13/03/2010 - 08h26
Destaques nas revistas: O pedágio do PT
Veja
O pedágio do PT
O novo tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, é uma peça mais fundamental do que parece nos esquemas de arrecadação financeira do partido. Investigado pelo promotor José Carlos Blat por suspeita de estelionato, apropriação indébita, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha no caso dos desvios da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), Vaccari é também personagem, ainda oculto, do maior e mais escandaloso caso de corrupção da história recente do Brasil: o mensalão - o milionário esquema de desvio de dinheiro público usado para abastecer campanhas eleitorais do PT e corromper parlamentares no Congresso. O mensalão produziu quarenta réus ora em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Entre eles não está Vaccari. Ele parecia bagrinho no esquema. Pelo que se descobriu agora, é um peixão. Em 2003, enquanto cuidava das finanças da Bancoop, João Vaccari acumulava a função de administrador informal da relação entre o PT e os fundos de pensão das empresas estatais, bancos e corretoras. Ele tocava o negócio de uma maneira bem peculiar: cobrando propina. Propina que podia ser de 6%, de 10% ou até de 15%, dependendo do cliente e do tamanho do negócio. Uma investigação sigilosa da Procuradoria-Geral da República revela, porém, que 12% era o número mágico para o tesoureiro - o porcentual do pedágio que ele fixava como comissão para quem estivesse interessado em se associar ao partido para saquear os cofres públicoS.
A revelação do elo de João Vaccari com o escândalo que produziu um terremoto no governo federal está em uma série de depoimentos prestados pelo corretor Lúcio Bolonha Funaro, considerado um dos maiores especialistas em cometer fraudes financeiras do país. Em 2005, na iminência de ser denunciado como um dos réus do processo do mensalão, Funaro fez um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República. Em troca de perdão judicial para seus crimes, o corretor entregou aos investigadores nomes, valores, datas e documentos bancários que incriminam, em especial, o deputado paulista Valdemar Costa Neto, do PR, réu no STF por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Em um dos depoimentos, ao qual VEJA teve acesso, Lúcio Funaro também forneceu detalhes inéditos e devastadores da maneira como os petistas canalizavam dinheiro para o caixa clandestino do PT. Apresentou, inclusive, o nome do que pode vir a ser o 41º réu do processo que apura o mensalão - o tesoureiro João Vaccari Neto. "Ele (Vaccari) cobra 12% de comissão para o partido", disse o corretor em um relato gravado pelos procuradores. Em cinco depoimentos ao Ministério Público Federal que se seguiram, Funaro forneceu outras informações comprometedoras sobre o trabalho do tesoureiro encarregado de cuidar das finanças do PT:
Lúcio Funaro contou aos investigadores o que viu, ouviu e como participou. Os destinos de ambos, Funaro e Vaccari, se cruzaram nas trilhas subterrâneas do mensalão. Eram os últimos meses de 2004, tempos prósperos para as negociatas da turma petista liderada por José Dirceu e Delúbio Soares. As agências de publicidade de Marcos Valério, o outro ponta de lança do esquema, recebiam milhões de estatais e ministérios - e o BMG e o Rural, os bancos que financiavam a compra do Congresso, faturavam fortunas com os fundos de pensão controlados por tarefeiros do PT. Naquele momento, Funaro mantinha uma relação lucrativa com Valdemar Costa Neto. Na campanha de 2002, o corretor emprestara ao deputado 3 milhões de reais, em dinheiro vivo. Pela lógica que preside o sistema político brasileiro, Valdemar passou a dever-lhe 3 milhões de favores. O deputado, segundo o relato do corretor, foi cobrar esses favores do PT. É a partir daí que começa a funcionar a engrenagem clandestina de fabricação de dinheiro. O deputado detinha os contatos políticos; o corretor, a tecnologia financeira para viabilizar grandes negociatas. Combinação perfeita, mas que, para funcionar, carecia de um sinal verde de quem tinha o comando da máquina. Valdemar procurou, então, Delúbio Soares, lembrou-lhe a ajuda que ele dera à campanha de Lula e pediu, digamos, oportunidades. De acordo com o relato do corretor, Delúbio indicou João Vaccari para abrir-lhe algumas portas.
