Intolerância no RS
Ameaça do neonazismo persiste no Rio Grande do Sul
Prisão não costuma inibir os simpatizantes de ideais nazistas
02/05/2014 | 05h31
Material apreendido pela Polícia Civil mostra bandeiras e objetos ligados a grupos antissemitas
Foto:
Polícia Civil / Reprodução
Em 2005, três amigos — dois deles judeus — confraternizavam em um bar
localizado na Cidade Baixa, em Porto Alegre, quando um grupo de jovens
se aproximou trajando roupas de inspiração militar. Ao observar que
integrantes do trio usavam quipá, pequeno chapéu adotado pelos judeus
com conotação religiosa, passaram a desferir socos, chutes e facadas nas
vítimas. Os agressores, que agiram na data de celebração de 60 anos do
fim do Holocausto, revelaram a extensão da ameaça neonazista no Rio
Grande do Sul.
Leia a reportagem Intolerância no RS completa
Leia a reportagem Intolerância no RS completa
Essa ameaça, passada quase uma década do ataque visto como um marco
no embate entre a sociedade e os adeptos das ideias de Adolf Hitler no
Estado, ainda existe. Ao longo desse período, a Polícia Civil promoveu
mais de 50 indiciamentos em pelo menos 25 inquéritos, e procura
monitorar os passos de integrantes das principais organizações de
promoção do ódio — localizadas em maior número na Grande Porto Alegre e
na Serra. Mas o risco prossegue.
— Recentemente, houve um pequeno aumento da mobilização de
neonazistas no Interior, mais do que na Capital — afirma o titular da 1ª
Delegacia da Polícia Civil de Porto Alegre e policial especializado no
combate às ações extremistas, Paulo César Jardim.
O delegado evita citar estimativas sobre o número de adeptos dos
ideais nazistas no Estado a fim de não atribuir força ao movimento. Um
estudo recente da pesquisadora da Unicamp Adriana Dias estimou que o Rio
Grande do Sul contaria com 42 mil simpatizantes — atrás apenas de Santa
Catarina, com 45 mil — ao analisar o número de usuários da internet que
baixaram mais de cem materiais de divulgação extremista em um
determinado período.
Esse número não é levado em consideração pela polícia gaúcha porque
muitos neonazistas têm mais de um perfil virtual utilizado para navegar
anonimamente nesses sites, além da existência de perfis falsos
utilizados por autoridades de todo o país para monitorar as atividades
desses grupos. Tudo isso poderia levar a um número superestimado de
adeptos da intolerância.
Jardim avalia que, nos últimos anos, a quantidade de ações violentas
na região da Capital se reduziu em razão do indiciamento de 14
neonazistas apontados como suspeitos de participar da agressão de 2005
na Cidade Baixa. Como ainda aguardam julgamento, o envolvimento em outro
ataque poderia agravar sensivelmente as penas deles. O grupo ainda não
enfrentou o tribunal porque 10 deles entraram com recurso para tentar
evitar o júri popular.
— Seria a primeira vez no Brasil, que eu tenha conhecimento, que um
grupo nazista iria a júri popular. Por isso, já recebi ligações de
jornalistas dos mais variados países interessados em acompanhar esse
caso — conta Jardim.
O advogado de uma das vítimas de 2005, Helio Neumann Sant'Anna, conta
que seu cliente levou uma facada na barriga e outra no braço. Até hoje,
o rapaz sente o impacto do trauma.
— É possível ver o medo nos olhos dele. Um ataque desse tipo,
motivado pelo ódio, pelo preconceito, provoca um abalo muito grande. Ele
ainda espera que a Justiça seja feita — conta Sant'Anna.
A composição étnica do Rio Grande do Sul, marcada pela imigração
europeia, segundo o policial criaria um ambiente mais favorável para a
identificação com a ideologia marcada pela ilusão de superioridade da
chamada raça ariana. Apesar dos esforços das autoridades para conter as
células neonazistas no Estado, o delegado Jardim sustenta que é uma
guerra difícil. Nem a prisão costuma inibir os líderes do movimento.
— Vários deles já foram mandados para o Presídio Central para refletir sobre a bobagem que estão fazendo — conta o policial.
Para muitos, porém, a passagem pela cadeia representa uma prova de
valor diante do restante do grupo. A dificuldade, segundo Jardim, é que
não se tratam de bandidos comuns.
— Eles são guiados por uma ideologia. Um dia perguntei a um deles se
não tinha pena das vítimas. Ele me respondeu perguntando se eu tinha
pena ao matar uma barata. É assim que eles pensam — lamenta.
