Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDFCampinas, 19 de maio de 2014 a 25 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 597
Engenheiro mecânico obtém cimento
ósseo ‘natural’ destinado a implantes
Pó de elevada pureza é absorvido pelo corpo para a formação de nova estrutura
Uma
pesquisa conduzida pela Unicamp em parceria com o Instituto de Cerâmica
e Vidro de Madri, na Espanha, acaba de obter um pó com 100% de pureza,
capaz de ser convertido em cimento ósseo para ser empregado em
implantes. A grande vantagem é que, com este grau de pureza, a
substância é absorvida totalmente pelo corpo humano para a formação de
uma nova estrutura óssea. Ela atuaria como uma espécie de cimento ósseo
natural. O pesquisador envolvido afirma que não há, até o momento,
relatos na literatura científica que reportam a existência de um
material nessas condições.
Trata-se do alfa-fosfato tricálcico
(α-TCP), composto já existente até então, porém com nível de pureza
baixo, o que diminuía seu desempenho como implante. O biomaterial deverá
ser empregado em implantes ósseos como alternativa às ligas de aço
inoxidável, titânio, cerâmicas densas, entre outros. Devido à sua
biocompatibilidade, quando implantado no corpo humano, o composto serve
de “alimento” para o organismo produzir um novo osso. A etapa seguinte
da pesquisa, que estabeleceu um protocolo para a obtenção da substância,
é desenvolver próteses personalizadas a partir do material.
“É um
composto ótimo, com características perfeitas para ser utilizado em um
implante porque não é necessária uma segunda cirurgia para a retirada do
material. O cimento ósseo de alfa-fosfato tricálcico é feito durante o
processo cirúrgico, o que diminui o tempo e os riscos da intervenção.
Além disso, o material possui capacidade elevada para se adequar em
qualquer cavidade, mesmo naquelas mais irregulares”, explica o
engenheiro mecânico Hugo Ananias Inácio Cardoso, autor do estudo que
obteve o α-TCP.
O pesquisador da Unicamp ressalta que, por
enquanto, o uso do biomaterial deverá ser destinado apenas para
implantes ósseos de cabeça, face e pescoço. “A sua resistência mecânica
ainda impede o uso integral em uma prótese de joelho, quadril ou
cotovelo, por exemplo. Portanto, nestes tipos de próteses, ele deverá
ser empregado como um material auxiliar, juntamente com uma liga
metálica ou cerâmica”, pondera.
A síntese do α-TCP foi
desenvolvida por Hugo Cardoso como parte de sua tese de doutorado
defendida junto à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. Ele
realizou parte dos experimentos no Instituto de Cerâmica e Vidro de
Madri (Instituto de Cerámica y Vidrio) por meio de doutorado sanduíche
entre as duas instituições.
A instituição espanhola - vinculada ao
Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC), órgão
governamental de fomento à pesquisa daquele país - está instalada no
campus da Universidade Autônoma de Madri. Os trabalhos foram coordenados
pela professora Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia, do Departamento de
Engenharia de Manufatura e Materiais da FEM, e pelos pesquisadores Raúl
García Carrodeguas e Miguel Angel Rodriguez, da instituição madrilena.
“Apesar
de o material já ser conhecido há décadas, ainda não há um consenso
sobre como conduzir a reação química. Não havia um protocolo sobre isso.
A literatura científica era difusa e não se sabia, até então, todos os
fatores que influenciavam na síntese de α-TCP de elevada pureza. Obter
este material com um nível de pureza considerado baixo prejudicaria sua
reatividade e desempenho ‘in vivo’”, justifica o engenheiro mecânico.
Ele
situa que os fosfatos de cálcio estão entre os substitutos ósseos mais
utilizados ao redor do mundo. Isso acontece devido a sua similaridade
química com a parte mineral dos ossos e excelente biocompatibilidade,
caracterizada pela alta osteocondutividade, fenômeno que estimula a
formação óssea no local onde o material é implantado.
Hugo Cardoso
informa que os estudos também foram desenvolvidos no âmbito do
Laboratório de Biomecânica da FEM; do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia (INCT) em Biofabricação (Biofabris), instalado na Unicamp; e
da Rede Iberoamericana de Biofabricação. A pesquisa foi financiada, no
Brasil, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e, na Espanha, pela Fundação Carolina.
Fosfato tricálcico
O
fosfato tricálcico, uma combinação de compostos de cálcio e fosfato,
possui duas fases estáveis em temperatura ambiente - a alfa e a beta.
Estas fases, possíveis de se obter via reação de estado sólido,
apresentam características diferentes entre si, especifica o engenheiro
mecânico, que desenvolve pesquisas sobre o assunto desde 2009, data em
que iniciou seu mestrado na FEM.
“O material alfa se transforma
no corpo humano, quando em contato com água, em hidroxiapatita
deficiente em cálcio, substância muito similar a nossa fase mineral
óssea. Portanto, depois de algum tempo, a hidroxiapatita vai ser
utilizada pelo nosso próprio corpo para formar um novo tecido. Isso
acontece porque o nosso osso não é tão deficiente em cálcio quanto esta
substância. O nosso osso começa a fagocitar este material para formar um
osso novo, que vai surgindo à medida que o material vai embora.”
Conforme
o pesquisador da Unicamp, o seu trabalho consistiu em obter o fosfato
tricálcico até atingir 100% de pureza na fase alfa. Ele acrescenta que o
fosfato tricálcico estável em temperatura ambiente é uma mistura entre
as fases alfa e beta. O objetivo dos experimentos foi separar estas duas
fases. Na literatura científica há relatos reportando a obtenção de
alfa-fosfato tricálcico, mas sempre com quantidades significativas de
beta. Neste caso, de acordo com Hugo Cardoso, o beta seria a impureza
porque ele não é absorvido pelo osso.
“Desenvolvi, com base em uma
reação química de estado sólido, vários estudos de cinética e choque
térmico, com diferentes tempos de permanência do material no forno e
também com diferentes temperaturas. Utilizei reagentes sintetizados em
laboratório para purificar o fosfato tricálcico. Estes reagentes foram
preparados para diminuir o nível de impurezas, principalmente o teor do
magnésio, um dificultador na obtenção de α-TCP. A pureza do pó precursor
foi um fator essencial para o sucesso da aplicação de um cimento de
α-TCP a 100%”, revela.
O material em fase alfa foi obtido num
tempo de duas horas, considerado reduzido em relação aos experimentos já
reportados na literatura científica. O protocolo desenvolvido por Hugo
Cardoso foi validado com até 50g de material, condição em que o nível de
pureza também foi de 100%.
“Além disso, obtivemos α-TCP a 1265°C,
sem a necessidade de choque térmico. Na maioria das vezes os
experimentos utilizam temperaturas superiores a 1300°C e tempos de
patamar não menores que seis horas e, ainda assim, não conseguem 100% de
pureza. Isto representa, portanto, um aumento na eficiência da reação,
além de um ganho energético extremamente relevante, por meio de uma
diminuição da temperatura com um tempo no forno mais curto”, acrescenta.
Tese: “Síntese, caracterização e cinética de formação do pó de [alfa]-fosfato tricálcico de elevada pureza”
Autor: Hugo Ananias Inácio CardosoOrientadora: Cecília Amélia de Carvalho ZavagliaUnidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)Financiamento: CNPq, Capes e Fundação Carolina