Ameaças do cárcere
Desde que se desfiliou do DEM para não ser expulso, em dezembro, e de sua prisão, há pouco mais de um mês, o governador afastado do Distrito Federal, José Roberto Arruda, tem mandado recados ameaçadores à cúpula de seu antigo partido. O último deles seria a existência de uma carta, com doze laudas, redigida dentro da cela com revelações comprometedoras sobre os principais dirigentes e líderes democratas. A história, negada pelos advogados do governador, pode ser um blefe ou um simples delírio de quem se encontra em uma situação constrangedora. Mas há um detalhe que tem deixado alguns dirigentes do DEM em alerta: a carta existe e foi entregue por Arruda a sua mulher, Flávia. Agentes da Polícia Federal que vigiam o governador ouviram-no inclusive dizer à esposa que guardasse bem o documento, que tem revelações capazes de "acabar com o DEM nacional". Não se sabe exatamente o que isso significa, mas a PF está muito interessada em descobrir. Os investigadores têm indícios fortes de que a coleta de dinheiro público em Brasília tinha conexões em estados como São Paulo e Rio de Janeiro. "O DEM tem preocupação zero com isso. Todas as doações que recebemos foram oficiais", diz Rodrigo Maia, presidente da sigla.
Esse é apenas mais um ingrediente da confusão política que corrói Brasília desde que se descobriu que a cidade era comandada por uma quadrilha de políticos e empresários. É também mais um capítulo da crise que pode levar o Supremo Tribunal Federal (STF) a decretar intervenção no Distrito Federal - o que parece inevitável. A situação é tão preocupante que o governo federal destacou um grupo de ministros para tentar encontrar uma alternativa. A operação contou com pesos-pesados como os titulares da Defesa, Nelson Jobim, e da Justiça, Luiz Paulo Barreto. A ideia era convencer o governador em exercício, Wilson Lima, e todos os 24 deputados distritais a convocar uma eleição indireta para escolher o sucessor de Arruda, que ficaria no cargo até o fim do ano. A parte delicada do acordo: nenhum deles participaria da disputa. Tinha tudo para dar errado - e deu. Como ninguém topou abrir mão dos próprios interesses, o Planalto está em busca de um interventor. O ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence já disse que não quer. O mais cotado, agora, é o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, homem, por sinal, habituado a combater o crime organizado.
Muito saber, poucas palavras
O menino Antonio Cezar Peluso sempre foi o primeiro da classe no Seminário São José, no interior de São Paulo. Disciplinado, persistente e corintiano, estudava para ser bispo quando crescesse. A vida conduziu-o por outro caminho, no qual encontrou Lúcia (sua mulher até hoje), o curso de direito e, ato contínuo, sua verdadeira vocação: a magistratura. Quarenta e quatro anos depois, ele será presidente do Supremo Tribunal Federal – o topo e a consagração da carreira para qualquer juiz. O paulista Peluso tem 67 anos, os últimos sete consagrados à lida no STF, por indicação do presidente Lula. Na semana passada, obedecendo à tradição de escolher seu líder pelo critério da antiguidade, os ministros do Supremo ratificaram o nome de Peluso para comandar a corte pelos próximos dois anos. Com o cargo, vem também a presidência do Conselho Nacional de Justiça, o prestigioso CNJ, que cresceu em importância nos últimos tempos ao jogar luz nos porões corruptos dos tribunais estaduais e estabelecer metas de produtividade para os juízes. Peluso, o ministro que fala pouco, produz muito e almoça no bandejão servido aos funcionários do Supremo, terá o desafio de substituir Gilmar Mendes, o ministro que não hesitava em emparedar quem confrontasse a corte – e que usou com competência a plataforma do cargo para fortalecer a Justiça.
Gilmar Mendes entrega o comando do Supremo a Peluso em 23 de abril. Nos dois anos em que esteve à frente do cargo, o ministro ajudou a consolidar a corte como contraponto democrático à fragilidade do Congresso diante da força do Executivo. Daí surgiu o chamado "ativismo" do Supremo, que ocupou o vácuo deixado pelos parlamentares, sempre mais envolvidos com emendas e cargos do que com leis e debates. Nesse período, o STF tomou decisões formidáveis, como liberar o uso de células-tronco em pesquisas científicas, acabar com a autoritária Lei de Imprensa, que vigia desde a ditadura militar, e tentar pôr fim à infidelidade partidária. Peluso assume o comando num momento em que mais casos polêmicos se avizinham: o julgamento da legalidade das cotas raciais nas universidades e do casamento de homossexuais.