Casos recentes envolvendo ataques neonazistas no Rio Grande do Sul:
Casos recentes envolvendo ataques neonazistas no Rio Grande do Sul:
2003
Em julho, um estudante punk então com 24 anos relata ter sofrido
agressões de neonazistas armados com bastões e soqueiras quando estava
em um bar localizado nas imediações da esquina das vias Barros Cassal e
Independência, na Capital.
2005
Três estudantes judeus são agredidos a socos e facadas por membros de
facções de inspiração nazista no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre.
Ao todo, 14 pessoas são denunciadas à Justiça pelo crime. Elas ainda
aguardam julgamento.
Em Caxias do Sul, neonazistas são apontados como suspeitos em pelo
menos dois atos violentos — o assassinato de um homossexual em um
parque, em agosto, e agressões contra um jovem punk, em outubro.
2010
Livros, CDs, facas e uma soqueira estão entre os materiais
apreendidos em Porto Alegre. Chamou a atenção dos policiais um vídeo em
que um grupo neonazista faz ameaças ao senador Paulo Paim (PT), que é
negro.
2011
Pichação com um símbolo nazista — a suástica — é encontrada nos
ladrilhos de uma das escadarias do Viaduto Otávio Rocha, na Capital, em
junho.
Um grupo que se autodefine como "anarcopunk" (punks e anarquistas) e
outro de skinheads (neonazistas) se enfrentam em uma briga na Capital em
outubro. Duas pessoas são feridas a faca.
2012
Com soqueiras, bastão e facas em punho, um suposto grupo de
neonazistas é detido pela BM quando estaria prestes a atacar jovens em
uma parada de ônibus de Caxias do Sul, em janeiro. Os alvos seriam
negros e punks.
2013
Em março, um negro é esfaqueado no abdômen, quando voltava de uma
festa, na Capital. A suspeita é de que o ato tenha sido provocado por
neonazistas.
* Colaborou Cleidi Pereira
* Colaborou Cleidi Pereira
///////////////////////////////////////////////////////////////////////
Ideal fascista está sendo retomado, alerta filósofo
Roberto Romano, professor de Ética e Ciência Política da Unicamp
Publicado em 21/11/2010 | Rogerio Waldrigues Galindo
Um velho espectro político volta a rondar o mundo ocidental, com
riscos inclusive ao Brasil. E seu nome é fascismo. O alerta é do
filósofo e professor de Ética e Ciência Política Roberto Romano, da
Unicamp. Ele vê na atualidade o renascer de uma preocupante onda de
interesse acadêmico por obras de intelectuais que ajudaram a construir a
base teórica dos Estados totalitários surgidos na Alemanha e na Itália
no período entre as duas Guerras Mundiais.
O ponto principal de
preocupação de Romano é o interesse renovado pela obra do jurista e
filósofo Carl Schmitt. Autor “maldito” durante muito tempo por defender a
ditadura como melhor forma de governo, o teórico alemão começa a ser
revisto em universidades. A intenção seria aproveitar algumas ideias
dele, jogando “a parte podre fora”. Para Roberto Romano, porém, isso é
inviável.
Glossário
Confira alguns termos-chave no pensamento do filósofo Roberto Romano:Nazismo
Surgiu na Alemanha depois da I Guerra Mundial, da qual o país saiu arrasado. Numa crise financeira sem precedentes, o líder do partido nazista, Adolf Hitler, foi visto por muitos alemães como uma solução radical para o caos. No poder, Hitler implantou uma ditadura, que pregava a superioridade racial dos arianos e a morte dos inimigos.
Fascismo
Regime totalitário surgido na Itália, entre a I e a II Guerra, que defende a subordinação do povo a um líder, a disciplina como comportamento e a ditadura. O termo fascismo serve hoje para designar hoje uma série de governos com o mesmo perfil.
Liberalismo
Sistema político baseado na defesa das garantias individuais e na existência de um Estado de Direito, em que a lei é igual para todos, com destaque para a ideia de Constituição, que limita o poder do soberano e do próprio povo.
Marxismo
Ideário baseado nos escritos de Karl Marx, filósofo e economista alemão que, no século 19, defendeu a criação de um Estado forte que fosse capaz de impedir a desigualdade entre os homens. Pressupunha a instalação de uma ditadura do proletariado, da proibição da propriedade privada e da distribuição de renda por meio da intervenção estatal. Resultou no comunismo.
Carl Schmitt
Jurista e filósofo alemão (1888-1985), autor de obras que deram base ao governo nazista na Alemanha. A teoria de Schmitt previa um governo forte, ditatorial, em que o líder fosse capaz de, a todo momento, optar por caminhos não previstos pela lei. Para ele, a política estava acima do Direito, e o chefe de Estado não poderia, para ser eficiente, ser limitado por uma Constituição.
