domingo, 28 de fevereiro de 2010

Gazeta do Povo 28/02/2010

Domingo, 28/02/2010

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Eleições 2010

O naufrágio da ética

Mensalões do PT, PSDB e DEM devem enfraquecer o debate sobre corrupção na campanha presidencial. Partidos vão evitar discussões sobre o tema

Publicado em 28/02/2010 | André Gonçalves, correspondente

Brasília - Cenas de políticos com dinheiro nas meias ou rezando para agradecer o recebimento de propina podem até chocar o eleitor, mas devem ficar de fora do debate presidencial de 2010. A oito meses das eleições, partidos governistas e de oposição dão sinais de que vão manter a ética bem distante dos principais temas de campanha. A tendência é que o assunto só receba destaque se for puxado pela sociedade.

O efeito foi provocado pelo escândalo no Distrito Federal. A divulgação do mensalão do DEM, em novembro do ano passado, teve o efeito de um gol de empate no final do segundo tempo em uma partida para definir quem tem menos ética na política brasileira. Desdobramentos como a prisão do governador José Roberto Arruda e a renúncia forçada do vice Paulo Octávio (ambos eleitos pelo DEM) tiraram da oposição ao presidente Lula a credibilidade para criticar os desleixos do PT no mensalão do governo federal, de 2005. Do mesmo modo, o PSDB também enfrenta denúncias de ter criado um esquema nos mesmos moldes do mensalão petista quando o senador tucano Eduardo Azeredo era governador de Minas Gerais, em 1998.

Jamil Bittar / Reuters

Jamil Bittar / Reuters / Dirceu: “chefe” do esquema petista Ampliar imagem

Dirceu: “chefe” do esquema petista

Partidos lidam com escândalos de forma diversa

Apesar da similaridade nos escândalos internos, PT, PSDB e DEM têm adotado estratégias diferentes na maneira de tratar os envolvidos. No calor da crise, os democratas dissolveram o diretório do Distrito Federal na semana passada e, ainda que tardiamente, pressionaram o governador José Roberto Arruda e o vice Paulo Octávio a deixar a legenda.

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“Qualquer ataque, de ambos os lados, será difícil de ser sustentado”, afirma a cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade de São Paulo (USP). Para o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, o tema está saturado e terá baixa influência na decisão de voto. Em uma análise histórica, ele explica que a sociedade brasileira está cansada de ver os políticos tratarem o assunto com “falso moralismo”.

“Ao mesmo tempo em que não aguenta mais a corrupção, o eleitor não aceita o discurso do sujeito que se apresenta como campeão da moral”, afirma Romano. Ele cita que a falta de ética tem sido abordada da mesma maneira na política desde a Era Vargas, quando a UDN pregava o fim do “mar de lama” no governo, na década de 1950. Em 1960, Jânio Quadros foi eleito presidente tendo como símbolo uma vassoura que iria varrer a “bandalheira” da política nacional.

Discurso similar foi usado pelos militares no golpe de 1964 e por Fernando Collor de Melo, o “caçador de marajás”, em 1989. A integridade ética também foi usada por Lula e pelo PT na canpanha de 2002. Quatro anos depois, o bloco PSDB/DEM/PPS levantou a mesma bandeira, denunciando o mensalão do PT, mas não obteve sucesso eleitoral. “Do ponto de vista da propaganda política no Brasil, a ética tornou-se um conceito que não funciona mais.”

Apesar do cenário pouco animador, organizações como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) prometem não deixar o tema esfriar. Na semana passada, o grupo, que reúne 44 entidades de todo o país, reforçou a campanha pela ficha limpa dos candidatos. Eles entregaram mais 77 mil assinaturas favoráveis ao Projeto de Lei 518/2009, que pretende proibir a candidatura de políticos com condenação na Justiça. Ao todo, a proposta conta com o apoio formal de 1,6 milhão de brasileiros.

“Os candidatos podem até fugir do debate sobre ética, mas o assunto continua sendo um clamor da sociedade”, diz o diretor do MCCE, Carlos Moura. Para ele, é importante que o Congresso Nacional se esforce para aprovar a proposta ainda em 2010 – embora o texto só passe a valer para as eleições municipais de 2012. O feito seria uma maneira de os parlamentares que buscam a reeleição mostrarem preocupação com o tema.

Apesar do empenho do movimento para aprovar o projeto da ficha limpa, o histórico de deputados e senadores deixa claro que haverá resistências. Quando o texto foi apresentado, no ano passado, outras dez propostas similares estavam engavetadas no Senado e na Câmara. A mais antiga é de 1993 e está pronta para ser votada no plenário da Câmara desde novembro de 2001. Além disso, até novembro de 2009, 129 deputados e 21 senadores era alvos de processos no Supremo Tribunal Federal.


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Nesta reportagem, no mesmo jornal, digo a mesma coisa. Ou seja, o brasileiro está cansado de salvadores morais e moralistas. A coisa continua a mesma: hipocrisia, mentira, safadez, todas disfarçadas de luta pela moralidade, contra a corrupção... RR


Vida e Cidadania

Domingo, 28/02/2010

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Ética na política

Corrupto desde o nascimento

Corrupção no Brasil existe desde que o rei de Portugal decidiu povoar a colônia, no século 16

Publicado em 08/03/2009 | André Gonçalves, correspondente de Brasília

Passavam-se apenas 48 anos do descobrimento do Brasil quando o então rei de Portugal, dom João III, resolveu colocar ordem na Colônia. Mandou construir uma capital, Salvador, e selecionou pessoas para implantar um novo sistema de administração. Começava a longa sina de corrupção do país, que explodiu com a chegada da família real, no século 19, e permanece enraizada até hoje.

