segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Contas Abertas, 20/09/2010.

20/09/2010
Tamiflu: compra foi feita em 19 de junho de 2009 e cada cápsula custou R$ 4,34
Amanda Costa e Leandro Kleber
Do Contas Abertas

Na manhã do dia 19 de junho de 2009, em meio a pandemia mundial da gripe H1N1, o Departamento de Logística do Ministério da Saúde reservou no orçamento quase R$ 34,8 milhões para a compra de 8 milhões de cápsulas de Tamiflu de 75 miligramas, medicamento antiviral indicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O Contas Abertas localizou as informações em nota de empenho, documento oficial que antecede compras realizadas por qualquer órgão da administração pública federal, no Siafi (sistema de acompanhamento de receitas e despesas da União). A nota descreve que a aquisição foi feita, sem licitação, da Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos e teve valor unitário de R$ 4,34. Clique aqui para ver a nota de empenho.

No último sábado (18), a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, foi a público contestar reportagem da revista Veja que acusa o governo de ter cobrado propina para a aquisição do remédio Tamiflu. Segundo a reportagem, funcionários da Casa Civil, à época chefiada por Dilma Rousseff, teriam recebido pacotes de dinheiro, contendo R$ 200 mil, supostamente pela intermediação do contrato de R$ 34,7 milhões para a compra emergencial do Tamiflu, fechado no dia 23 de junho. A revista denuncia a existência de suposto “balcão de negócios” na Casa Civil e de contratos feitos sem licitação envolvendo parentes da ex-ministra do órgão Erenice Guerra.

No total, em sete oportunidades, em 2009, o Ministério da Saúde comprou 75 milhões de comprimidos de 75 mg, 14 milhões de comprimidos de 45 mg e outros 16 milhões de 30 mg, além de 4 toneladas do medicamento em barril. “Isso representa 14,5 milhões de tratamentos (o tratamento para uma pessoa é composto por 10 comprimidos). O valor da compra soma R$ 400 milhões”, informa a pasta. “O preço de cada tratamento saiu, em média, por R$ 28. Cada tratamento adulto saiu por R$ 34,93. O preço autorizado pela CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) para a venda dos medicamentos de uso adulto nas drogarias privadas é de R$ 150”, complementa.

Em um site de venda de medicamentos na intenet (Euroclinix) que oferece o Tamiflu, é possível comprar 50 pílulas ao preço unitário de 13,60 euros, ou cerca de R$ 40. Segundo o site, se o cliente adquirir somente 10 cápsulas, cada uma chega a custar 16,70 euros, quase R$ 50. A página informa que os “medicamentos são originais e enviados por meio de transportadora somente para a União Europeia, não havendo problemas a nível alfandegário”.

Para o sanitarista e médico do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Evoide Moura, na época da epidemia de gripe suína o Tamiflu foi uma opção razoável de controle do surto. “O Tamiflu está longe de ser o ideal, mas era o que tinha disponível naquele cenário de epidemia. Só havia o Tamiflu com um perfil aceitável para tratamento”, avalia.

Apesar de reconhecer que o medicamento tem aplicação reconhecida do ponto de vista científico, Evoide Moura considera que a compra pode ter sido feita por falta de opções no mercado. “Naquela época havia falta de opções, o que acabou fazendo com que muitos países, inclusive a China, utilizassem esse medicamento, até porque, em termos de medicação, o Tamiflu era o que mostrava mais benefícios. Depois foram lançados outros medicamentos, mas sem estudos que comprovassem a eficácia e com a questão de efeitos colaterais ainda pendentes”, avalia.

Por outro lado, o médico diz não ser possível analisar se a quantidade adquirida pelo Brasil foi adequada, o que só poderia ser comprovado por meio de um estudo de custo/benefício pelo próprio Ministério da Saúde.

Compra sem intermediador

Temporão afirmou no último sábado que todo o processo de compra foi realizado diretamente entre o Ministério da Saúde e o laboratório La Roche, único produtor mundial do medicamento, sem nenhum tipo de intermediação. Disse ainda que não houve licitação porque se tratou de um único produto e não houve representante nem distribuidor. “O Ministério da Saúde era o principal interessado em grande quantidade, pois estávamos diante de pandemia, a realidade era de pandemia letal. A OMS anunciou em abril o surgimento de uma nova doença", argumentou.

Em nota, a pasta afirma que a compra do antiviral foi definida "a partir de critérios exclusivamente técnicos estabelecidos pelo Departamento de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde". "As compras foram realizadas diretamente entre o Ministério da Saúde e a diretoria do único laboratório produtor do medicamento, sem intermediários. Portanto, (...) a Casa Civil não teve interferência neste processo”, diz.

De acordo com a nota, as negociações do ministério com o laboratório produtor para a compra do antiviral resultaram num preço 76,7% mais baixo que o preço de mercado do produto. “Os critérios técnicos adotados levaram em conta a previsão de 10% da população brasileira com indicação para o tratamento (o medicamento é indicado para casos graves e pessoas com fatores de risco), o que representaria aproximadamente 20 milhões de pessoas. Este percentual tem com base em modelo matemático do Center for Diseases Control, dos Estados Unidos, que considerou o número de casos graves em outras pandemias de influenza ocorridas historicamente”