Para analistas, ética cedeu lugar ao pragmatismo no PT
Publicada em 21/08/2009 às 00h10m
Flávio FreireSÃO PAULO - De ex-petistas de carteirinha a sociólogos, historiadores e cientistas políticos, o raciocínio recorrente quando analisada a atual crise que atinge o PT é o de que, há tempos, a ética deu lugar à conveniência eleitoral. Tanto especialistas em análise política como quem já participou da estrutura petista dizem acreditar que as deserções anunciadas nas últimas 48 horas - os senadores Marina Silva (AC) e Flávio Arns (PR) - são apenas os primeiros reflexos da "degradação" do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
" O PT está sendo despedaçado pelo presidente Lula, que ficou maior que o partido "
- O PT está sendo despedaçado pelo presidente Lula, que ficou maior que o partido. E ele é quase uma unanimidade, tanto do lado dos dominados como do dos dominantes. O PT governista ficou a reboque do presidente e caminha de acordo com o que é conveniente - disse um dos fundadores do PT, o sociólogo Francisco de Oliveira, que abandonou a legenda em 2003, primeiro ano do governo petista, por causa de diferenças ideológicas.
Ideologias conflitantes
Para Oliveira, não se pode levar adiante a justificativa da cúpula do partido de que a defesa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), é tão somente uma forma de impedir que a oposição desestabilize a base do governo.
- Ora, toda oposição se opõe ao governo, em qualquer lugar do mundo. O que não pode é usar essa articulação para justificar o que sempre foi injustificável dentro do PT, que é apoiar o Sarney - disse o sociólogo, que não reconhece como positivo o governo administrado pelo partido que ele mesmo ajudou a fundar.
- Este governo tem façanhas sociais, mas se transformou numa regressão política. Está trazendo de volta um patrimonialismo que já tinha sido superado.
O professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp Roberto Romano disse acreditar que a crise atual no PT nada mais é do que um resultado das ideologias conflitantes que sempre estiveram presentes no partido, como a ala sindical, o setor católico e os pensamentos alinhados ao stalinismo e trotskismo.
- O sentido da ética sempre foi diferente para cada uma dessas forças. Era previsível que esses conflitos expusessem diferentes visões em relação ao que é certo e errado - analisa o professor.
Para Romano, o apoio do PT ao arquivamento das denúncias contra Sarney, para assim mantê-lo no cargo, é um exemplo claro dessas diferenças conceituais. O professor considera que essa situação criou uma linha divisória na história da legenda.
" O Sarney sempre foi nosso inimigo. O PT se criou lutando contra o Sarney, onde ficam a ética e a coerência? "
- Essa crise mostra um ato de ruptura entre as propostas pragmáticas que atendiam esses grupos tão conflitantes e o que é realidade de fato. O que aconteceu ontem (na quarta-feira) no Senado foi o escancaramento dessa contradição entre o que é propalado e o efetivo. Mostra que a ética é só um objetivo genérico que se grita para tanto para a militância interna como para toda a sociedade - diz ele.
Um dos principais nomes do PT até 2005, quando deixou o partido após expor suas diferenças com a linha política que vinha sendo adotada, o advogado e ex-deputado federal Plínio de Arruda Sampaio, hoje filiado ao PSOL, disse que a crise envolvendo Sarney é apenas a gota d'água na crise institucional que domina as fileiras internas petistas.
- O Sarney sempre foi nosso inimigo. O PT se criou lutando contra o Sarney, onde ficam a ética e a coerência? - indaga ele.
" O PT não é um bando de sem-vergonhas, por isso acho que muita gente ainda vai deixar o partido "
Na opinião de Arruda Sampaio, a saída dos senadores Marina Silva e Flávio Arns dos quadros petistas é apenas o primeiro movimento de "muitos outros que virão", aposta:
- O PT não é um bando de sem-vergonhas, por isso acho que muita gente ainda vai deixar o partido.
Já o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, avalia como "inevitável" o "abandono de lar" de figuras históricas do PT depois da crise instaurada por conta da defesa ao senador José Sarney.
Para ele, no entanto, o partido pagará um preço alto por sua atual conduta nas eleições de 2010.
- É inevitável o PT sofrer consequências, mais cedo ou mais tarde, depois de tantas mudanças na forma de fazer política. Mas esse é só o início de uma crise que, provavelmente, terá um reflexo ainda maior nas eleições do ano que vem - afirma Marco Antônio Villa, para quem, mesmo assim, o partido deve seguir para o sacrifício só para não perder um dos bens mais preciosos numa campanha eleitoral.
- Todo esse barulho é para ganhar mais tempo na TV. Vai ter muita exposição ainda - ironiza o historiador.
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