terça-feira, 16 de março de 2010

De Rerum Natura...

terça-feira, 16 de Março de 2010

O botulismo

Em 1999 foi publicado em França um livro cujo título é: La Vie Sexuel de Immanuel Kant. O autor que consta na capa é Jean-Baptiste Botul. A apresentação, com duas páginas e meia, é assinada por um tal Frèdèric Pàges. Este, explica ao leitor estarem reunidas, na pequena obra dada à estampa, umas certas conferências proferidas por aquele.

Tais conferências, supostamente guardadas no arquivo da Associação dos Amigos de Jean-Baptiste Botul, teriam acontecido em Maio de 1946, no Paraguai, destinando-se a uma colónia de alemães fugidos da sua cidade, quando o Exército Vermelho a conquistou.

Seriam peculiares esses alemães: por admirarem o filósofo que escreveu a Crítica da Razão Pura, deram o nome de Nova Konigsberg à sua pátria (que assemelharam à velha Konigsberg), “vestiam-se, comiam, dormiam como ele” e “davam o mesmo passeio lendário” que ele. Porém, se lhe seguissem as passadas no que respeita à vida sexual, extinguir-se-iam… Foi esse o desafio que Botul, apresentado como um obscuro "filósofo de tradição oral" do sul de França, nascido em 1896 e morto em 1947, terá aceitado, sendo que da sua reflexão dependeria o futuro dos neo-kantianos exilados.

Consta que, em 2009, o conhecido filósofo Bernard-Henry Lévy, terá citado Botul numa conferência na École Normale Supérieure, tendo, mais recentemente, reincidido num livro de peso - com 1340 páginas: De la Guerre en Philosophie.

Tudo isto faria sentido se Botul não fosse… uma figura inventada. Pois é, saiu da imaginação de um jornalista com sentido de humor e audácia, que é, nem mais nem menos, do que o tal Pagès, apresentor do livro...

Em comentário ao sucedido Lévy disse: "Parece que me deixei enganar, como todos os críticos literários que citaram o livro quando ele foi lançado".

Todos, talvez seja um exagero, pois na recensão que eu li, em Agosto de 2004, quando o livro saiu em Portugal (Cavalo de Ferro), da autoria de Ana Cristina Leonardo e que foi publicada no jornal Expresso, reconhecia-se a farsa: "Pelo meio das jocosas ideias acerca das relações enre a vida pessoal e sistemas de pensamento, Botul lança as raízes da desconfiança: até que ponto é sério o discurso da filosofia ou, pelo menos, até que ponto o podemos levar a sério?"

Nota: Uma entrevista recente a Bernard-Henry Lévy sobre o assunto, pode ser vista aqui.