terça-feira, 20 de maio de 2014

Guerra nas Estrelas, Roberto Romano

“Guerra nas Estrelas” (uma análise das metáforas do corpo e da máquina na filmografia). Roberto Romano

Guerra nas estrelas

1) O senhor poderia explicar melhor o conceito da fantasia romântica, com a qual disse que a saga tem muito a ver?'

Quem segue A Flauta Mágica nota que a peça de Mozart pertence de fato à era das Luzes. Nela, o jogo entre o lado sombrio(a rainha da Noite) e o solar (Sarastro) se resolve na guerra em que vence o brilho da nossa estrela. É o que entoam os versos finais da obra: “die Strahlen der Sonne vertreiben die Nacht,/Zernichten der Heuchler erschlichene Macht” (Os raios do Sol afastam a Noite, destruindo o poder maligno). Graças são dadas ao casal divino, Osíris e Ísis, porque eles permitiram que o bom poder, o luminoso, triunfasse “premiando a beleza e a sabedoria com uma coroa eterna”. O romantismo lutou contra o triunfo da Luz celebrado por Mozart em nome da Razão. Os românticos tentaram dizer que os humanos são dotados de forças mais amplas (entre elas, o sonho e o dom dos poemas) do que a racionalidade científica e tecnológica. A imaginação é um poder cujo ápice encontra-se na fantasia, segundo Friedrich Schlegel, importante romântico. Para ele, a razão só conhece o mundo físico, que éexterior ao homem. Já a imaginação, em sentido oposto, conduz ao divino. Ela não brota apenas do intelecto e da pura lógica matemática, e o seu momento mais livre de amarras lógicas, a fantasia, gera a força dos sonhos e a beleza anímica. O termo alemão para a força em questão é das Wunder, o maravilhosoque afasta o cotidiano prosaico, sem graça, racional. Os mitos entram na perspectiva romântica deste maravilhoso, em favor do lado noturno da alma. Na fantasia não existem contrários ou contraditórios insolúveis, como ocorre na lógica puramenteintelectual. Nela, afirma Maxime Alexandre, “uma princesa nasce de uma gota de sangue, as árvores cantam, ocorrem chuvas de vinho ou as rosas caem como neve, as correntes dos riachos são de puro leite”.

Ao contrário do pensamento mecânico que determinou a cultura moderna, no romantismo os homens não constituem um sistema de máquinas cuja alma, puro pensamento, seria exterior ao corpo. Uma filosofia assim, que separa corpo consciência, foi produzida pela doutrina cartesiana, seguida pelo racionalismo até o século XVIII. A Luz da estrela solar (metáfora da consciência pura, separada do corpo) na guerra cósmica, espanca eternamente o lado escuro. No lado oposto a este ideário racionalista, os românticos assumem que é impossível superar a polaridade entre luz e trevas e que resiste sempre uma passagem possível das trevas às luzes, e vice-versa, da alma ao intelecto. O romantismo une-se à Noite e à Morte, sendo esta última tão apaixonante quanto a via racional luminosa. Diz Novalis, talvez o maior dos poetas românticos: “É na morte que o amor transforma-se em mais doce; para o amante, a morte é noite nupcial, segredo de suaves mistérios”. Para o romantismo, o universo imaginado enquanto máquina e produzido pelo cálculo matemático (sobretudo no século XVIII) é pesadelo ameaçador. Não é verdade, dizem os românticos, que os animais e os homens sejam apenas mecanismos automáticos e sem liberdade. Os mecanicistas do século XVII, por exemplo, causaram uma anedota que ilustra bem a idéia do animal e do homem mecânico: certo dia um filósofo mecanicista topa com uma cadela grávida. Dá-lhe um pontapé. Seu colega o acusa de maldade. Resposta : “trata-se apenas de uma bem agenciada máquina”. Se os animais são máquinas e os homens idem, pensavam os mecanicistas, as sociedades e os Estados também seriam mecânicos. Os românticos erguem-se contra Hobbes que comparava o Estado a um relógio bem ordenado. A sociedade e o Estado, no pensamento romântico, seriam organismos, não máquinas, e nos organismos da sociedade e do Estado se reúnem indivíduos capazes de sentimentos, afetos, solidariedade. Se fosse verdade, de outro lado, que a consciência lógica seria a única atividade além da operação corporal, e se o corpo fosse de fato apenas máquina, desapareceriam a poesia, o sonho e a liberdade porque a máquina não possui sentimentos. A tese filosófica puramente racional afasta o aspecto sensível dos homens – a fantasia – e também expulsa os mitos e as fábulas. Sem estes últimos, a alma humana resseca. O mundo racionalista se reduz a afirmar a existência de um amontoado de engenhos mecânicos sem coração, emoções, liberdade ou sentimentos. O grito de Novalis resume o programa romântico: “é preciso romantizar o mundo (…) introduzir alma na máquina”.

