segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Blog de Marta Bellini

Segunda-feira, 31 de Agosto de 2009

Muito bom....


ANÁLISE DE TRÊS EXPRESSÕES
José Augusto Carvalho, Professor Dr da Universidade Federal do Espírito Santo
1. Correr atrás do prejuízo – Não poucos gramáticos se têm dedicado a atacar essa expressão, acreditando que “correr atrás do prejuízo” só pode significar a intenção de alcançar o prejuízo ou almejá-lo.
“Ir ao encalço de” ou “ir à procura de”, com o objetivo de alcançar, é apenas um dos sentidos da expressão “correr atrás de”, como está no Aurélio, no verbete “atrás”. Esse é o sentido usual, digamos “normativo”, da expressão.
O Dicionário de expressões populares portuguesas, de Guilherme Augusto Simões (Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993), o Novo Dicionário da gíria brasileira, de Manuel Viotti (3.ed. Rio de Janeiro, Tupã, 1957), e o Tesouro da fraseologia brasileira, de Antenor Nascentes (3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986), são omissos, porque a expressão é recente e se teria originado da gíria esportiva.
Se uma pessoa que está em segundo lugar pretende vencer uma corrida, tem de correr atrás de quem está em primeiro lugar, não para alcançá-lo, mas para ultrapassá-lo. Da mesma forma, quem corre atrás de um prejuízo não pretende alcançá-lo, por já estar em desvantagem, mas ultrapassá-lo ou vencê-lo.
As gírias, freqüentemente, expressam até mesmo o contrário do que dizem seus termos, numa leitura normativa. Assim, “entrar bem” significa “sair-se mal”; “entrar pelo cano” não significa “ficar dentro de uma tubulação”; “dar um tapa”, na gíria do futebol, não significa “dar uma bofetada na bola”, mas chutá-la com pouca força, como se fosse um tapinha e não um pontapé. Analisar a gíria com visão denotativa ou normativa é desconhecer o fato de que gíria é uma linguagem especial. Basta ler o glossário do maravilhoso livro Desabrigo e outros trecos, de Antônio Fraga (3.ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999), para verificar que a gíria tem sua lógica própria.
Se o leitor disser “correr atrás do prejuízo”, estará usando acertadamente uma expressão da gíria brasileira. A gíria não tem a obrigação de seguir padrões normativos.
2. Risco de vida / risco de morte – Muita gente pensa que é incorreto dizer “risco de vida”, uma vez que o risco é que leva ou pode levar à morte.
O raciocínio é unilateral. Não leva em conta um fato sintático: em “risco de vida”, o termo “de vida” é complemento nominal de “risco”, isto é, se “risco” fosse verbo, “de vida” seria objeto. “Arrisco a vida” significa “ponho a vida em risco”, “assumo risco de vida”.
A expressão “risco de morte” também é correta, e leva em conta outro fato sintático: em “risco de morte”, “de morte” é uma locução adjetiva que aí exerce função de adjunto adnominal, isto é, “de morte” significa “mortal”. “Risco de morte” é sinônimo de “risco mortal”.
Portanto ambas as expressões são absolutamente corretas: risco de vida (“de vida” é complemento nominal de “risco”) e risco de morte (“de morte” é adjunto adnominal de “risco”).
Um reforço no estudo da análise sintática seria importante para um melhor entendimento de questões como essas.
3. A olhos vistos – Construção clássica da língua que se explica pela voz depoente: o particípio parece indicar que o verbo está na voz passiva, mas o significado é ativo: a olhos que vêem. Ex.: “O menino crescia a olhos vistos.” O mesmo caso de voz depoente ocorre em “homem lido” (que lê), “Ele chegou aqui almoçado” (ele almoçou), etc. Falta um estudo mais profundo da diátese (vozes verbais) nas nossas gramáticas...