domingo, 26 de setembro de 2010

Sobre cartolas eternos no futebol. E na política, então, mamma mia!

27/04/2010 - 07h00

Com quinteto de 108 anos, dirigentes ficam ao menos dois ciclos no Brasil olímpico

Bruno Doro e Felipe Munhoz
Em São Paulo

Em ano de eleição presidencial, todo o país discute quem vai assumir o lugar de Luis Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. Esse diálogo de sucessão, porém, não existe no cenário esportivo. O maior exemplo disso é o quinteto de cartolas eternos que comandam, há mais de 20 anos, suas confederações.


Somados, Roberto Gesta de Mello, do atletismo, Coaracy Nunes, dos esportes aquáticos, Ricardo Teixeira, do futebol, João Tomasini, da canoagem, e Manuel Luiz Oliveira, do handebol, chegam a 108 anos como dirigentes máximos de suas modalidades por aqui. A média de permanência dos cartolas nas 26 confederações olímpicas do país é de mais de dois ciclos olímpicos. Hoje, a média fica em 8,3 anos. Mas a maioria tem mandato até os Jogos de 2012, quando esse número vai ultrapassar os dez anos.

"PODER POR TEMPO LONGO DE UM SÓ GRUPO VIRA TUMOR", DIZ PROFESSOR

"É preciso que haja uma renovação para que a sociedade seja atingida. Todos nós temos limitações de trato com outras pessoas. Em uma confederação, se fica o mesmo grupo por 20 anos, esta confederação está atenuando as possibilidades, está diminuindo as modalidades e favorecendo setores em detrimento de outros.

Quando um grupo fica por 40 anos no poder, é uma espécie de tumor, que impede algumas células de se desenvolver. A experiência pessoal é absorvida se ela entra em um movimento de renovação. Se o sujeito que fica no cargo repete os mesmos equívocos e acha que está fazendo tudo certo, os erros podem ser irreparáveis. É o que eu vejo no futebol. É fantástico os meninos do Santos estejam encantando o público. Mas se você não aproveitar a juventude deles, eles podem se tornar velhinhos. O que interessa é a movimentação dos cargos."

Depoimento de Roberto Romano , professor de ética e política da Unicamp

Professor de ética e política da Unicamp Roberto Romano explica que toda entidade comandada há muito tempo por um mesmo grupo é negativo. “Todos nós temos limitações de trato com outras pessoas. Eu, que tenho quase 70 anos, tenho dificuldades de trato com algumas pessoas. Em uma confederação, se fica o mesmo grupo por 20 anos, esta confederação está atenuando as possibilidades, está diminuindo estas modalidades e favorecendo setores em detrimento de outros”, explica.

“Vamos pegar o campo do futebol, por exemplo. O pessoal que fica muito tempo no cargo não consegue perceber que está impedindo que novas ideias apareçam. No Campeonato Paulista, você vê que tudo é feito pela cabeça dos dirigentes”, completaRomano .

Gesta de Mello, recordista brasileiro com 23 anos no cargo, diz que está de saída. Aos 65 anos, ele quer se dedicar mais aos filhos e assumir os negócios da família. “Quando assumi, tive de tirar dinheiro das minhas empresas para pagar a folha salarial. Hoje, os tempos são melhores e vejo a possibilidade de passar o cargo. O grande denominador é o que a comunidade, os atletas, dirigentes e técnicos pensam. E eles estão satisfeitos”.

APÓS 23 ANOS, GESTA DIZ QUE "HOUVE EVOLUÇÃO EM TODOS OS SENTIDOS"

"Quando eu assumi a confederação os tempos eram outros. Não tinha patrocínio como hoje. A gente não tinha dinheiro nem para pagar a folha salarial. Tive que colocar dinheiro de empresas da família. Todas as promessas de não deixar atleta sem viajar foram cumpridas. Houve uma evolução em vários sentidos. A confederação está em Manaus, mas funciona no Brasil inteiro com técnicos internacionais, Grand Prix.

Para ter participação internacional, você tem que ter um reconhecimento e, neste caso, o tempo é muito importante. Por outro lado, talvez provoque estagnação. Mas nós tentamos suprir isso com o fórum de atletas, dirigentes e técnicos.

Hoje os tempos são melhores e vejo a possibilidade de passar o cargo. O que interessa é se a comunidade está satisfeita. Eu não pretendo ficar depois de 2012. Preciso me dedicar a minha vida pessoal, à família, aos negócios da família. Em 2012, quem assumir terá o seu caminho próprio, daí veremos se serão formas mais eficazes e que agradam."

Depoimento de Roberto Gesta de Mello, presidente da CBAt

A imagem da CBAt, aliás, é positiva no meio esportivo. Dirigentes consultados pela reportagem elogiaram Gesta, mesmo criticando o tempo de permanência longo dos “presidentes olímpicos”. “Em quatro anos, é muito difícil conduzir qualquer projeto. Ninguém é dirigente profissional. Nos primeiros quatro anos, você pega o jeito da coisa. Os quatro anos seguintes são os anos produtivos. Eu sou a favor de um limite de reeleições. Mas cada caso é um caso. No atletismo, por exemplo, a maioria dos que falam, elogiam o Gesta. Depende muito do que o presidente fez. Temos exemplo do basquete e do tênis, por exemplo, que tinham gestões longas e foram trocadas”, comenta Celso Wolf Júnior, do badminton, há cinco anos no cargo.

Segundo Paulo César Montaqner, diretor da faculdade de educação física da Unicamp, o sistema político-esportivo brasileiro cria esses cartolas eternos. “Eu pertenço a uma universidade que muda de gestão a cada quatro anos. Fico até maio de 2010. Mesmo que a comunidade queira a permanência, o sistema não permite. No esporte, isso não existe”, diz Montaqner. “Esse não é um modelo produtivo. É limitado, centralizado. Confederações esperam as federações que aguardam os clubes”, completa.

Aos poucos, porém, as mudanças vão acontecendo. No basquete, por exemplo, o gaúcho Carlos Nunes assumiu o lugar de Gerasime Bozikis, o Grego, no ano passado. “Uma das primeiras ações da nova gestão foi pedir a mudança do estatuto, para que o presidente só possa ser eleito para uma reeleição”, fala Nunes.

Movimentos como esse ainda não chegaram ao órgão máximo do esporte olímpico brasileiro. Carlos Arthur Nuzman está no poder desde 1995. O mandato termina em 2012. Com as Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016, no entanto, ele pode seguir no comando por mais quatro anos e chegar a 21 anos de poder.