O programa político do romantismo prega o retorno à Idade Média (chamada pelos racionalistas de a Idade das Trevas) com seus heróis e cavaleiros, suas fábulas, seus milagres, sua Igreja Católica organizada de maneira hierárquica como um corpo e não como uma fria máquina burocrática. A Idade Média é a era da fantasia, não da racionalidade sem coração. George Lucas se apropria desse legado romântico imenso e o projeta num futuro incerto onde as fronteiras do sonho e da realidade são mais incertas ainda. Seu filme expõe a existência de entes mecânicos em profusão maravilhosa. Existem Estados-máquina, garantidos por soldados-máquinas, onde os governantes são máquinas ou homens que se transformaram em máquinas. Na saga fílmada por Lucas, a técnica e a mecânica podem ser dirigidas em favor da alma e dos sentimentos, mas também produzem morte e insensibilidade.

Note-se a diferença entre o romantismo de Lucas e o de Stanley Kubrick. Este, sobretudo em 2001, uma Odisséia no Espaço, mostra os malefícios da cultura mecânica e os limites do ser humano. É antológica, neste sentido, a seqüência que vai da morte de um macaco por outro, com um instrumento mecânico, um osso que perde a função de integrador do corpo animal e se torna porrete. Aquele osso, jogado para o firmamento, continua movendo-se com o formato de nave espacial e termina seu itinerário revestido com a forma de uma caneta flutuante. A caneta acumula os significados de vida e morte porque é imagem que sintetiza a ciência, a literatura, o poder. Entre o porrete e a caneta, a evolução apenas refina a força corrosiva da técnica e da ciência mecânicas. Hall resume o problema: ele é superinteligente e quando surge uma “falha” (a paixão do orgulho) no seu funcionamento, torna-se assassino frio. Em Kubrick não existe salvação pela fantasia nem pelos sentimentos.

Já em Lucas as máquinas podem ser vencidas pela inteligência a serviço da sensibilidade. Sem fantasia não resiste nenhum afeto, o homem decai e se torna máquina insensível que produz poder e morte. Anakin, orgulhoso e vingativo, torna-se uma entidade mecânica e impiedosa, pois opera sem nenhuma simpatia ou amor pelos outros. Ele perde a fraqueza humana (as paixões), mas regride ao plano de “máquina sem alma”. A trilogia inteira retoma o das Wunder romântico, com suas maravilhas e heroísmos que realizam façanhas impossíveis se os parâmetros para elas fossem dados apenas pela ordem puramente racional. Em todas as seqüências de Star Wars domina a atmosfera onírica com base num pesadelo perene: a luta entre o lado escuro e o luminoso. Ao contrário, portanto, d’ A Flauta Mágica, não existe vitória da Luz sobre as Trevas na trepidante narrativa de Lucas. Os humanos podem seguir o rumo do amor e dos afetos (dirigidos pela sabedoria) ou caminhar para a morte escura. Uma suspeita generalizada se espalha pelas seqüências, anunciando a mais do que certa morte do universo, dos homens e de suas instituições. Não existe república que sempre dure, não existe império que nunca acabe.

A lição, aqui, serve para todos os poderosos que usam máquinas para dominar seres humanos. Especula-se muito sobre o “recado” político do filme, se ele critica o império norte-americano ou faz a sua apologia. As duas hipóteses não indicam algo mais fundamentalque se manifesta no filme. República e império são formas políticas derivadas, repetem o Estado enquanto um sistema mecânico superposto aos organismos dos seus cidadãos. Os regimes são cascas duras que emolduram as vidas individuais e coletivas.

A tese romântica, claramente exposta por Lucas, recusa as formas derivadas do Estado, império ou república. Elas são instáveis, efêmeras, exteriores aos corações, caducas e só permanecem com o uso da força física, a guerra e o contínuo aperfeiçoamento das armas. A família, pelo contrário, é mantida por laços afetivos originais e não-derivados. Ela resiste mesmo quando os regimes políticos estão em frangalhos. A família é o centro de sentido orgânico da vida coletiva e nela o afeto, os sentimentos e o amor são os elos que unem indivíduos e grupos. Daí que os políticos procurem controlar, manipular ou mesmo extinguir os laços familiares. A obra-prima da política imperial é a ruptura entre Anakin/Vader e seu filho, o que subverte todos os laços familiares e inviabiliza a família como fundamento de unidade societária. Esta tese sobre a família é o centro mais estratégico do romantismo, contra o Estado e a sociedade modernos, desde o começo do século XIX. Para dizer as coisas bem diretamente: pouco importa se o Estado aparece hoje na figura de uma república democrática, como seriam os EUA antes de se definir como a potência hegemônica, ou se ele assume a função imperial, sob o comando conservador instalado na linhagem Reagan-Bush. Para Lucas, as duas formas são violentas,contrárias à vida orgânica e promovem a guerra, o avanço científico e tecnológico tendo em vista apenas a morte. O Estado, republicano ou imperial, é o inimigo da família, a única fonte da vida e dos afetos. Entre os regimes estabelecidos e a família, a irmandade Jedi ocupa um espaço intermediário. Nela, como nas ordens religiosas medievais, todos são “irmãos” e nela os afetos existem, temperados pela força que, por sua vez, é dosada pela sabedoria. Mesmo os jedis, no entanto, precisam das famílias para regenerar a sua organização.Embora vivam séculos, eles morrem e devem ser substituídos.