Segundo ele, em boa parte dos casos, os defensores de Schmitt
surgem de “órfãos de Marx e do stalinismo” – ainda interessados em
derrotar o liberalismo.
Romano diz ainda que o temor com o renascimento dessas ideias é ainda
maior diante do clima de irracionalismo criado por alguns fanáticos
religiosos, da alta taxa de desemprego, do enfraquecimento dos Estados
nacionais e da violência social do mundo atual. Ele afirma também que a
visão do adversário político como inimigo a ser derrotado, perigosamente
inserida na campanha presidencial brasileira deste ano, é uma amostra
do risco do renascimento de radicalismos totalitários no país.
O senhor afirma que há um renascimento do interesse pelo pensamento nazista no mundo. De onde vem esse interesse?
Da perda dos paradigmas éticos e políticos que nortearam os séculos
19 e 20. Com o enfraquecimento do liberalismo no início do século 20,
surgiram propostas de ordenamento da sociedade com maior ênfase nos
coletivos, e não tanto nos indivíduos e grupos. A sociologia romântica
acentuou os laços comunitários contra a vida urbana e industrial, com
seu “Estado máquina” [nazifascista]. Essa sociologia é um dos muitos
pontos que ajudaram a edificar, nos estratos mais reacionários, uma
ideia de coesão e disciplina vertical. E, nesta ideia, a vontade seria a
diretriz, não a racionalidade.
De modo geral, [György] Lukacs [pensador marxista húngaro] descreveu a
mudança de modelos, do racional para o irracional. Ele mesmo, como
discípulo de [Max] Weber [alemão, considerado o pai da sociologia],
havia procurado uma saída para a ordem mecânica e burocrática do mundo
moderno. Encontrou na revolução proletária internacional. Na outra ala
dos seguidores de Weber, na sua direita, encontravam-se sociólogos e
juristas reacionários como Carl Schmitt. Schmitt, que também criticava
as formas mecânicas e liberais, serviu momentaneamente aos nazistas.
Nos anos 70 do século 20, pensadores que, na esteira da crítica à
União Soviética deixaram de aceitar pressupostos do pensamento marxista,
passaram a ver nos escritos de Carl Schmitt um instrumento para
continuar a recusa do liberalismo. Órfãos de Marx e do stalinismo, eles
acentuam a resistência às formas liberais do Estado, sem no entanto
acreditar mais numa “revolução proletária internacional”. Esses
escritores ajudam a estabelecer o relativismo, a corrosão dos padrões
éticos e se colocam como geradores do éter de ideias que paira sobre os
movimentos nazifascistas. É preciso lembrar que esses movimentos jamais
deixaram de existir na Alemanha, na Europa, no mundo. Os demais, não
saídos do campo marxista, partilham os mais variados matizes do
pensamento conservador ou francamente reacionário, não aceitam as luzes,
a democracia, etc. Estes últimos são os que mais gasolina injetam nos
movimentos irracionalistas e fascistas que hoje se apresentam na cena
mundial.
Quais são os indícios desse novo interesse por esse pensamento?
Obras de autores como Schmitt são editadas na Europa, na Ásia, nos
EUA, na América do Sul. Seminários, publicações jurídicas ou
supostamente filosóficas se espalham, sempre com o mote de,
inicialmente, livrar Schmitt e seus pares da “pecha” de nazistas. Teses
universitárias surgem, e tomam como dados inquestionáveis os dogmas do
decisionismo político e jurídico; as teses sobre a política como
exercício da inimizade; os “desvios” da modernidade no pensamento
liberal e socialista democrático, etc.
O que pregam esses intelectuais?
Pregam o afastamento imediato das mediações jurídicas e políticas
liberais e o reforço do poder decisório dos líderes que movem o
Executivo. Em suma, pregam a ditadura do Poder Executivo nas matérias
estratégicas dos países, em detrimento do Legislativo e do Judiciário.
O senhor afirma que os intelectuais que tentam fazer um
“renascimento” da obra de Carl Schmitt tentam separar o resto de sua
obra, evitando a defesa da ditadura, por exemplo. Isso é possível?
Não. Mesmo autores irracionalistas escrevem textos que se
caracterizam como um todo. Impossível arrancar do decisionismo
schmittiano a sua atribuição ao chefe de Estado de poderes ditatoriais.
Qual o risco real de um grupo de intelectuais defenderem ideais como os que levaram à ditadura de Hitler na sociedade atual?
