quarta-feira, 24 de março de 2010

Do amigo Alvaro Caputo.




Reforma da saúde contraria essência dinâmica dos EUA

O Partido Democrata não é estruturado para reduzir os gastos com a saúde e a seguridade social; ele não diz "chega de gastar" -ao contrário, alimenta e protege

DAVID BROOKS
DO "NEW YORK TIMES"

Os partidos políticos passam, com o tempo, a encarnar causas. Ao longo dos últimos 90 anos, o Partido Republicano passou a encarnar a causa da liberdade pessoal e do dinamismo econômico. Por um período semelhante, o Partido Democrata passou a encarnar a causa da justiça e da segurança familiar. Foi erguendo, tijolo por tijolo, um sistema de bem-estar social para proteger as pessoas contra as lanças do destino.

O DNA do Partido Democrata é reconhecível no conteúdo da reforma do sistema de saúde e na maneira como ela foi aprovada. Houve o nervosismo e a irascibilidade inevitáveis, as mesquinhas trocas mútuas de favores políticos, mas também o idealismo elevado e a preocupação fundamental com os setores vulneráveis da população.

E houve também a fé no grande projeto de esquerda. Desde o New Deal, os democratas protegeram os desempregados, os idosos e os pobres. Agora, graças à reforma da saúde, milhões de famílias trabalhadoras irão dormir sabendo que uma doença não as ameaçará com a ruína financeira.

Os membros da equipe Obama-Pelosi passaram o último ano numa busca tortuosa, suportando a opinião pública hostil, críticas justas, desinformação grosseira, uma multidão de ideias descabidas e as previsões equivocadas de pessoas como eu, que achavam que a sorte não estava do lado deles. Eles merecem as homenagens da posteridade por sua capacidade de perseverança.
No entanto, vendo tudo isso, confesso que volto a sentir a razão pela qual não estou mais espiritualmente ligado ao Partido Democrata. A essência dos EUA é a energia -o dinamismo do mercado, a mobilidade das pessoas e a criatividade dos empreendedores. Esse dinamismo surgiu de modo acidental, fruto de um coquetel de fervor religioso e abundância material, mas foi alimentado pela opção. Foi alimentado por nossos fundadores, que criaram mercados de capitais nacionais para abalar o domínio ossificador dos produtores agrícolas. Foi alimentado por republicanos do século 19 que construíram as ferrovias e as universidades voltadas ao ensino de agronomia, ciência e engenharia, para tecer mercados livres abrangendo grandes distâncias. Foi alimentado pelos progressistas que romperam a hegemonia paralisadora dos trustes.


Idosos e dívida

Hoje o vigor dos EUA é desafiado em duas frentes. Em primeiro lugar, o país está virando um país de idosos. Outros países gastam cerca de 10% de seu PIB com a saúde. Nós gastamos 17% e prevemos dentro em pouco gastar 20% e, mais tarde, 25%. A nova legislação deveria pôr fim a esse aumento asfixiante, que vai impossibilitar mais investimentos em inovação, educação e tudo o mais, mas não o fará.
Com a palavra "segurança" gravada em seu coração, o Partido Democrata não é estruturado para reduzir gastos com a saúde e a seguridade social. O partido não diz "chega de gastar" -ele alimenta e protege.

A segunda maior ameaça ao dinamismo dos EUA é a explosão da dívida federal. Os democratas podem falar em contenção fiscal, mas eles não sentem a paixão por isso. A nova lei é repleta de artifícios que visam uma boa avaliação do Escritório Orçamentário do Congresso, mas não equilibram o Orçamento de fato. Os democratas fizeram o suficiente para resolver seu problema político (não dar a impressão de insensatez fiscal), mas não o suficiente para resolver o problema real.


Ninguém sabe como a lei vai funcionar na prática. É um empreendimento exponencialmente mais complexo que a Guerra do Iraque, por exemplo. Mas, para mim, a sensação é que ela representa o fim de algo, e não o começo de algo. É a conclusão nobre do grande projeto esquerdista de erguer um sistema abrangente de bem-estar social.


A tarefa que temos pela frente é salvar os EUA da estagnação e da ruína fiscal. Precisamos elevar os impostos sobre o consumo. Precisamos preservar os benefícios para os pobres e reduzir os da classe média. Precisamos investir mais em inovação e capital humano

O Partido Democrata não parece estar em condições de fazer frente a esse desafio que está por vir (o Partido Republicano tampouco). Os EUA se encontram na posição de uma família que gasta livremente e se aproxima da falência e que, no último minuto, anuncia que fará uma doação gigante para organizações de caridade. A gente admira o ato de generosidade, mas deseja que a família tivesse vendido alguns de seus Mercedes para pagar por ele.