terça-feira, 20 de maio de 2014

A Unicamp, por coisas assim, é motivo de orgulho. E muito.

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDFCampinas, 19 de maio de 2014 a 25 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 597

Engenheiro mecânico obtém cimento
ósseo ‘natural’ destinado a implantes

Pó de elevada pureza é absorvido pelo corpo para a formação de nova estrutura


Uma pesquisa conduzida pela Unicamp em parceria com o Instituto de Cerâmica e Vidro de Madri, na Espanha, acaba de obter um pó com 100% de pureza, capaz de ser convertido em cimento ósseo para ser empregado em implantes. A grande vantagem é que, com este grau de pureza, a substância é absorvida totalmente pelo corpo humano para a formação de uma nova estrutura óssea. Ela atuaria como uma espécie de cimento ósseo natural. O pesquisador envolvido afirma que não há, até o momento, relatos na literatura científica que reportam a existência de um material nessas condições.
Trata-se do alfa-fosfato tricálcico (α-TCP), composto já existente até então, porém com nível de pureza baixo, o que diminuía seu desempenho como implante. O biomaterial deverá ser empregado em implantes ósseos como alternativa às ligas de aço inoxidável, titânio, cerâmicas densas, entre outros. Devido à sua biocompatibilidade, quando implantado no corpo humano, o composto serve de “alimento” para o organismo produzir um novo osso. A etapa seguinte da pesquisa, que estabeleceu um protocolo para a obtenção da substância, é desenvolver próteses personalizadas a partir do material.

“É um composto ótimo, com características perfeitas para ser utilizado em um implante porque não é necessária uma segunda cirurgia para a retirada do material. O cimento ósseo de alfa-fosfato tricálcico é feito durante o processo cirúrgico, o que diminui o tempo e os riscos da intervenção. Além disso, o material possui capacidade elevada para se adequar em qualquer cavidade, mesmo naquelas mais irregulares”, explica o engenheiro mecânico Hugo Ananias Inácio Cardoso, autor do estudo que obteve o α-TCP.

O pesquisador da Unicamp ressalta que, por enquanto, o uso do biomaterial deverá ser destinado apenas para implantes ósseos de cabeça, face e pescoço. “A sua resistência mecânica ainda impede o uso integral em uma prótese de joelho, quadril ou cotovelo, por exemplo. Portanto, nestes tipos de próteses, ele deverá ser empregado como um material auxiliar, juntamente com uma liga metálica ou cerâmica”, pondera.

A síntese do α-TCP foi desenvolvida por Hugo Cardoso como parte de sua tese de doutorado defendida junto à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. Ele realizou parte dos experimentos no Instituto de Cerâmica e Vidro de Madri (Instituto de Cerámica y Vidrio) por meio de doutorado sanduíche entre as duas instituições.

A instituição espanhola - vinculada ao Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC), órgão governamental de fomento à pesquisa daquele país - está instalada no campus da Universidade Autônoma de Madri. Os trabalhos foram coordenados pela professora Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia, do Departamento de Engenharia de Manufatura e Materiais da FEM, e pelos pesquisadores Raúl García Carrodeguas e Miguel Angel Rodriguez, da instituição madrilena.

“Apesar de o material já ser conhecido há décadas, ainda não há um consenso sobre como conduzir a reação química. Não havia um protocolo sobre isso. A literatura científica era difusa e não se sabia, até então, todos os fatores que influenciavam na síntese de α-TCP de elevada pureza. Obter este material com um nível de pureza considerado baixo prejudicaria sua reatividade e desempenho ‘in vivo’”, justifica o engenheiro mecânico.

Ele situa que os fosfatos de cálcio estão entre os substitutos ósseos mais utilizados ao redor do mundo. Isso acontece devido a sua similaridade química com a parte mineral dos ossos e excelente biocompatibilidade, caracterizada pela alta osteocondutividade, fenômeno que estimula a formação óssea no local onde o material é implantado.

Hugo Cardoso informa que os estudos também foram desenvolvidos no âmbito do Laboratório de Biomecânica da FEM; do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Biofabricação (Biofabris), instalado na Unicamp; e da Rede Iberoamericana de Biofabricação. A pesquisa foi financiada, no Brasil, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e, na Espanha, pela Fundação Carolina.

Fosfato tricálcico
O fosfato tricálcico, uma combinação de compostos de cálcio e fosfato, possui duas fases estáveis em temperatura ambiente - a alfa e a beta. Estas fases, possíveis de se obter via reação de estado sólido, apresentam características diferentes entre si, especifica o engenheiro mecânico, que desenvolve pesquisas sobre o assunto desde 2009, data em que iniciou seu mestrado na FEM. 

“O material alfa se transforma no corpo humano, quando em contato com água, em hidroxiapatita deficiente em cálcio, substância muito similar a nossa fase mineral óssea. Portanto, depois de algum tempo, a hidroxiapatita vai ser utilizada pelo nosso próprio corpo para formar um novo tecido. Isso acontece porque o nosso osso não é tão deficiente em cálcio quanto esta substância. O nosso osso começa a fagocitar este material para formar um osso novo, que vai surgindo à medida que o material vai embora.”


Conforme o pesquisador da Unicamp, o seu trabalho consistiu em obter o fosfato tricálcico até atingir 100% de pureza na fase alfa. Ele acrescenta que o fosfato tricálcico estável em temperatura ambiente é uma mistura entre as fases alfa e beta. O objetivo dos experimentos foi separar estas duas fases. Na literatura científica há relatos reportando a obtenção de alfa-fosfato tricálcico, mas sempre com quantidades significativas de beta. Neste caso, de acordo com Hugo Cardoso, o beta seria a impureza porque ele não é absorvido pelo osso.

“Desenvolvi, com base em uma reação química de estado sólido, vários estudos de cinética e choque térmico, com diferentes tempos de permanência do material no forno e também com diferentes temperaturas. Utilizei reagentes sintetizados em laboratório para purificar o fosfato tricálcico. Estes reagentes foram preparados para diminuir o nível de impurezas, principalmente o teor do magnésio, um dificultador na obtenção de α-TCP. A pureza do pó precursor foi um fator essencial para o sucesso da aplicação de um cimento de α-TCP a 100%”, revela. 

O material em fase alfa foi obtido num tempo de duas horas, considerado reduzido em relação aos experimentos já reportados na literatura científica. O protocolo desenvolvido por Hugo Cardoso foi validado com até 50g de material, condição em que o nível de pureza também foi de 100%.

“Além disso, obtivemos α-TCP a 1265°C, sem a necessidade de choque térmico. Na maioria das vezes os experimentos utilizam temperaturas superiores a 1300°C e tempos de patamar não menores que seis horas e, ainda assim, não conseguem 100% de pureza. Isto representa, portanto, um aumento na eficiência da reação, além de um ganho energético extremamente relevante, por meio de uma diminuição da temperatura com um tempo no forno mais curto”, acrescenta.


Publicação
Tese: “Síntese, caracterização e cinética de formação do pó de [alfa]-fosfato tricálcico de elevada pureza”
Autor: Hugo Ananias Inácio CardosoOrientadora: Cecília Amélia de Carvalho ZavagliaUnidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)Financiamento: CNPq, Capes e Fundação Carolina