O primeiro ouvidor-geral do Brasil (cargo equivalente hoje ao de ministro da Justiça), Pero Borges, desembarcou na Bahia em 1548, um ano depois de ter sido condenado por desviar dinheiro de uma obra no aqueduto do Alentejo. Em teoria, teria de devolver todo o dinheiro extraviado da Coroa e ficar suspenso do serviço público por três anos. Em vez disso, assumiu um posto-chave na principal colônia portuguesa, recebeu a promessa de voltar à Europa como desembargador e sua mulher ainda foi agraciada, enquanto o marido estivesse no Brasil, com uma pensão de 40 mil reais mensais – a moeda da época tinha o mesmo nome da hoje usada no país.

Salvador foi construída graças ao investimento de um terço do orçamento da Coroa, equivalente a 400 milhões de reais. Estima-se que pelo menos 160 milhões de reais foram desviados, graças a problemas bem conhecidos nos dias de hoje, como superfaturamento das obras e licitações com cartas marcadas. O primeiro provedor-mor (ministro da Fazenda) do país, Antonio Cardoso de Barros, teria construído um engenho de açúcar para si só com dinheiro desviado.

Essas e outras histórias estão no livro A Coroa, a Cruz e a Espada, do escritor gaúcho Eduardo Bueno. “Nosso modelo de corrupção está totalmente arraigado em nossas raízes ibéricas. Estamos falando de um conceito totalmente diferente do aplicado nos Estados Unidos, no Japão, onde muitas vezes a única saída para o corrupto é o suicídio”, diz Bueno.

No Brasil, segundo ele, difundiu-se a cultura de que a corrupção deve ser premiada. “Foi o caso de Pero Borges. Mas depois apareceram outros como o Mem de Sá (terceiro governador-geral do Brasil, entre 1558 e 1569), que lançou a política do ‘rouba, mas faz’. Não parece uma notícia de um jornal de hoje?”, questiona Bueno.

De mau governante em mau governante, a corrupção explodiu 250 anos depois. No livro 1808, o escritor Laurentino Gomes descreve a passagem da corte de dom João VI pelo Brasil como o período mais corrupto da história do país. “A nobreza portuguesa chegou ao Brasil muito pobre, precisava de dinheiro, casas, apoio político. Já a Colônia era rica, porém plebeia, e queria poder”, descreve ele.

Nos oito anos seguintes à chegada, o rei distribuiu mais títulos de nobreza entre os brasileiros do que nos cinco séculos anteriores em Portugal. Os colonos concederam imóveis, doaram dinheiro, tornaram-se acionistas do Banco do Brasil. Além do direito de se incorporar à Corte, ganharam em troca todo tipo de privilégio em negócios públicos.

Segundo relatos do historiador inglês John Luccock, qualquer saque de dinheiro no Tesouro Real envolvia uma propina de 17%. O responsável pelos provimentos do rei, Joaquim José de Azevedo (o Visconde do Rio Seco), teria praticado tantos desvios que, enfim, recebeu uma punição. Foi proibido de desembarcar em Portugal – no Brasil, porém, seguia próspero e influente.

“Tivemos uma monarquia amparada na prática de concessão de favores e que, em troca, ficava encarregada de prover a vida do cidadão. Mudaram as oligarquias, mas esse é o tipo de patronato que existe até hoje”, diz Laurentino Gomes.

Superados os períodos da Colônia, Império e da República Velha, a indignação com a corrupção só entrou na agenda da sociedade a partir da década de 50 do século passado. A mobilização popular contra o “mar de lama” do governo Getúlio Vargas levou o presidente ao suicídio em 1954. Começava a fase em que se posicionar contra a corrupção rendia votos.

Embalado pelo jingle “Varre, varre, vassourinha”, Jânio Quadros chegou à Presidência em 1960. Renunciou oito meses depois e, em 1964, o golpe militar acabou com qualquer manifestação de combate à corrupção. Em 1989, Fernando Collor, o “caçador de marajás”, usou a mesma receita para conquistar o poder. “Foram experiências muito ruins, que levaram o povo a acreditar ainda menos no combate à corrupção”, diz o professor de Ética e Filosofia Política Roberto Romano, da Universidade de Campinas (Unicamp).

O histórico de impotência, entretanto, começa a ser revertido graças a ações da sociedade civil organizada. O diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, ressalta que o binômio imprensa e participação popular provocou vitórias recentes que podem ser consideradas como um marco no combate à corrupção e ao desperdício do dinheiro público. Em 2006, a revolta contra o aumento de 92% no salário de deputados e senadores foi tanta que eles tiveram de rever a decisão. O mesmo aconteceu com a proposta que criava 7,5 mil novas vagas de vereadores em todo o país, emperrada desde dezembro do no ano passado no Congresso.

“Temos um histórico de corrupção que tem mais de 500 anos. Não é uma coisa que vai ser revertida de uma hora para outra. Mas é inegável que existe uma luz no fim do túnel”, afirma Castelo Branco.