Embora a conjuntura seja outra, e não exista mais a bipolaridade
geopolítica entre comunismo e nazifascismo, a crise que gerou naquela
época os movimentos totalitários se apresenta agora, em outra face, mas
tão corrosiva quanto nos anos 20 do século passado, no campo dos
valores, das instituições, das ciências. Massas sem emprego,
desindustrialização comandada e em proveito do capital financeiro,
corrosão dos Estados, violência social, preconceitos, fanatismos,
irracionalismo religioso sectário, todos elementos são férteis
sementeiras de ódio. E permitem pensar e agir na política como se ela
fosse uma guerra civil, não como uma instância de diálogo e cooperação
entre cidadãos que discordam mas buscam o bem coletivo. No fascismo, o
“bom coletivo” é o meu. Os demais devem ser derrotados e expulsos da
cena pública e, mesmo, da vida.
Esse interesse existe também no Brasil? Onde?
Em nossas universidades existem muitos pesquisadores e professores
que apresentam o pensamento de Schmitt como algo “neutro”, que não
traria nenhum perigo para a ordem democrática. Sou contra escritores
como Yves-Charles Zarka, um mestre do pensamento filosófico e político
atualmente, que recomenda retirar os textos de Schmitt das prateleiras,
em livrarias e bibliotecas. Creio ser preciso ler aquele autor, e todos
os autores relevantes na história de nosso tempo. Mas uma coisa é ler;
outra é aceitar e espalhar as doutrinas genocidas.
Agora, pensemos um pouco sobre a última campanha eleitoral para a
Presidência – com os insultos, os ataques de lado a lado, a redução dos
concorrentes a inimigos – para perceber os possíveis frutos da corrosão
nos movimentos políticos, se eles aceitarem a tese de que o outro deve
ser aniquilado. É bom recordar que, em nosso caso, todos os partidos que
lideraram as campanhas saíram da esquerda, sendo notával a ausência,
nelas, de elementos conservadores. Neste vácuo, a pregação fascista
(intolerante, racista a pretexto de ser regionalista) toma fôlego, à
espera de seu momento certo.
A tensão étnica e religiosa que ressurge na Europa, especialmente com o crescimento do Islã, tem a ver com esse pensamento?
Sim. O Islã é visto como o inimigo, na ausência do comunismo. Mas o
inimigo pode ser qualquer religião, ideologia, partido político. A
redução da política à dimensão de uma guerra gera apenas a fratura no
social e no Estado.
Como combater esse tipo de ideal que vem ressurgindo?
A única forma de combater eficazmente o fortalecimento fascista é
viver a democracia, mesmo com todos os seus defeitos. Qualquer apelo ao
voluntarismo, à radicalização das próprias teses em detrimento da voz
alheia, da redução dos que pensam diferente ao estatuto de inimigo,
resultam em favor dos que consideram impossível o convívio democrático
respeitoso, nos parâmetros dos direitos humanos. A única fórmula para
combater o fascismo, em pensamento e atos, é viver e valorizar a
democracia.
Enviado por Rogerio Waldrigues Galindo, 11/11/13 4:13:39 PM
Professor diz que direita é majoritária nas universidades
Existe um discurso que vem ganhando espaço principalmente entre a
direita, e que diz que a esquerda “aparelhou” a universidade brasileira.
Os professores nas públicas seriam majoritariamente de esquerda,
contratariam mais gente de sua ideologia e usariam as provas de seleção
como instrumentos de garantia de que só os “seus” passariam no
vestibular.
O blog foi ouvir gente dentro das universidades para saber o que eles
pensam disso. Nos próximos dias, vou publicar as respostas de
professores de várias universidades e de vários matizes ideológicos
sobre o mesmo tema.
Começamos com o professor Roberto Romano, que leciona Ética e Ciência
Política na Unicamp. Ele nega o predomínio da esquerda e diz que, muito
pelo contrário, há mais gente de direita nos departamentos. A
orientação política dele? O blog até perguntou, mas deixa sem contar a
resposta. Fica mais divertido assim, e evita-se também uma caça às
bruxas ainda maior.
1- Há um predomínio de intelectuais de esquerda nas universidades públicas brasileiras? Por quê?
Discordo. O número de conservadores e pessoas favoráveis à direita,
na universidade, é tão grande quanto o das esquerdas. Mas ocorreu o
seguinte: nas duas ditaduras que destruíram a vida cidadã no século XX
brasileiro a direita, que representa o que é mais típico do Estado e da
sociedade brasileiros, ou seja, a dominação sem limites contra os
“negativamente privilegiados”(o termo é de Max Weber) predominou nos
governos, nas chamadas sociedades civis, nos campi. Às esquerdas foi
destinado o papel de inimigo a ser cassado, perseguido, banido,
exonerado das salas de aula e dos laboratórios.
