domingo, 28 de fevereiro de 2010

Z. Guiotto...

Comentário: cansei de falar aos jornalistas "pautados" (os que só querem ouvir de quem "entrevistam" as respostas determinadas pelas redações) que o tempo era um elemento essencial nas eleições, todas as eleições. Cheguei a ficar mais de hora explicando as fontes teóricas da política, dos gregos aos nossos dias. Alguns entendiam, mas estavam pautados. Outros não entendiam, se irritavam e exigiam respostas no padrão do formulário imposto pelos seus patrões. Estes não estavam pautados, estavam pastados, como sempre, nos imensos campos da burrice brasílica. Falei em kayrós, falei em cálculo, falei. Mas sequer deram notícias das minhas falas. Alguns usaram pedaços de frase e me atribuíram tolices saídas de suas cabeças incultas e toscas. O tempo venceu para Serra e para os tucanos. Recuperá-lo é tarefa mais difícil do que a de Proust. E os tucanos não têm a maestria do escritor, nem a sua imaginação. O dogmatismo da imprensa ajudou muito os que, no pequeno abrigo do palácio dos Bandeirantes, julgam o eleitor um súdito. Erraram outra vez. Como diz Marx ao se referir aos Bourbons, a família tucana não esquece, não perdoa, não aprende. A sua maior parte (salvo alguns como FHC) só tem a arrogância dos intelectuais, não a competência analítica. RR


domingo, 28 de fevereiro de 2010

O tempo de Serra

Marcos Coimbra*

Daqui a algumas semanas, Serra terá que renunciar a seu cargo. Ou seja, vai passar os próximos seis meses enfrentando a dura tarefa de ser candidato, sem nenhum anteparo. Será que ganhou alguma coisa não o sendo desde dezembro? Será que vai ganhar algo esperando que março termine?

Quando os historiadores do futuro forem analisar as eleições presidenciais de 2010, um dos capítulos mais interessantes será o que trata do sentido de tempo do governador José Serra. Até lá, é possível que alguém já o tenha decifrado. Para quem vive o presente, no entanto, é um mistério.

Os simpatizantes mais entusiasmados de sua candidatura dizem que o compreendem. Mas são só eles. Mesmo muitos de seus correligionários têm dificuldade de entender seu comportamento na altura em que estamos.

Para quem, como ele, liderava as pesquisas desde 2007, o certo era agir do modo que agia. Embora fosse óbvio que pretendia se candidatar, não havia razão para assumi-lo tão prematuramente. Se o fizesse, tudo que dissesse, qualquer coisa que acontecesse no seu governo, cresceria de tamanho, sempre de maneira negativa. E o pior é que, em troca, a visibilidade não lhe traria qualquer benefício, por já ser bem conhecido da opinião pública nacional. Sequer a velha “falem bem ou mal, mas falem de mim” o atraía, por conseguinte.

Quando Aécio resolveu questionar a inexorabilidade da candidatura, mais ainda se justificava uma postura de cautela. Se havia dois nomes em disputa, ambos em condições de representar o PSDB na eleição, nenhum podia posar de candidato oficial. Aliás, nenhum o era.

Isso foi bom para Serra, pois permitiu que mantivesse a candidatura quieta em seu canto, protegida dos riscos da exposição antecipada. Era tão bom que muita gente chegou a pensar que estava mancomunado com Aécio, que fingia ser candidato apenas para servir de biombo para seu companheiro.

De dezembro para cá, as coisas mudaram. Quando tomou a decisão de retirar seu nome da disputa pela indicação tucana, Aécio mostrou que a candidatura não era um simples jogo de cena, uma manobra articulada com Serra. Mas ele foi além ao anunciá-la, deixando claro que aceitava a decisão de seu partido, de não escolher entre as duas opções que estavam postas. Assim fazendo, de ficar com Serra.

No cenário que vivemos desde o início do ano, é difícil entender os motivos que levam o governador de São Paulo a insistir na cautela. Dentro do PSDB, ninguém mais discute quem vai ser o candidato. No conjunto das oposições, ela só gera impaciência. Quanto ao governo, tanta prudência em nada inibe as movimentações (se não provoca o oposto) e deixa o terreno livre para o crescimento de Dilma.

Do que será que Serra imagina que se poupa ao retardar o que qualquer outro político já estaria fazendo? Apenas por hipótese, se, por exemplo, tivesse acontecido o inverso no PSDB, ele deixando a vaga para Aécio, não teríamos hoje o governador de Minas em plena campanha? Ou alguém imagina que Aécio estaria recolhido em cuidadoso silêncio? Quem tem responsabilidade de governo não pode se dedicar em tempo integral à política, mas muito se pode fazer sem ultrapassar os limites que se deve respeitar nesses casos.

Seja na discussão de um programa alternativo à proposta de continuidade que caracteriza a candidatura de Dilma, seja na procura de entendimentos políticos e com a sociedade civil, junto a movimentos sociais, segmentos organizados, grupos de interesse, há muito a fazer na construção de uma candidatura das oposições. Nada se ganha deixando tudo para depois, para uma “hora certa” que ninguém sabe qual é.

Daqui a algumas semanas, Serra terá que renunciar a seu cargo. Ou seja, vai passar os próximos seis meses enfrentando a dura tarefa de ser candidato, sem nenhum anteparo. Será que ganhou alguma coisa não o sendo desde dezembro? Será que vai ganhar algo esperando que março termine?

Por enquanto, sua cautela só tem uma consequência: manter uma dúvida sempre no ar, sobre se vai mesmo ser candidato ou não. Uma incerteza que, a crer na imprensa de São Paulo, contagia seu partido. Não foi em um dos principais jornais do estado que lemos, outro dia, que o PSDB faz “tentativa para tornar irreversível a candidatura de Serra”? Contra quem é preciso fazer essa “tentativa”? Se não é contra o PSDB e os partidos de oposição, nem contra o PT e o governo (que nada têm a ver com isso), contra quem seria? Contra o próprio Serra?
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*Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

marcoscoimbra.df@dabr.com.br
Fonte: Correio Braziliense online, 28/02/2010