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Pesquisa desenvolvida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) revela que três tipos de cerveja produzidos no país são uma fonte de vitamina B9, graças à presença dos folatos, compostos equivalentes ao ácido fólico. O estudo aponta que o consumo de 350 ml da bebida por dia poderia trazer benefícios à saúde humana, no combate às anemias, doenças cardiovasculares e malformações fetais, com aporte de cerca de 20% de folatos para o organismo. Uma latinha, portanto, seria um bom parâmetro para ingestão, conclui a engenheira de alimentos Ana Cecília Poloni Rybka, que defendeu recentemente sua tese de doutorado sobre o assunto na FEA. A pesquisadora, porém, faz algumas ressalvas: grávidas não devem beber cerveja com álcool e pessoas adultas devem fazer uso moderado da bebida, caso não haja restrição médica. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda o consumo de 400 microgramas de folatos por dia, também presente em outros alimentos. Orientada pela professora Helena Teixeira Godoy, a tese de Rybka avaliou, entre outros pontos, os folatos em três tipos de cerveja conhecidas no mercado: a pilsen normal e a não-alcoólica, e a malzbier. Foi ainda foco de sua atenção a capacidade antioxidante e de fenólicos totais, um dos responsáveis pela qualidade dos alimentos. Mas, além de comparar as cervejas, ela também investigou as latas e garrafas para decifrar se haveria diferença entre os teores desses compostos nos diferentes tipos de embalagem. No estudo, foram analisadas cinco marcas da cerveja pilsen, cinco de cerveja sem álcool e outras cinco de cerveja malzbier. Entre uma marca e outra, a engenheira de alimentos, graduada pela FEA da Unicamp, chegou a algumas diferenças de teor, inclusive no caso das cervejas com a mesma marca, e isso em diferentes lotes. “É que estes compostos vêm de um processo de fabricação particular, tanto em termos de fermentação como de escolha dos próprios ingredientes. E isso com certeza possui grande variação.” Um dos resultados mais marcantes para Rybka ficou por conta da notável diferença na capacidade antioxidante e dos compostos fenólicos. Na malzbier, relata, esta capacidade foi bem mais pronunciada do que na cerveja pilsen, principalmente na sem álcool. De acordo com ela, o resultado mostra que a princípio, comparativamente, ela seria melhor para a saúde, mas acredita que outras avaliações devam acontecer para investigar mais detalhadamente cada achado. Teor alcoólico
O objetivo da engenheira de alimentos foi verificar primeiramente os benefícios que a cerveja poderia trazer. Isso porque muitas pesquisas atualmente comprovam o valor dos compostos fenólicos do vinho e a importância do consumo de uma a duas taças médias por dia. Segundo ela, ter ido nessa direção colaborou para estimular, mediante diversos trabalhos publicados sobre cerveja na literatura internacional, novos trabalhos acerca da cerveja brasileira, já que são poucos os estudos comparativos até hoje. “Somado ao fato da cerveja ser a bebida alcoólica mais consumida no país (o Brasil é o quinto maior mercado de cerveja do mundo), é interessante saber o que as pessoas estão consumindo.” O consumo per capita da cerveja no Brasil não é muito alto – 57,4 litros por habitante em 2008, se comparado a países como a República Tcheca, com 158, e a Alemanha, com 117,7, ambos os dados obtidos em 2003 da Brewers of Europe, Alaface e Sindicery. O Brasil consome sim e demonstra um potencial de crescimento de venda, ainda por ser melhor explorado. Mesmo assim, na opinião da pesquisadora, o que acontece é que algumas pessoas consomem muita cerveja, outras bebem pouco e outras ainda não bebem. Conforme ela, não adianta num final de semana a pessoa beber de quatro a cinco garrafas de cerveja e achar que está suprida com folato. “Não é