A família cumpre o papel de renovar a fraternidade com indivíduos afetivos, pensantes, dispostos ao bem coletivo. Os jedis guardam a sabedoria tradicional e a força legítima, a família é a sua fonte de rejuvenescimento. E dizendo as coisas mais diretamente ainda: Lucas não apóia a república ou o império norteamericano, mas reaviva o ideário conservador e romântico que lutou e luta contra a modernidade. Seus heróis viveriam perfeitamente adequados nos moldes de associações fraternas como a TFP. Esta última, em sua fala, ritos e gestos, é fóssil guardado no escrínio da memória e da imaginação. Nela pode-se enxergar o que foi o ideal romântico-conservador dos séculos XIX e XX. O filme de Lucas mostra, no entanto, que longe de se limitar ao folclore ultrapassado, como na TFP, o romantismo instalou-se na alma das massas como resultado de uma propaganda que moveu poetas, romancistas, filósofos, antropólogos e, com o cinema e a TV, atingiu escala planetária.


Star Wars é uma das versões românticas, talvez a mais popular, de nossos dias. Como disse acima, cineastas também românticos como Kubrick criticam o mundo do Estado-mecânico que se mantém apenas com a força das armas e com instrumentos tecnológicos que produzem morte. Basta assistir ao magnífico Dr. Strangelove para perceber este ponto. Mas em Kubrick não existe nenhuma mensagem de salvação, como em Lucas. Este último apresenta a família e os afetos como o último recurso dos humanos contra o Estado-guerreiro. A saga é um evangelho que anuncia uma notícia antiga como a crítica da modernidade ocidental, atualizando o sonho e o pesadelo anunciados pelos românticos. A saga recolhe elementos das lendas medievais e do Oriente (outro traço do romantismo é a valorização da sabedoria do Oriente, em detrimento da seca racionalidade ocidental) e das poesias guerreiras (aristocráticas) elaboradas na Grécia. O herói de Homero implora à divindade: “Grande Zeus, dissipa a obscuridade que esconde os gregos; devolve-nos a luz; e se é preciso que pereçamos, se tal é a tua vontade suprema, faz com que pereçamos à luz dos céus”. Esta prece se repete nos mínimos gestos e falas dos jedis e de outros personagens valorosos expostos no filme. Todos eles temem o lado escuro da força, procuram ampliar o lado claro. A vitória da luz, ou das trevas, é sempre provisória, jamais garantida.

2) A trilogia anterior é comumente associada à idéia mitológica da jornada do herói (no caso, Luke Skywalker). Existe alguma associação desse tipo também nessa nova série? Ou ainda, como fica a questão do herói? Anakin pode ser considerado o herói da saga em algum momento (já que nos primeiros filmes ainda está ao lado dos jedis, se preocupa em defender a senadora, por quem se apaixona, etc.)? E existe algum mito sobre essa transformação do herói em vilão?

Nas sagas medievais o herói comete infrações éticas, viola as leis e os costumes tendo em vista valores maiores que definem os seus alvos como a luta pela justiça, o resgate de uma donzela, a recuperação de um reino usurpado. Não se deve projetar nele a forma que impera depois do século XIX, a do personagem segundo os termos de Carlyle, para quem o herói “é uma fonte viva de luz, junto a qual é agradável estar perto. A luz que ilumina e que iluminou a escuridão do mundo; e isto não apenas como uma espécie de lâmpada apenas, mas em vez disto como uma luminária natural brilhando por graça celeste; uma fonte fluente de luz (…) de uma intuição nativa e original, de masculina e heróica nobreza; – em cujo brilho todas as almas sentem-se bem”.

