terça-feira, 21 de setembro de 2010

Correio Popular de Campinas

Publicada em 22/9/2010


Ilusões


foto perfil

O mantra repetido por boa parte da mídia nacional, sob comando teleguiado dos marqueteiros a serviço do governo, é que tudo vai bem no País. As instituições democráticas seriam sólidas, a economia iria bem e o povo sentir-se-ia feliz, consumindo como nunca. Alguns propagandistas, sob a pele da ciência política, falam em “racionalidade” econômica da “nova classe média”. Num salto mortal os mesmos profetas proclamam a racionalidade política da mesma “classe”. Tal setor, por harmonia pré-estabelecida aprovaria, de modo voluntário, o atual presidente. E votaria na sua candidata apenas por simpatia ou gratidão. Tudo ocorreria de maneira automática, como se uma premissa levasse a outra. A propaganda nada teria a ver com o assunto, ou pouco seria devido às mágicas de João Santana e demais técnicos da persuasão. Passa batido o fato de que há oito anos o governo faz apenas propaganda, pouco mais. Vai bem a democracia na qual o presidente, em vez de investigar e punir auxiliares, ataca a imprensa que denuncia os crimes cometidos no próprio Palácio do Planalto? “A felicidade é uma gota, de orvalho numa pétala de flor, brilha tranquila, depois de leve oscila, e cai como uma lágrima de amor”.

Vai bem a economia que na pauta de exportações pode perder US$ 27 bilhões (aproximadamente R$ 48 bilhões)? Segundo estudo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), com a queda nas vendas ao Exterior de produtos industrializados (eles tem maior valor agregado e independem do vaivém das cotações) como é o caso das matérias-primas, ocorre uma diferença entre o que poderia ser exportado até o fim do ano (não fossem o real valorizado, as deficiências estruturais e o custo Brasil) e o que o país embarcou em 2008. Para o mesmo estudo, o valor bastaria para cobrir 56% do déficit em conta corrente previsto pelo mercado para 2010, de US$ 48 bilhões. A queda do saldo comercial é um dos principais motivos para o rombo nas contas externas, deixando o país mais dependente de capitais de curto prazo. A participação dos manufaturados sofre queda progressiva nas exportações brasileiras. Em 2000, bens industrializados eram 58,91% de tudo o que se enviava ao Exterior, contra 22,79% de produtos básicos. Em 2010, até junho, os produtos de maior valor agregado foram 40,52% do total, contra 43,38% dos básicos. A última vez que o Brasil exportou mais produtos básicos do que manufaturados foi em 1978. À época, a participação das commodities (matérias-primas, como minério de ferro, soja etc.) na pauta era de 47,2%, contra 40,2% dos manufaturados. (Para as informações iniciais, cf. O Globo, 7/8/2010).

Vai bem uma democracia na qual o projeto que regulamenta o lobby está engavetado no Congresso Nacional, no exato instante em que filhos da ministra chefe da Casa Civil, o posto mais próximo da Presidência, do Congresso e do Judiciário, negociam vantagens em favor de grupos privados? O povo está feliz? Perguntem aos que são assaltados, aos que não têm hospitais nem saneamento básico, aos 65% de analfabetos funcionais do Brasil, se eles estão mesmo felizes. São felizes ou estão sentindo que devem ser felizes, segundo as manipulações da propaganda governamental? Adrenalina em altas doses é veiculada pelos palácios, como na era Vargas, com o Dipe, e na ditadura com o “Prá frente, Brasil”. “A felicidade é uma pluma, que o vento vai levando pelo ar, voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar”.

A democracia vai bem se o presidente, que deveria ser o Supremo Magistrado, berra em comícios ser preciso extirpar os que “são do contra”? Só faltou os chaleiras entoarem o hino dos tempos em que mandava o General Medici: “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo...”. E para terminar, “Brasil, ame-o ou deixe-o”. O governo Lula será lembrado pela felicidade opiácea que injetou na população. “A felicidade do pobre parece, a grande ilusão do carnaval. A gente trabalha um ano inteiro, por um momento de sonho, pra fazer a fantasia, de rei ou de pirata ou de marinheira, pra tudo se acabar na quarta-feira”. Boa ressaca, Brasil.