Época
Os esqueletos do PT
Dilma Rousseff assumiu a candidatura do PT ao Palácio do Planalto há duas semanas. Mesmo nesse curto período, ela e o partido foram obrigados a defender José Dirceu, seu antecessor na Casa Civil, Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, e o sindicalista João Vaccari Neto das acusações de tráfico de influência, desvio irregular de recursos e gestão fraudulenta, respectivamente. Os três integram a cúpula do partido ou o comando da campanha de Dilma.
O caso mais recente é o de Vaccari, escolhido tesoureiro do PT com a bênção de Lula. Até o começo da semana passada, ele era cotado para comandar também as finanças da campanha de Dilma. Hoje, está fora dos planos para a arrecadação de recursos. Tudo por conta da Bancoop, a Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo, que Vaccari comandou e deu calote em 3 mil associados que entraram na cooperativa na expectativa de adquirir imóveis. Entre eles, está o presidente Lula, que aguarda a conclusão de um apartamento no Guarujá, no litoral paulista, obra assumida pela empreiteira OAS.
Em nome da tradição
O futuro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, preza algumas tradições antigas da Justiça brasileira. Para ele, juiz tem de ser recatado, circunspecto e reservado. O formalismo de Peluso inclui comportamentos rígidos nas relações entre os magistrados de instâncias diferentes. Peluso afirma que, em ambientes jurídicos, quando um ministro se encontra com um juiz de primeira instância, a iniciativa do cumprimento deve partir do superior hierárquico. Com 67 anos de idade e 42 de carreira, Peluso terá oportunidade de usar a força do cargo, que ocupará a partir do dia 23 de abril, para tentar colocar em prática as ideias que defende.
Quem conhece Peluso aposta em grandes mudanças no estilo de comandar o STF. O atual presidente do Supremo, Gilmar Mendes, notabilizou-se pelos debates públicos em torno dos temas em discussão na Justiça. Mendes é um juiz que gosta de falar e dar entrevistas. Peluso prefere exaltar a máxima de que juiz só deve “falar nos autos” e evitar debates pela imprensa. Peluso também não simpatiza com as transmissões ao vivo dos julgamentos pela TV Justiça.
Um candidato enrolado
Ex-ministro dos Esportes no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Agnelo Queiroz é pré-candidato do PT ao governo de Brasília. Antes disso, ele poderá assumir o mandato de senador. Está previsto para abril o julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do pedido de cassação do senador Gim Argello (PTB-DF), acusado de usar a máquina pública na campanha eleitoral de 2006. Se o Tribunal decidir pela punição de Gim, Agnelo ganhará a vaga por ter sido o segundo colocado na disputa para o Senado.
Hoje diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agnelo se apresenta aos eleitores como uma “opção ética” entre os políticos de Brasília, envolvidos no mais bem documentado escândalo de corrupção da história do país. É com essa plataforma que ele planeja candidatar-se à sucessão do governador afastado José Roberto Arruda, há mais de um mês preso numa cela especial na Polícia Federal. Para manter esse discurso, no entanto, Agnelo terá de explicar uma repentina evolução patrimonial.
Esqueçam o que eu fiz
Uma das características do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais invejadas por outros políticos é sua capacidade de falar simples. Lula usa comparações com a vida doméstica para tratar de economia e define a política com analogias futebolísticas, que tornam esses assuntos compreensíveis às pessoas mais simples. Essa facilidade de comunicação é considerada uma das principais razões para o notório carisma de Lula. Desde que chegou ao poder, em 2003, Lula também cometeu algumas gafes por sua fala solta e simples. Na semana passada, Lula incorreu num dos maiores pecados verbais de seu mandato. Em uma entrevista a um correspondente estrangeiro, Lula comparou presos políticos de Cuba, que fazem greve de fome para protestar contra uma ditadura, a bandidos comuns, detidos em presídios de São Paulo por crimes como roubo e assassinato. Lula comprometeu assim sua biografia de ex-preso político, que também fez greve de fome, e arranhou sua imagem internacional.
