| Nos anos 1950, colegas questionavam o trabalho de Rosalind Franklin; ela morreu sem crédito pela descoberta
Só nos anos 2000 James Watson confirmou que o modelo de dupla hélice não seria possível sem os dados de Franklin
RICARDO MIOTO DE SÃO PAULO
Cartas reveladas agora ajudam a contar a história da mulher mais injustiçada da ciência moderna. Nelas, Rosalind Franklin, cujo fundamental papel na descoberta da estrutura do DNA hoje é reconhecido, é atacada pelo próprio chefe do seu laboratório, o biólogo molecular Maurice Wilkins, nos anos 1950. Eles se odiavam e mal conversavam. "Espero que a fumaça de bruxaria saia logo das nossas vistas", escreveu ele em 1953 para o colega Francis Crick, querendo se ver livre dela. Havia, na época, uma corrida desesperada por mostrar como era o DNA. Franklin, com trinta e poucos anos, acabou sendo jogada para fora da pista pelos colegas. Competiam dois grupos. De um lado, o de Wilkins, esse que a chamou de bruxa, no King's College de Londres, onde ela estava. De outro, Crick e James Watson, na Universidade de Cambridge. A jovem Franklin avançava rápido. Em 1952, obteve com raio-X ótimas imagens de DNA, em especial uma delas, conhecida simplesmente como "a fotografia 51". Ficou com essas imagens por meses, mas não teve o insight de perceber que se tratava de uma dupla hélice, como uma escada em caracol. Um aluno de Franklin, intrigado com a questão em aberto, mostrou a foto 51 a Wilkins, sem que a sua orientadora soubesse, querendo saber se ele teria alguma proposta de estrutura. Wilkins compartilhou a imagem com os colegas de Cambridge. Lá, Crick e Watson tiveram o lampejo que Franklin não teve. Em 1953, publicariam um artigo na revista "Nature" com a proposta de estrutura, hoje consagrada. Wilkins escreveu um comentário. Franklin não foi citada. Ela viria a morrer em 1958, com câncer no ovário, aos 37, sem reconhecimento e sem saber que o trio que publicou na "Nature" tinha visto seus dados -achou, aliás, que as conclusões deles faziam sentido, e que tinham encontrado resultados parecidos com os dela independentemente. Em 1962, ganharam o Nobel de medicina -o papel de Franklin ainda era desconhecido e, mesmo que não fosse, não há Nobel póstumo. As cartas mostram, porém, que os três tinham consciência de que não conseguiriam o Nobel sem o trabalho dela. Logo após a publicação na "Nature", Wilkins escreve para Crick: "E pensar que Rosie teve todas aquelas imagens em 3D por nove meses e não viu uma hélice. Cristo." Só a partir do final dos anos 1960 ela começou a ser reconhecida. Em 2000, o próprio Watson citou o seu papel na descoberta. Segundo ele, ela só não soube interpretar seus próprios dados. Ficou para a história como a "dama sombria" da descoberta da dupla hélice.
São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2010
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| Pesquisador acusado de solapar estudos alheios teve de pagar multa Episódio mostra lado pouco conhecido de má conduta na ciência; para "Nature", faltam normas para punição SABINE RIGHETTI DE SÃO PAULO Entre casos de direção embriagada e outros tipos de delito julgados no condado de Washtenaw, em Michigan (nordeste dos EUA), havia o de um pós-doutorando. Seu crime: sabotar amostras de uma colega de laboratório. O fato foi divulgado na edição de ontem da revista científica "Nature", uma das mais importantes do mundo. De acordo com a publicação, a ciência está "acostumada" a lidar com falsificação de dados, plágio e outras formas de má conduta. Mas, ao que tudo indica, ainda não se sabe direito como agir para evitar as sabotagens científicas. E os cientistas ainda não fazem ideia de como investigar ou punir esse tipo de fraude nos corredores acadêmicos. No caso de Michigan, o pós-doutorando indiano Vipul Bhrigu foi pego no pulo, mexendo e espirrando substâncias na cultura de células da sua colega de laboratório, a doutoranda Heather Ames. O flagra aconteceu após a instalação de câmeras no laboratório -o que foi feito com a insistência de Ames. Ela andava desconfiada de que algo estava muito errado com a sua pesquisa. Bhrigu confessou o crime (alguns meses de sabotagem), disse estar arrependido, teve de pagar cerca de US$ 10 mil à universidade e voltou para a Índia. Ames, por sua vez, quase abandonou a ciência depois do episódio. Decidiu ficar após dar algumas palestras sobre o seu caso. "Isso me ajudou a recuperar a confiança", relata à "Nature". MAS POR QUÊ? O debate instalado pela revista britânica pode se resumir numa pergunta: o que leva pesquisadores a sabotarem a pesquisa alheia? De acordo com o antigo orientador de Bhrigu, o biólogo James Trempe, da Universidade de Ohio, ele era "um pesquisador médio". Assim, talvez na ânsia de impedir que os colegas se mostrassem melhores que ele -e pressionado pela concorrência acirrada já relatada nos laboratórios de universidades americanas-, o indiano tenha chegado ao ponto de estragar a pesquisa alheia. O caso da sabotagem entre colegas que aconteceu em Michigan certamente não é único e não se dá apenas com cientistas novatos. Para a "Nature", o problema é que a sabotagem, que pode incluir roubo de projetos, de dados ou obstrução do trabalho de um colega, é complicada de mensurar. Alguns laboratórios já têm adotado táticas para evitar sabotagem, como colocar números nos frascos em vez de anotar o seu conteúdo.
Isso impediria que os colegas, sem saber o que há nesses recipientes, roubem ou destruam as soluções.
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