quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Correio Popular de Campinas

Publicada em 29/9/2010


Trapaças e jogo político


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Diante da vida nacional, proponho ao leitor um trecho lúcido de Norbert Wiener, o pai da cibernética. Atenção à sua sequência: ele vai dos perfeitos manipuladores ao descalabro total, algo que pode ocorrer no Brasil, em breve. “Fato surpreendente quando se pensa no corpo político é a carência extrema de eficientes processos homeostáticos. Há uma crença, comum em muitos países, elevada a dogma nos Estados Unidos, segundo a qual a livre concorrência gera um processo homeostático: no livre mercado o egoísmo individual dos negociantes, cada um buscando vender caro e comprar o mais barato possível, resultará numa dinâmica estável de preços, em maior bem comum. Tal pensamento é associado à visão muito confortadora segundo a qual o indivíduo ativo, buscando seus próprios interesses, de certo modo é benfeitor público e obteve os maiores prêmios que a sociedade lhe ofereceu. Infelizmente, a evidência vai contra semelhante teoria simplória. O mercado é jogo cujo simulacro pode ser visto no jogo familiar chamado Monopólio. Ele se sujeita estritamente à teoria dos jogos desenvolvida por von Neumann e Morgenstern (J. Neumann e O. Morgenstern: Theory of games and economic behavior).

A teoria se baseia numa premissa: cada jogador, na busca de informações disponíveis, joga de acordo com uma tática completamente inteligente que lhe assegura a maior expectativa possível de prêmio. Se assim for o jogo do mercado é jogado entre operadores perfeitamente inteligentes e impiedosos. Mesmo no caso de dois jogadores a teoria é complicada, embora ofereça pistas de escolha definida. Em muitos casos, no entanto, onde existem três jogadores e (...) quando o número de jogadores é grande, ocorre instabilidade e indeterminação. Indivíduos são compelidos por sua própria cupidez a formar coalisões; mas coalisões não definem a si mesmas em nenhum modo singular, costumam terminar num turbilhão de traições, de vira casacas, engodos, pintura veraz do alto negócio chamado vida, ou das vidas conectadas da política, diplomacia, e guerra. Em prazo longo, os mais brilhantes e sem princípios dos trapaceiros se cansam do negócio e concordam viver em paz com uns e outros, os maiores prêmios sendo reservados aos que buscam oportunidades para quebrar tal acordo e atraiçoam os companheiros. Não existe homeostase no entanto. Chegam os ciclos do negócio de sucesso e fracasso e as sucessões das ditaduras e revolução, guerras em que todos perdem, tão reais nos tempos modernos.

O retrato feito por von Neumann de alguém completamente inteligente e impiedoso é abstração que perverte fatos. É raro achar grande número de pessoas totalmente alertas e sem princípios reunidas no jogo. Onde inescrupulosos se juntam, sempre haverá tolos; e onde tolos surgem em número suficiente, oferecem modos de exploração proveitosos aos espertinhos. A psicologia da tolice recebe atenção dos solertes. Em vez de buscar seu próprio interesse, segundo os jogadores indicados por Neumann, o tolo é previsível como o rato no labirinto. A tática da mentira - ou melhor, de afirmação irrelevante da verdade - o fará comprar o cigarro de certa marca; e o induzirá a votar em tal candidato - qualquer candidato - ou aderir à caça oficial às bruxas. (...) Para semelhantes procedimentos temos as pesquisas de opinião com os fãs do rádio e os eleitores, pesquisas psicológicas das quais o homem comum é objeto; e sempre existem técnicos em estatística, sociólogos, economistas dispostos a vender seus préstimos para tais iniciativas.

Felizmente os negocistas de mentiras, exploradores da credulidade, não conseguem fazer as coisas acontecerem do seu jeito. Ninguém é totalmente tolo ou solerte. O homem médio é bem solerte em assuntos que chamam sua atenção e altruísta em matérias de bem público ou sofrimento privado, que brotam diante de seus olhos”. (Cybernetics, or control and communication in the animal and the machine, Cambridge, MIT Press, 1965).

No Brasil ganham os espertos, até o advento de ditaduras, nas quais todos perdem. Vencem o trapaceiros no jogo político. Quem perde? Os que os elegem. Suas apostas, senhores!