quarta-feira, 6 de maio de 2009

Correio Popular de Campinas, 06 de maio de 2009

Quarta feira, 6 de Maio de 2009


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Razão de Estado tupiniquim.

Roberto Romano

Quais mentiras operam na cultura moderna ? A ficção literária não é verdadeira nem mentirosa, pois não intenta enganar. Nem a lingua política comum, pois nela se encontram eufemismos, evasivas, silêncios, desinformações. Esta lingua promete sem prometer e deseja agradar e conseguir votos, persuadir mais do que convencer. Ela não pode ser dita mentirosa, mas demagógica. Nela, os interesses pragmáticos se sobrepõem aos demais. A publicidade exagera para persuadir. A lingua cotidiana conta mentiras que não podem ser tomadas ao pé da letra. Ela surge nas desculpas, saudações, fórmulas de contentamento ou tristeza. Citemos Mafalda, excelente personagem de quadrinhos retomada por V. Camps que se refere à frase “não tenho tempo” como boa “mentira dos adultos, que costuma funcionar”. “Existem classes e profissões (...) que forçam os seus representantes a mentir, como, por exemplo, os teólogos, os políticos, as prostitutas, os diplomatas, os poetas, os jornalistas, os advogados, os artistas, os fabricantes de alimentos, os operadores da bolsa (...) os cozinheiros, os traficantes de vinho”. (Herman Kesten citado por H. Weinrich, Metafora e menzogna; la serenità dell´ arte, Il Mulino, 1976).Mas nessas mentiras profissionais, diga-se, temos mentiras partilhadas, pois nelas o enganado participa e assume a mentira. Esta última, no entanto, sendo um jogo que deve ser aprendido, aquelas mentiras invadem todos os discursos, deixam de ser algo que vai contra o coletivo. Em alguns casos temos aí algo lícito, ou ilícito, segundo o caso. Passemos à mentira como violência e poder.

As mentiras mencionadas são socialmente aceitas, convencionais. A mentira real se identifica com a injustiça. Ela é violência só justificada pela aceitação do violentado. Nela, as duas partes —mentiroso e enganado— sabem que estão mentindo um ao outro, mas ao dirigido não resta nenhuma saída que não seja a adesão. Quando existe mentira real? Quando a competência lingüística é assimétrica: mente-se à criança, ao doente, ao fraco, ao vulnerável, ao que depende de tutores. A mentira é possibilitada pela dominação religiosa, política, ideológica, profissional. A luta contra a mentira de Estado formou o núcleo das revoluções democráticas na Inglaterra do século 17, na América e na França no século 18. Na democracia, a competência lingüística é simétrica e compartilhada. É por tal motivo que todos os reacionários do século 19 viram na democracia o regime onde todos falam, sem poder decidir.

Aprender o jogo da mentira —e não por acaso o estadista da Razão de Estado se aproxima do jogador que frauda as regras— é aprender a manipulação e o engodo, que encobrem a fala e disfarçam o pensamento. A Razão de Estado contraria o genero humano porque sua mentira é uma injustiça que não considera governantes e governados como iguais. Temos a assimetria entre cidadãos e cidadãos, entre cidadania e governantes.

Na semana passada e nesta, a mentira de Estado chegou ao máximo no Brasil. O presidente abençoa os parlamentares que se imaginam superiores aos cidadãos, com “direitos” a farras com o dinheiro público no uso de passagens e regalias. O beneplácito significa cumplicidade com a bandalheira. Mentem o Congresso e o Executivo ao colocar o selo da “normalidade” na indecência. Outra mentira é a “visita de Estado” do tirano Ahmadinejad, sob pretexto de enriquecer o caixa brasileiro, quando ela é de ordem geopolítica, estratégica. A mentira, diz Santo Agostinho,consiste em “dizer o contrário do que se pensa, com o intento de enganar”. (Da Mentira). O santo analisa a mentira feita para obter vantagens. As vantagens do governo tupiniquim, com suas Razões de Estado nanicas e suas mentiras para uso interno e internacional, resultam em desvantagem dos que pagam impostos neste triste país.