PARLAMENTARES/Entrevista: Roberto Romano, doutor em Filosofia e professor de Ética e Política
RHODRIGO DEDA
Doutor em Filosofia pela Universidade Sorbonne de Paris (na verdade, pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, RR) e professor de Ética e Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano afirma que quando uma autoridade pública desrespeita leis, seu mandato perde a legitimidade. Em entrevista à Gazeta do Povo, Romano comentou o caso do acidente de carro envolvendo o deputado Fernando Ribas Carli Filho (PSB), que resultou na morte de dois jovens. Para Romano, autoridades dos três Poderes não podem ser inconsequentes e devem dar exemplo de comportamento social.
O deputado Carli Filho dirigia com a carteira cassada, tinha 30 multas de trânsito, 23 delas por estar em velocidade acima do permitido na via. Como o senhor vê essa situação?
Ele (Fernando Ribas Carli Filho), como um legislador, deveria ter um respeito maior à lei do que um cidadão comum. Pois, uma vez no Poder Legislativo, o deputado está investido da soberania popular. Ele representa a soberania popular. Portanto, o que lhe dá autoridade, do ponto de vista jurídico, ético e legal é o fato de obedecer à lei que ele mesmo representa. Se o deputado não obedece à lei, perde a legitimidade.
Qual conduta deve ter na vida privada um político eleito?
O mandato é legítimo de duas formas. Em primeiro lugar, se a eleição for feita sem irregularidades – sem fraude ou compra de votos. E em segundo, se houver o exercício correto do mandato. Então você pode ter um legislador com mandato legítimo, mas que não faz jus ao cargo que exerce. Por isso, você tem a exigência da ética e do decoro parlamentar. Essas exigências não são restritas apenas ao comportamento dos parlamentares dentro do Poder Legislativo, mas devem ser desenvolvidas em toda a vida pública.
Então, na sua opinião, as ações de um deputado na vida privada podem levar à cassação?
Exatamente. O maior autor de ética no Ocidente, que é Baruch Spinoza, em seu “Tratado Político”, diz que quando um legislador ou um governante procedem publicamente de maneira vergonhosa, perdem o respeito da população, e, por consequência, perdem sua legitimidade no cargo.
O deputado Carli Filho, por esse argumento, poderia ser cassado por quebra de decoro parlamentar?
Sim. O princípio fundamental é que todos são cidadãos quando obedecem à legislação. Com maior razão ainda, isso vale para aquele que legisla. Não é porque foi eleito que não precisa seguir a lei. Ele não é legislador apenas no recinto em que funciona o Poder Legislativo. É legislador por delegação da sociedade e diante dela. Se o cidadão comum, quando comete uma infração de trânsito recebe uma multa, quando ultrapassa seus pontos na carteira perde seu direito de dirigir, com maior razão ainda isso deve acontecer com um deputado. Sem obediência universal à lei não existe república, democracia ou Estado de Direito.
Qual é sua posição sobre o foro privilegiado de autoridades?
Nós temos uma classe política que, devido ao privilégio de foro, acredita não ter o dever de prestar contas ao povo do que faz. O foro privilegiado, como diz o próprio ministro do STF Joaquim Barbosa, é uma monstruosidade jurídica. Não existe república com foro privilegiado. Uma coisa é a imunidade parlamentar – que é um instrumento que garante às minorias no parlamento criticar os atos do governo – e outra, é a imunidade para delinquir. Não há imunidade para delinquir, mas sim para analisar as contas do governo, criticar as posições ideológicas do governo. Isso sim é imunidade parlamentar.
Que consequências o fato de políticos transgredirem a lei pode trazer ao comportamento da população?
O legislador é por excelência, o modelo do comportamento desejável para a sociedade. Se ele não segue a lei, ela é nula e perde a sua característica de fé pública. Se você não acredita na fala e no comportamento de um deputado, vai acreditar na fala de quem?
RHODRIGO DEDA
Doutor em Filosofia pela Universidade Sorbonne de Paris (na verdade, pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, RR) e professor de Ética e Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano afirma que quando uma autoridade pública desrespeita leis, seu mandato perde a legitimidade. Em entrevista à Gazeta do Povo, Romano comentou o caso do acidente de carro envolvendo o deputado Fernando Ribas Carli Filho (PSB), que resultou na morte de dois jovens. Para Romano, autoridades dos três Poderes não podem ser inconsequentes e devem dar exemplo de comportamento social.
O deputado Carli Filho dirigia com a carteira cassada, tinha 30 multas de trânsito, 23 delas por estar em velocidade acima do permitido na via. Como o senhor vê essa situação?
Ele (Fernando Ribas Carli Filho), como um legislador, deveria ter um respeito maior à lei do que um cidadão comum. Pois, uma vez no Poder Legislativo, o deputado está investido da soberania popular. Ele representa a soberania popular. Portanto, o que lhe dá autoridade, do ponto de vista jurídico, ético e legal é o fato de obedecer à lei que ele mesmo representa. Se o deputado não obedece à lei, perde a legitimidade.
Qual conduta deve ter na vida privada um político eleito?
O mandato é legítimo de duas formas. Em primeiro lugar, se a eleição for feita sem irregularidades – sem fraude ou compra de votos. E em segundo, se houver o exercício correto do mandato. Então você pode ter um legislador com mandato legítimo, mas que não faz jus ao cargo que exerce. Por isso, você tem a exigência da ética e do decoro parlamentar. Essas exigências não são restritas apenas ao comportamento dos parlamentares dentro do Poder Legislativo, mas devem ser desenvolvidas em toda a vida pública.
Então, na sua opinião, as ações de um deputado na vida privada podem levar à cassação?
Exatamente. O maior autor de ética no Ocidente, que é Baruch Spinoza, em seu “Tratado Político”, diz que quando um legislador ou um governante procedem publicamente de maneira vergonhosa, perdem o respeito da população, e, por consequência, perdem sua legitimidade no cargo.
O deputado Carli Filho, por esse argumento, poderia ser cassado por quebra de decoro parlamentar?
Sim. O princípio fundamental é que todos são cidadãos quando obedecem à legislação. Com maior razão ainda, isso vale para aquele que legisla. Não é porque foi eleito que não precisa seguir a lei. Ele não é legislador apenas no recinto em que funciona o Poder Legislativo. É legislador por delegação da sociedade e diante dela. Se o cidadão comum, quando comete uma infração de trânsito recebe uma multa, quando ultrapassa seus pontos na carteira perde seu direito de dirigir, com maior razão ainda isso deve acontecer com um deputado. Sem obediência universal à lei não existe república, democracia ou Estado de Direito.
Qual é sua posição sobre o foro privilegiado de autoridades?
Nós temos uma classe política que, devido ao privilégio de foro, acredita não ter o dever de prestar contas ao povo do que faz. O foro privilegiado, como diz o próprio ministro do STF Joaquim Barbosa, é uma monstruosidade jurídica. Não existe república com foro privilegiado. Uma coisa é a imunidade parlamentar – que é um instrumento que garante às minorias no parlamento criticar os atos do governo – e outra, é a imunidade para delinquir. Não há imunidade para delinquir, mas sim para analisar as contas do governo, criticar as posições ideológicas do governo. Isso sim é imunidade parlamentar.
Que consequências o fato de políticos transgredirem a lei pode trazer ao comportamento da população?
O legislador é por excelência, o modelo do comportamento desejável para a sociedade. Se ele não segue a lei, ela é nula e perde a sua característica de fé pública. Se você não acredita na fala e no comportamento de um deputado, vai acreditar na fala de quem?