quarta-feira, 28 de maio de 2014

Jornal da Unicamp

Campinas, 23 de maio de 2014 a 01 de junho de 2014 – ANO 2014 – Nº 598

O consumo e as lições da crise

Dissertação analisa desregulamentação bancária e financeira dos EUA nas últimas três décadas
Em seu estudo de mestrado junto ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp, a bacharel em relações internacionais Lídia Brochier buscou compreender a evolução do consumo pessoal nos Estados Unidos (EUA) a partir da década de 1980 até a crise financeira de 2007 a 2009. O “consumo financeirizado”, como ela denomina em seu trabalho, manteve, de um lado, a expansão da economia norte-americana por quase 30 anos, mas gerou, de outro, um endividamento insustentável, que culminou na crise. A situação estadunidense, segundo a autora do estudo, serve como alerta para a economia brasileira.
“Não é mais possível analisar o consumo apenas baseado na renda. E as teorias clássicas se apoiam muito neste aspecto. É importante avaliar a variação dos ganhos de capital porque ela demonstra como o consumo se expande atualmente. Tem a questão do crédito e do endividamento, que podem se tornar inconsistentes no médio prazo. Num primeiro momento o crédito leva ao crescimento do consumo e da economia, mas posteriormente isso pode apresentar consequências negativas, como aconteceu nos Estados Unidos. Embora o Brasil ainda tenha muito espaço para a expansão da economia, a situação norte-americana serve de alerta ao país”, analisa.
A pesquisadora pondera que a oferta de crédito no Brasil ainda é baixa quando comparada com as estatísticas norte-americanas. “Mas não basta somente expandir o crédito ao consumidor. O consumo e o investimento têm que caminhar juntos. Não tem como o consumo crescer indefinidamente se o investimento não crescer no país. É preciso haver uma complementariedade”, defende.
Em relação à situação norte-americana, a estudiosa observa que, atualmente, o crescimento do investimento está num patamar razoável, com uma taxa real de 9,5%, registrada em 2012. “Resta saber se esse crescimento é sustentável em médio prazo. Na falta dos investimentos aos níveis necessários, a formação de uma nova bolha na economia pode não ser o cenário desejável, mas é, sim, palpável.”
Lídia Brochier foi orientada pela docente Ana Rosa Ribeiro de Mendonça Sarti, que atua no Departamento de Teoria Econômica do IE. A dissertação, defendida em fevereiro deste ano, obteve apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que concedeu bolsa à pesquisadora. No momento, ela dá sequência aos estudos com uma pesquisa de doutorado no IE com o objetivo de aprofundar as estruturas de financiamento do consumo e suas consequências.

A dinâmica
Para a estudiosa da Unicamp, a desregulamentação progressiva do sistema bancário e financeiro norte-americano, desde 1930, gerou forte expansão do consumo, permitindo que as famílias passassem a consumir com base em instrumentos não tradicionais. Tais “inovações financeiras” ampliaram a capacidade de empréstimo das famílias, tornaram ativos ilíquidos em ativos líquidos e dinamizaram o consumo de maneira sem precedentes.
Mas, por outro lado, esse “consumo financeirizado” trouxe endividamento crescente, que se tornou insustentável, como demonstrou a crise financeira no país. Lídia Brochier considera que a expansão do crédito tem aspectos positivos, sobretudo para aumentar o consumo e impulsionar a economia, mas a forma como isso foi feito nos Estados Unidos, com a alavancagem excessiva, trouxe problemas.
“Lá as famílias tinham empréstimos até com amortização negativa. Isso significa que o pagamento mensal era cada vez menor e, portanto, o montante da dívida final ia aumentando. E uma hora isso ia estourar, pois gerava desequilíbrio nos balanços das famílias. A expansão do crédito ao consumidor e das hipotecas desde a década de 1980 esteve na base do ‘consumo financeirizado’ no país. Esse padrão de crescimento, em ação por quase 30 anos, foi questionando pela crise financeira”, lembra.
Assim como a financeirização moldou as formas de investimento das empresas, ela também evocou um papel para o consumo das famílias mais sofisticado do que aquele previsto pelas teorias clássicas do consumo. A pesquisadora afirma que os estudos sobre a financeirização focam, em geral, muito mais a questão de como ela afeta as decisões das empresas e, consequentemente, o investimento, do que dos consumidores.
“Meu trabalho revisa as teorias mais convencionais e difundidas do consumo a fim de extrair ideias pertinentes para compreender a evolução do consumo no contexto da financeirização. Objetiva também destacar alguns pontos em que tais teorias são historicamente datadas, não se aplicando às modificações ensejadas por esse processo. O consumo é um fenômeno pouco investigado, sobretudo entre as teorias mais clássicas. Mas ele dever ser entendido, atualmente, como uma peça fundamental do sistema capitalista”, sustenta.

O peso nas economias
Conforme levantamento de 2011 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o consumo pessoal representou cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2009. Na economia dos Estados Unidos, o gasto familiar superou os 70% do PIB em 2012, conforme dados do ano passado do Flow of Funds Accounts (FFA), levantamento realizado pelo banco central americano, o Federal Reserve (FED).
“O consumo tem enorme peso no PIB de muitas, senão, da maioria das economias. Além disso, num contexto em que países como a China estão fortalecendo sua estratégia de crescimento a partir da demanda interna, a relevância do tema se torna explícita. Graças ao ambiente gerado numa economia financeirizada, o descasamento dos gastos das famílias dos limites da renda contribui para o funcionamento do consumo como elemento ativo da demanda. Os Estados Unidos constituem a configuração mais peculiar na qual o consumo agiu como motor de expansão dos gastos nas últimas décadas”,  examina Lídia Brochier.
Seu estudo foi dividido em três capítulos. No primeiro, a pesquisadora realizou uma revisão das teorias do consumo. Foram estudadas as teorias de John Maynard Keynes, James Duesenberry, Franco Modigliani, Milton Friedman, Michael Kalecki e Hyman Philip Minsky. No segundo capítulo, ela elaborou uma contextualização histórica do processo de desregulamentação bancária e financeira. Por fim, no último a pesquisadora discute os dados do consumo em torno de três eixos: a renda, a riqueza e o crédito, e o endividamento das famílias.


Publicações
Artigos
BROCHIER, L. . A financeirização do consumo e o problema da geração de demanda agregada nos EUA. 2013. (Apresentação de Trabalho/Congresso). XVIII Encontro Nacional de Economia Política.
BROCHIER, L. . A financeirização do consumo e a crise financeira nos Estados Unidos: o fim do padrão de crescimento. 2012. (Apresentação de Trabalho/Congresso). V Encontro Internacional da AKB (Associação Keynesiana Brasileira).

Dissertação: “A financeirização do consumo: uma análise das modificações do consumo pessoal nos Estados Unidos da década de 1980 à crise financeira de 2007-9”
Autora: Lídia BrochierOrientadora: Ana Rosa Ribeiro de Mendonça SartiUnidade: Instituto de Economia (IE)Financiamento: Capes