A confusão começou no mês passado, quando o preso político Orlando Zapata Tamayo morreu no dia da chegada de Lula a Cuba, após 85 dias de greve de fome. Na semana passada, outro dissidente cubano, o jornalista Guillermo Fariñas, foi internado após pouco mais de duas semanas sem comer. É a 23a greve de fome de Fariñas, que pede a libertação de 20 pessoas presas por discordar do regime ditatorial cubano. Perguntado sobre esses opositores cubanos, Lula condenou o uso da greve de fome como forma de protesto. “Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos de deter as pessoas em função da legislação de Cuba. A greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”, disse Lula. Fariñas disse que a maioria do povo cubano “se sente traída” pela frase de Lula. “Lula referenda os abusos que o governo de Cuba comete contra pessoas pacíficas”, afirma o jornalista Jorge Olivera Castillo, opositor que vive em liberdade vigiada. “É mais triste por ele ter sido vítima de uma ditadura.”
Isto É
Fruet mira Pimentel
Documentos inéditos guardados no cofre do Congresso Nacional podem desmontar definitivamente a versão petista de que não passa de pura ilação do Ministério Público Federal o envolvimento de Fernando Pimentel, coordenador da campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff, com o Mensalão do PT. Extratos da quebra de sigilo telefônico levantados pela CPI dos Correios indicam as ligações entre Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte, e o publicitário Marcos Valério, um dos principais protagonistas do esquema de caixa 2 petista usado para a compra de apoio político no Parlamento. Depois que ISTOÉ divulgou o conteúdo do processo do Mensalão, que corre no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-relator de movimentação financeira da CPI, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), recorreu aos arquivos que ficaram nos notebooks dos parlamentares da CPI e descobriu ligações telefônicas de Valério para o gabinete de Pimentel na Prefeitura de Belo Horizonte. Na época, de acordo com o deputado, esses telefonemas não mereceram maior atenção mas, diante das revelações que estão no processo do STF, eles serão novamente analisados. “A quebra de sigilo feita pela CPI mostra que há uma relação direta de Marcos Valério com Fernando Pimentel e com a Câmara de Diretores Lojistas de BH (CDL), que fechou contratos com o prefeito”, acusa Fruet. “Vamos pedir acesso a todo o banco de dados da CPI dos Correios para aprofundar a investigação”, afirmou Fruet na quarta- feira 10, pouco antes de se dirigir ao gabinete do senador José Sarney (PMDB-AP) para solicitar toda documentação guardada nos arquivos.
Em suas buscas iniciais, Fruet constatou cinco ligações disparadas da SMP&B, agência de Marcos Valério, para a Prefeitura de Belo Horizonte, no início de 2004. Três delas foram feitas diretamente para o gabinete do prefeito da capital mineira. Coincidência ou não, foi também no início de 2004 que Pimentel firmou convênio sem licitação com o diretor da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Glauco Diniz Duarte, dono da GD International e da Gedex International Corporation, empresas que, segundo o Ministério Público Federal, transferiram dinheiro do Brasil para o BAC Florida Bank e de lá irrigavam a conta da empresa Dusseldorf, no Bank Boston das Bahamas, que pertence ao publicitário Duda Mendonça, responsável pelas campanhas do presidente Lula e do prefeito Pimentel. O contrato do projeto Olho Vivo, para instalar câmaras de vigilância em BH, foi superfaturado em mais de R$ 2 milhões, exatamente o valor que Duda recebeu no Exterior, a partir do esquema mineiro. Ao todo, Duda recebeu R$ 10,4 milhões do PT na conta Dusseldorf. Os registros já localizados por Fruet apontam que no mesmo período em que Pimentel fechava contratos com Diniz a CDL efetuava dezenas de ligações para as empresas de Valério. O deputado já rastreou pelo menos 57 telefonemas da SMP&B para a CDL. Da sede da DNA Publicidade, também de Valério, foram feitas outras nove chamadas para a CDL. “As ligações telefônicas mostram que Marcos Valério estava ligado às duas pontas do esquema fraudulento, à CDL e ao prefeito”, afirma Fruet.