podemos agregar um determinado percentual ao fundo partidário, que será denominado fundo de campanha. E teremos como resultado não a eliminação da corrupção, mas uma redução substancial dos abusos. Por isso devemos apostar, nesse momento, que o Congresso pode fazer uma reforma que melhore o sistema político. Não será um sistema perfeito. A perfeição, nessa matéria, não existe. Apesar de defender uma reforma mais abrangente, creio que essa reforma possível já produzirá um sistema muito melhor do que o atual.
- Não acha errado aprovar a reforma por lei ordinária? O correto não seria emenda constitucional?
Fizemos um estudo muito profundo sobre isso antes de mandar os projetos para o Congresso. Em relação a esses dois tópicos [lista fechada e financiamento público] temos absoluta convicção de que podem ser introduzidos por leis infraconstituionais.
- De onde vem essa convicção?
Fizemos uma discussão com juristas, ouvimos referências importantes do TSE e do STF. Conversamos também com o Ministério Público sobre esses proejetos. Eles não são novos. Tem um largo processo de amadurecimento. Nessas duas questões, acho totalmente impossível que se tenha declaração de inconstitucionalidade no futuro.
- Alguns aproveitam o debate da reforma e a doença de Dilma Rousseff para relançar a tese do terceiro mandato. O que acha?
Não tem nenhuma pertinência, nenhuma fundamentação. Isso é tema de oportunidade que alguém pode ter levantado. Mas é algo totalmente alheio ao governo. O presidente Lula não tem interesse nisso, não quer isso, não nos autoriza a falar sobre isso.
- Acha o debate prejudicial?
Eu acho que falar sobre isso é uma forma de vulnerabilizar ainda mais a harmonia entre os Poderes e a sobriedade, a responsabilidade com que o Executivo tem de trabalhar para que tenhamos no ano que vem um processo eleitoral num patamar superior ao que tivemos até agora.
- O que achou da decisão do diretório nacional do PT de condicionar as candidaturas estaduais do partido às conveniências da aliança presidencial?
Achei normal. Houve uma polêmica envolvendo o Rio Grande do Sul. Mas a polêmica não foi comigo. Foi com o calendário estipulado, por unanimidade, pelo direitório regional. Apenas respondi ao [Ricardo] Berzoini, quando ele falou sobre o assunto, porque eu estava protegendo o calendário do diretório regional.
- Como assim?
Não pedi aquele calendário. Todos nós nos increvemos [como pré-candidatos do PT ao governo gaúcho] dentro do prazo estipulado pelo partido em âmbito regional. Circularam informações como se a decisão do diretório nacional fosse contra a pressa de algumas candidaturas. É uma visão equivocada. Por mim, as inscrições poderiam ser feitas até o fim do ano. Do meu ponto de vista até seria muito melhor. O partido deu um prazo fechado. Quem não se increvesse até o final de abril, não poderia concorerer. Então eu autorizei a minha inscrição.
- Acha possível um acerto entre o PT e o PMDB gaúchos?
Na época em que eu era coordenador político do governo Lula, a pedido do presidente, coordenei a integração do PMDB no governo. Então, não tenho nenhum antagonismo com a participação do PMDB nas decisões que vão orientar a chapa do PT nacional.
- Mas e quanto ao acerto no Estado, é possível?
Cada Estado tem a sua especificidade. E aliança se faz quando os dois querem. No Rio Grande do Sul, a tradição é nos coordenarmos uma frente de centro-esquerda e o PMDB coordenar uma frente centrista ou de centro-direita. O que não tira a respeitabilidade do PMDB. Então, essa decisão nada tem a ver com a minha candidatura. É uma decisão nacional totalmente amparada pelo regimento. Eu mesmo já votei, no diretório nacional, em decisões que cassavam deliberações de diretórios regionais. É normal. Essa decisão de agora foi produto de negociação. A “Mensagem” [corrente partidária à qual pertence Tarso Genro] apoiou. O Zé Eduardo [Cardoso] negociou por nós uma decisão que, pra mim, é totalmente regimental.
- O calendário gaúcho se ajustará a essa resolução?
O calendário gaúcho, quanto ao debate para a busca de um consenso partidário, provavelmente vai continuar. Num determinado momento, em agosto, vai-se veririficar se tem ou não o consenso. E aí o diretório regional vai conversar com o nacional. Não creio que o diretório regional vá interromper o debate que está ocorrendo.
- Apóia a idéia de abrir uma CPI na Assembléia gaúcha para investigar a suspeita de caixa dois na campanha de Yeda Crusius (PSDB)?
Sinceramente, não estou participando desse debate. Até porque eu procuro não me envolver nos debates que se vinculem a questões de governo de Estado quando tem algum tipo de participação da Polícia Federal. E nesse caso específico há processos que derivam de verbas públicas cuja aplicação foi investigada com a participação da Polícia Federal. Não estou acompanhando o caso e não me manifestei sobre ele.