| ||||||||
Comportamento criminoso é mais prevalente O uso de drogas ilícitas constitui uma das grandes preocupações das sociedades modernas. Se em vários países esse consumo tem diminuído, em outros, caso do Brasil, ele é crescente. O progressivo aumento da criminalidade tem sido imputado aos usuários de drogas psicoativas (SPA) – assim consideradas aquelas que provocam alterações transitórias no funcionamento cerebral levando, por exemplo, à desinibição provocada pelo álcool, à euforia gerada pela cocaína, ou à diminuição da ansiedade, às sensações de anestesia, alegria, embriagues, ou seja, àquelas que em suma são geradoras de prazer. Estudo mostra que ser usuário ou dependente de substâncias psicoativas – como o álcool, solventes, maconha, cocaína, crack – não se mostrou determinante na prática de crimes. O comportamento criminoso é prevalente em consumidores de drogas portadores de Transtorno de Personalidade Antissocial. É o que revela dissertação de mestrado orientada pela professora Renata Cruz Soares de Azevedo e apresentada à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp pela psiquiatra Karina Diniz Oliveira. A pesquisa foi realizada com 183 pessoas maiores de 18 anos usuários ou dependentes de substâncias psicoativas que iniciaram acompanhamento em dois dos serviços de referência no tratamento de dependentes químicos de Campinas: o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS-AD) Independência e o Ambulatório de Substâncias Psicoativas (ASPA) do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Karina revela que a população estudada era constituída em sua maioria de pacientes do gênero masculino, em geral na quarta década de vida, provenientes da região de Campinas, sem companheiro fixo, escolaridade inferior a oito anos, baixa renda e inatividade laboral. O policonsumo – uso concomitante ou alternado – de diferentes SPA foi muito frequente, principalmente álcool, maconha, cocaína e crack. O potencial de dependência do crack se revelou maior que de outras substâncias. Segundo ela, delitos foram cometidos por 40% dessa população, em que 28% de indivíduos apresentam Transtorno de Personalidade Antissocial. Os principais crimes cometidos envolvem lesão corporal, homicídio, furto e roubo. Nesses delitos, afirma Karina, estão envolvidos principalmente sujeitos portadores de Transtorno de Personalidade Antissocial, com antecedentes de uso de solventes, sem religião, com poliuso e dependência a múltiplas substâncias psicoativas, principalmente ilícitas. Revelações Karina considera que a procura por tratamento é em geral postergada, pois as pessoas que os procuram encontram-se na faixa de 40 a 50 anos de idade, embora tenham iniciado o uso de drogas na adolescência. Esses usuários e dependentes, constata, enfrentam nessa fase de suas vidas as consequências socioeconômicas decorrentes, como situação financeira precária, desemprego, separações conjugais, relações familiares e sociais comprometidas. Embora cerca de 40% desses indivíduos exibam comportamento criminoso, essas taxas são bastante diferentes quando considerados separadamente usuários de drogas lícitas e ilícitas, mudando mais quando se leva em consideração a presença de Transtorno de Personalidade Antissocial. Na população em geral, a taxa de indivíduos portadores desse transtorno é de 3% e entres os usuários de drogas chega a 27%, o que evidencia o significado da presença desse transtorno no comportamento criminoso. Karina lembra que o usuário de drogas ilícitas está em contato com a criminalidade do narcotráfico, o que o aproxima do crime. Ademais, os efeitos psicoativos das substâncias ingeridas diminuem o medo e podem levar a atos que ele normalmente não cometeria. Ela lembra também que a necessidade intensa pela droga o leva a desconsiderar valores adquiridos de tal forma que mesmo indivíduos criados em famílias que lhe permitem introjetar valores conseguem se afastar de certos comportamentos. A professora Renata destaca ainda a importância da ampliação das interfaces de áreas muito segmentadas como as médicas e jurídicas no encaminhamento dado a esses usuários porque “tratam-se de pessoas que são presas e julgadas”, diz. Ela defende também “a conexão da área médica com muitos outros segmentos porque as respostas médicas resvalam, além do jurídico, em questões sociais, antropológicas, entre outras e o estabelecimento dessas pontes é fundamental para sair do lugar comum e refletir sobre novas formas de enfrentamento do tema”. Motivações Segundo Karina, o estudo conseguiu confirmar que a droga age como o elemento ativador de uma tendência comportamental criminosa em uma pessoa que desconsidera o crime. Ela lembra que 85% dos que apresentam esse transtorno antissocial cometeram crimes, taxa que cai para 15% entre os que não o tem. E os crimes destes últimos apresentam menor potencial ofensivo e geralmente estão relacionados a furtos. As pesquisadoras contam que geralmente o dependente de drogas procura o tratamento quando adquire a percepção dos prejuízos que lhe traz a dependência. Antes disso, ele cede à compulsão do prazer. Elas constatam que, quando ele se decide pelo tratamento, deve encontrar as portas escancaradas para atendê-lo porque talvez, depois, não encontre outro momento de resistência. E muitas vezes isso ocorre devido à demora no atendimento, no alongamento do prazo para consulta. Karina destaca que uma das razões que faz o dependente procurar o atendimento é a perda de tudo, da família, do emprego e o tratamento constitui alguma coisa a que se possa vincular. Muitos são trazidos pela família porque estão em uma situação crítica e nesses casos não existe apenas um desejo, mas circunstâncias decorrentes da droga que se tornaram insustentáveis. O trabalho Karina diz que a droga mais presente é o álcool – 40% eram seus usuários exclusivos e destes 100% eram dependentes – seguido da cocaína e do crack, mas muitos deles começaram com o uso de solventes cheirando produtos como cola de sapateiro ou benzeno, tolueno e tiner. Com base no universo estudado, Karina afirma que geralmente a dependência se iniciou com álcool e tabaco, passou pelo solvente e maconha e chegou à cocaína e dela ao crack, devido ao preço e à facilidade de encontrar. Embora não tenha feito parte de seu trabalho, ela lembra que hoje ocorre a passagem direta para o crack. Publicação |