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Tirania e bajulação
No fundo de toda pessoa, jaz uma porção de ridículo e trágico. Tais marcas se revelam em instantes decisivos da vida individual ou coletiva. Em situações risíveis e lamentáveis, dois personagens mostram o poder maléfico do riso e das lágrimas. Eles são o governante e o dominado. Plutarco, na obra dedicada ao discernimento do amigo e do adulador, mostra o quanto é hilariante toda corte na qual um manda e todos obedecem. Bem antes da fábula sobre o garoto que enxerga o rei pelado, quando todos os bajuladores o notam sob belos planejamentos, o filósofo mostra a miséria resumida no verbo “cortejar”. Cito um caso relatado em
O xeleléu, adianta Plutarco, é camaleão que adquire todas as cores. Se um partido está no poder, ele “sempre pertenceu” às suas hostes, mostra maior zelo na defesa da agremiação do que os próprios fundadores. Os zumbaieiros formam o pior tipo quando a ditadura se instala: delatam até a mãe para adquirir simpatia, cargos, dinheiro. Seu caráter foi de tal modo corroído, que eles assumem todos os papéis, sem apego a nenhum. Na sua mente não existe termo nem coisa que recorde “dignidade”. Todo seu ser exala ódio (real ou fingido) contra os adversários dos poderosos. Se forem necessários zumbaias e rapapés, ele os comete em favor ou contra amigos e adversários. Sua espinha tortuosa está ligada à língua (ou teclado do computador) na qual se deposita a perfídia. Plutarco chama o sabujo de “personagem trágico”: nele se unem ridículo e tristeza política. Útil aos tiranos, ele gera calúnias, joga insinuações sobre os que têm a espinha e o discurso em posição reta. O padre Vieira intitula os caçambeiros de “pegadores”. O grande orador visa os peixes pequenos que limpam a pele dos grandes, comem vermes e deles se nutrem.
No zoológico humano, como no acadêmico, habitam animais de variadas formas e hábitos. Uns resistem às jaulas, morrem de melancolia nos espaços restritos. Outros se acomodam, bem ou mal. M. Weber descreve o mundo moderno no qual a burocracia é “máquina sem vida, espírito coagulado. E apenas porque é assim, ela tem o poder de forçar os indivíduos a servi-la e determinar o curso cotidiano de seu trabalho vital (…). Como espírito coagulado, aquela máquina viva representa a organização burocrática com sua especialização do trabalho profissional aprendido, sua delimitação das competências, seus regulamentos e relações de obediência hierarquicamente graduados. Unida à máquina morta, a viva trabalha para forçar a jaula (Gehäuse) daquela servidão do futuro a que talvez os homens sejam obrigados a se entregar, impotentes, como os felás do antigo Egito”. (
Mas nenhuma dominação se instala nas mentes e controla os corpos sem os escova-botas. Se a burocracia é imenso e impiedoso maquinismo, seu lubrificante se encontra na bajulação e no sorrabador. Nela, existe o mérito, mas o adulão do chefe tem maiores oportunidades de o suceder; a ordem dos processos é rígida, numerada, mas o derrengado acha um jeito de, por intermédio de favores, colocar seu caso em condição favorável. Na burocracia, o Estado ignora privilégios. Mas o mesureiro, ao fechar os olhos diante dos abusos cometidos pelos superiores, consegue sinecuras, como ocorreu na URSS, nas formas nazi-fascistas, em todas as ditaduras de esquerda ou direita.
No Brasil, os lambeteiros inundam gabinetes, grassam nas assessorias, vicejam na imprensa e nos partidos políticos, sobretudo nos que apoiam o governo. Hoje, o que sempre existiu no Estado nacional, torna-se lei. Aqui, só merece respeito o capacho. A missão dos lambeteiros, de esquerda ou direita, é destruir toda república, em favor de qualquer tirania.