assim que funciona. A pessoa teria que beber um pouquinho periodicamente para conseguir esta manutenção e gozar seus efeitos benéficos. A intenção da minha pesquisa, contudo, não foi incentivar a bebida e sim avaliar o quanto de vitamina está presente nela.” O folato da cerveja, sugere a pesquisadora, deveria ser visto como uma fonte auxiliar à obtenção de vitamina B no organismo. Tanto que, ao avaliar também a cerveja pilsen sem álcool, a autora da tese comentou que ela poderia trazer esses benefícios. “A curva de álcool presente em estudos de outros autores aponta que, ao ingerir um pouco da bebida, ela pode até fazer bem. Agora, ultrapassando o limite, já começa a causar mal à saúde, trazendo complicações na absorção das vitaminas, no funcionamento do metabolismo e podendo causar doenças do fígado, perda do equilíbrio, falta de memória e outras implicações psicológicas importantes”, enumera. Algumas cervejas “sem álcool” não deixam de ter álcool em sua composição – até 0,37% a cada 100 gramas. “Mais interessante é ingerir a cerveja 0% de álcool, que também é encontrada no mercado”, diz Rybka. Ela imagina que esta tendência decorre das campanhas brasileiras sobre os malefícios do álcool para o cidadão comum, para as gestantes e para os motoristas, que acabaram contribuindo para a qualidade da cerveja. A pesquisadora também realça que a malzbier apresentou uma capacidade antioxidante maior que a pilsen e a sem álcool. “Esta cerveja tem semelhanças com o vinho rosé. Já a cerveja pilsen é mais ou menos equivalente ao vinho branco”, compara. Rybka constata na tese que a cerveja pode fazer parte do consumo diário de folatos e que é útil também para a capacidade antioxidante. Não encontrou, na maioria das avaliações, diferenças de armazenamento da cerveja em latas ou em garrafas. Ao acompanhar a vida de prateleira, quanto aos folatos, analisou a cerveja assim que ela foi fabricada e durante os seis meses posteriores à fabricação, que é o tempo máximo de prateleira da maioria das cervejas brasileiras. “Avaliei-as de dois em dois meses e percebi que, quando recém-fabricada, ela teve maior quantidade de vitamina. Esta queda, todavia, não foi intensa”, conta. Em países europeus, onde a tradição da cerveja é maior, a vida de prateleira pode chegar a um ano. Composição
No caso da malzbier, adiciona-se caramelo aos compostos básicos. Além dele, o malte em geral é um pouco mais tostado. Atualmente existem diversos tipos de cerveja e são 180 estilos reconhecidos. Pilsen e malzbier são apenas dois tipos analisados, além da pilsen sem álcool. Na Bélgica e na Alemanha, a maioria das cervejas tem cor escura, passa por alta fermentação e é mais encorpada. Vários estudos no exterior, acentua Rybka, já relatavam a presença de folatos na cerveja e a sua capacidade antioxidante. O que foi novo no seu estudo foi o comparativo entre os três tipos de cerveja brasileira, posto que a formulação nacional é um pouco diferente: aqui se utilizam muitos adjuntos, porque deixam a cerveja mais leve e mais barata. “Fabricar cervejas fortes e com alto teor alcoólico são mais apropriadas para o clima frio. Mas é claro que existem pessoas que gostam, pois as intenções de consumo são muito amplas.” A pesquisadora informa que no Laboratório de Análises de Alimentos da FEA, ligado ao Departamento de Ciência de Alimentos, são utilizados equipamentos que avaliam amostras para saber o quanto do composto de interesse está presente ali, como a cromatografia líquida de alta eficiência, por exemplo. “Como disse, não fiz aqui nenhuma avaliação in vivo para ver se as pessoas absorvem esta vitamina ou estudar o efeito do álcool. Também não foi minha proposta fazer crítica ou apologia ao uso da cerveja. Foi, antes, ver o quanto a cerveja tem de vitamina e compostos fenólicos.”
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