terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Correio Popular de Campinas, 2/12/2009

Publicada em 2/12/2009


Política ou porneia?




Tenho certeza de que as linhas seguintes podem ir contra o sentimento de muitos amigos. Dos inimigos, dentre os quais respeito alguns nomes, sempre espero o juízo mais severo contra minhas análises. No caso do escritor César Benjamin, que publicou o artigo intitulado “Os filhos do Brasil” (Folha, 27/11/2009), vou contra boa parte da oposição ao atual governo. Penso que o texto ultrapassa os limites éticos toleráveis. Ele acusa o presidente de ter querido, na ditadura, estuprar um jovem companheiro, “o menino do MEP”.

No caso de Luiz Inácio da Silva, não me omito quando é preciso discutir suas frases vulgares e imprudentes. Desde 1986, quando ele era apenas líder partidário, publiquei o artigo “O Senhor da Razão” (Folha, 04/1/1986). Nele, mostrei que o dirigente exibia acentuado autoritarismo. Quando já eleito para dirigir o país, verberei o discurso que ele efetivou em comício, proclamando ter emprenhado “a galega”. Depois veio a lume a fala sobre Pelotas, cuja fama seria a de exportar homossexuais. Tais arengas, marcadas pelo preconceito, jamais deveriam ser ditas pelo Chefe do Estado. Dado o clima de adulação cortesã, ninguém pediu ao líder que refreasse a língua. Ainda ontem ouvimos o símile entre oposição e casais sem filho, numa falta de respeito pelo drama de muitos governados. Com os motivos acima, ainda assim estou livre para dizer que o artigo do sr. César Benjamin é inaceitável para a consciência ética.

Em primeiro lugar é preciso refletir sobre a passagem, sugerida no artigo, entre o que foi dito pelo então líder sindical e o feito. O primeiro ponto não deixa dúvidas, considerando-se a reles garrulice do presidente. Um dito preconceituoso, no entanto, não significa que o locutor pratique o que diz. Caso contrário, seria impossível o convívio em qualquer sociedade humana. O segundo ponto a ser discutido é o tempo transcorrido entre o suposto evento e os nossos dias. O articulista demorou para denunciar o que hoje afirma. Qual a causa da minha estranheza? Ainda no segundo turno das últimas eleições presidenciais, Benjamin indicou como legítimo o apoio a Luiz Inácio da Silva, contra Geraldo Alckmin. O articulista recordava, é patente, o que ouviu sobre o caso ora em debate. Qual a causa do silêncio, então? Realismo político?

“A sociedade poderá nos impor a alternativa Lula-Alckmin em um segundo turno, e nesse caso teremos de debater o que fazer. Será legítima - embora não necessariamente correta - a posição do voto no mal menor.” (Carta de Cesar Benjamin à Consulta Popular, 25/4/2006, Cf. http://www.psol.org.br). A noção de “legitimidade”, mesmo que em contraste com a de “correção”, desautoriza a licença do autor, no instante em que se decidia a escolha de um presidente. Se em 2006 o comportamento de Luiz Inácio da Silva era visto de maneira negativa pelo mesmo Benjamin, como legitimar sua escolha? O autor confessa, com seu texto, ter endossado a reeleição do governante, embora sabedor de fatos que desabonariam qualquer candidato. A palavra certa, para tal atitude, é cumplicidade. E resta outro elemento importante, já mencionado. Segundo Benjamin, o presidente seria egoísta ao ponto de impor até seus desejos sexuais a companheiros de luta. Se estamos diante da verdade, como foi possível que o articulista, no foro intimo, votasse em tal pessoa? Se estamos diante de meia verdade - se o estupro mencionado foi apenas grosseria - acusar seu produtor, hoje, mostra boa dose de oportunismo. A quem serve tal domínio do Kayrós? Sem esclarecer o silêncio de muitos anos entre o suposto fato e a denúncia, receio estarmos diante de um segundo caso Míriam Cordeiro. De qualquer modo, o nível em que foi posta a guerra política, com o artigo do sr. Benjamin, anuncia uma campanha presidencial latrinária, quando tudo poderá ser esperado de todas as partes. Como se, em nossa falsa república e ainda mais falsa democracia, não existissem exemplos do pior calado para desanimar pessoas retas. Estas pagam impostos para que exista política, cuidado com a polis, e não públicas exibições prostibulares.