18/03/2010 - 11h30
Cartilha da AGU mostra distância entre leis e mundo da política, diz professor de Ética
Em São Paulo
A cartilha lançada na última terça-feira (16) pela Advocacia-Geral da União (AGU), com normas de conduta para agentes públicos durante a campanha eleitoral, é um documento inatacável juridicamente, mas inócuo do ponto de vista funcional, na opinião do professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano. Ele afirma que o texto "ajuda a perceber a distância que existe entre o mundo legal, das normas jurídicas, e o mundo real da política brasileira", e cita o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), como exemplos de políticos que burlam essas regras.
O documento divulgado pela AGU é uma compilação de leis e normas que servem para informar os servidores públicos federais – desde o presidente da República até funcionários de escalões inferiores – sobre condutas vedadas durante o período de campanha eleitoral. As orientações do texto contemplam inúmeras situações, como inaugurações de obras, uso de bens públicos, gastos com publicidade oficial, nomeação de funcionários, participação em comícios e até o uso de redes sociais na internet. Embora sejam dirigidas a servidores federais, as normas da cartilha também se aplicam aos níveis estadual e municipal.
De acordo com Roberto Romano, o documento da AGU é "lindinho" e correto do ponto de vista jurídico, mas possui normas "muito amplas, imprecisas, abstratas, muito distantes da realidade". O professor da Unicamp diz que é possível detectar "milhares de casos" de desobediência aos itens da cartilha, que demonstram uma "ineficácia tremenda" da Justiça em coibi-los.
Romano cita o presidente Lula como exemplo de agente público que usaria "subterfúgios e dissimulações" para desviar das orientações da AGU, ao participar de inaugurações de obras junto da ministra-chefe da Casa Civil e pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. "Quando o presidente vai com a ministra a inaugurações e diz 'ela é a mãe do PAC', 'é a minha candidata', ele faz campanha, está distorcendo a obediência da lei", afirma.
O mesmo se aplica, segundo o professor, a José Serra, referindo-se tanto a inaugurações de obras quanto à publicidade oficial do governo de São Paulo e de empresas estatais divulgada em outros Estados do país. "Mesmo que ele ainda não tenha se lançado candidato, qual é o objetivo (da publicidade do governo) sem ser eleitoral?", questiona Romano. Ele diz, no entanto, que não se pode cercear a atividade política tanto do presidente quanto do governador, ou de qualquer outra pessoa que ocupe cargo eletivo. "Se você vai inaugurar uma obra do tamanho de Itaipu, não há como não comparecer, mas o que está se fazendo é inaugurar obras desimportantes, sem relevância estratégica, o que implica em propaganda", afirma.
O professor de Ética da Unicamp critica ainda a mudança que, segundo ele, ocorreu no papel da AGU, deixando de ser um órgão de Estado para tornar-se uma "assessoria do governo", tanto nos mandatos presidenciais de Lula quanto de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). De acordo com Romano, as normas ditadas pela AGU – como o parecer que considera válida a participação de Dilma em inaugurações de obras até 3 de julho, mesmo na condição de candidata e ex-ministra – são tomadas "como se fossem decisões do Supremo Tribunal Federal", sem debates ou questionamentos.