No mesmo passo em que os governos ditatoriais esmagavam as esquerdas,
as direitas (porque elas também podem ser enunciadas no plural) se
refestelavam em cargos, sinecuras, verbas de pesquisa, etc. É conhecida
dos historiadores a cooperação da direita com os regimes de força no
Brasil, as cooptações, as delações contra os que não aceitavam os golpes
de Estado. Leia-se novamente O livro Negro da USP e outros documentos
tremendos. Como a minoria deve sempre se distinguir pelo maior ativismo,
as esquerdas conseguiram mais visibilidade na ordem universitária e
civil.
A direita brasileira, salvo nos últimos tempos, se caracteriza pelo
sigilo, pela apropriação silenciosa do espaço público, sem precisar
(insisto, até data recente) de conquistar espaços. Para ser mais claro: a
direita pouco falava, pouco militava, porque suas posições tinham sido
concedidas pelos canhões dos golpes de Estado e pelas polícias
políticas. Com a insipiente democracia pós 88, elas começaram a sentir a
necessidade de propagar suas teses e garantir suas posições.
Mas, contra o sentido da pergunta acima, digo sem medo de errar que o
predomínio nas universidades é a direita. E existe, sim, direita e
esquerda. A primeira exige a ordem que preserva os seus lugares de mando
e de garantia social. A segunda exige mudanças na estrutura da
sociedade e do Estado. Se ambas, às vezes, não são coerentes com seus
próprios alvos, é assunto para outra conversa.
É possível, sim, reconhecer nos campi brasileiros os descendentes de
Rousseau e de Robespierre, de Marx e de Sartre. Mas também são
identificáveis os herdeiros de Burke, Bonald, De Maistre, Donoso Cortés.
E são hegemônicos os que integram a segunda lista.
2- A direita acusa a esquerda de “aparelhar” as universidades. Isso seria possível? Como?
Se for verdade, a esquerda apenas repete, para seu uso próprio, o que
a direita fez e faz até hoje. O problema é o tipo de prática
“acadêmica” posta em movimento : o jogo do favor, das trocas de cargos e
de mando, os lobbies das seitas acadêmicas, etc. Tanto uma vertente
ideológica quanto a outra são mestras na arte de se apegar a cargos que
levam aos recursos financeiros, às redações prestigiosas, aos comandos
das fundações. Digamos: nas críticas da direita, temos o roto reclamando
do rasgado.
3- Questões de vestibular, Enade e Enem, segundo parte da
direita, seriam usadas como instrumento de doutrinação e de seleção de
alunos que corroboram teses do atual governo. Isso faz sentido?
Sim, faz sentido, como faz sentido boa parte da nossa historiografia
que narra a vida brasileira segundo parâmetros da direita, não raro
repetindo estereótipos de tipo absolutista. Além disso, como exige a
Ordem, a direita vira o rosto, enojada, de tema pouco “nobres”como a
luta pela terra, pela igualdade dos direitos, inclusive os trabalhistas.
Ela também considera os indígenas como inimigos do progresso econômico,
a serem afastados do espaço social no mais curto tempo. Tudo o que não
esteja antes da Revolução inglesa do século 17, da revolução
norte-americana e francesa, tudo o que não se inscreva no Antigo Regime
ou na Contra Revolução do século 19, é suspeito de “doutrinarismo”pela
direita.
4- Por que a direita não tem mais representantes nos cursos de humanas? Faltam intelectuais à direita? Por quê?
A direita é muito bem representada nos cursos de humanas. Mas ela prefere os cursos de humanas mais úteis ao capital financeiro, aos poderes conservadores e oligárquicos, etc. Nunca foi efetivada uma pesquisa rigorosa, para saber quem, nas ciências humanas, pertence à esquerda ou à direita. O que temos são slogans, gritos de guerras dos dois setores, postos uns contra os outros.
5- Há risco de “doutrinação ideológica” dos alunos nas universidades?
Não apenas nas universidades, mas no ensino primário, secundário,
religioso, técnico, etc. As várias correntes ideológicas e políticas
disputam o espaço sem cessar. E não perdem tempo quando se trata de
atacar os adversários, inocentando a si mesmos. O mais lamentável é a
encenação da velha peça, a do lobo malvado contra o chapeuzinho
vermelho. Os outros (que não seguem meus ditames de pensamento e ação)
sempre representam o lobo ardiloso e pervertido. Os nossos sempre são
honestos, lógicos, consequentes e sérios. É o que se chama, em boa
percepção ética, uma postura maniqueia.