No universo grego não se encontra nenhum sujeito assim. Uma das marcas do herói grego é a metis (astúcia) que permite enganar os inimigos no momento exato (kayrós). Como explica o antropólogo Jean-Pierre Vernant, em livro especialmente dedicado às noções de astúcia na Grécia, para um grego todos os seres naturais (e o homem integra a natureza) possuem a sua astúcia. O polvo a usa quando joga a tinta negra que o disfarça. O camaleão é todo ele astucioso. O pescador precisa de muita ardileza para apanhar o peixe no exato momento em que o animal passa no rio. Se ele não sabe jogar o arpão no momento exato (kayrós), perde o peixe. O político tem sua astúcia, etc. Ulisses seria, se pensado pelos padrões morais posteriores ao século XIX, um perfeito salafrário, nunca um “herói”. Tanto na Grécia quanto na Idade Média há, sim, uma idealização dos heróis. Mas eles seriam tão formidáveis, generosos e destemidos que os defeitos se integram no todo de seu caráter. Ulisses, na jornada de retorno ao lar, usa inúmeras trapaças. Agamenon é um covarde com sede de poder (não pisca ao condenar à morte a sua própria filha, Ifigênia, para garantir o controle dos gregos) e assim por diante. No teatro grego, Antígona é acusada de traidora porque enterrou seu irmão, Polinice contra as ordens do governante. Polinice tomou as armas contra a sua cidade e tornou-se um traidor. Como o governante era um tirano, o gesto de Polinice é ao mesmo tempo bom e mau; ele é ao mesmo tempo herói e traidor. No mundo dramático moderno encontramos em Shakespeare um personagem heróico que se transforma em vilão. Trata-se do guerreiro Coriolano. Corajoso, leal, cheio de virtudes, aquele soldado defende os valores aristocráticos e se revolta contra a demagogia (que gerou o império). Coriolano é o guerreiro que salva Roma, mas se transforma em inimigo do povo romano. Ele, que estava para atingir o consulado, foi banido e se uniu aos inimigos da cidade. Trata-se de uma longa história de vingança. O lado trágico de muitos heróis deve-se justamente à sua passagem do estatuto de homem “bom” para o de “renegado”. É o caso de Macbeth e, ainda na Grécia, de Édipo. O romantismo trouxe muitos exemplos deste tipo, como o caso de Michael Kohlhaas que lutou pela justiça e pouco a pouco se degradou ao papel de

vilão e sanguinário.

3) Outro aspecto que o senhor cita é a questão da estética do feio. Ao ser revelado que ele é o representante do lado negro da Força, por exemplo, o chanceler Palpatine assume uma aparência muito feia, e Anakin também é deformado ao se tornar Darth Vader. Como é possível interpretar isso? Seria simplesmente porque as pessoas têm tendência natural de associar o feio ao mau? Que outros exemplos você consegue citar na saga de Lucas?

O que é feio para os humanos? É o que ameaça, possibilita a morte, horroriza , afasta pela repulsa. Dessa forma, quanto mais o indivíduo percebe-se na proximidade de ser classificado como feio pelos outros, ele tende a introduzir entre a situação real do seu corpo e o olhar do coletivo, máscaras que garantam o reconhecimento e o acolhimento, pelo menos de forma momentânea. Para ser belo, algo deve ser “natural”. Tudo o que se afasta desse âmbito é sentido como feio, monstruoso. O impulso rumo aos tratamentos cosméticos revela algo profundo na psicologia humana. A repulsa diante do feio passa pela experiência da alteridade. É feio (ou ruim) o que desconhecemos e tememos, portanto odiamos. A filósofa Elisabeth de Fontenay mostra que na França dos séculos XVIII e sobretudo no XIX, no que seria depois o Museu do Homem, houve a exposição de indivíduos considerados inferiores e feios cuja finalidade era voltada a estudos científicos. Uma negra hotentote foi chamada de Vênus Esteatopigia (com acúmulo excessivo de gordura nas nádegas). Essa mulher foi vendida para sábios franceses. Estes, por sua vez, fizeram sessões, em 1815, no Museu de História Natural de Paris para mostrar o quanto ela seria um desvio da humanidade. Seu corpo foi doado ao Museu de História Natural, onde é conservado no esqueleto e na sua moldura. Quando se fala de beleza ou feiúra temos juízos de valor que não pertencem apenas à psicologia ou medicina, mas apresentam preconceitos etnocêntricos, padrões que há 2500 anos vêm sendo repostos e que excluem seres humanos. Se ocorrer algo assim no trato de humanos com humanos, não será diferente, muito pelo contrário, com a fantasia e a experiência ligada a seres extraterrestres ou entes humanos que abandonam a normalidade, mergulhando no lado escuro onde os bons não se aventuram.

Na saga de Lucas, temos, de um lado, os feios seres que ameaçam o mundo humano e, do outro, os belos corpos humanos marcados pela bondade. Entre eles e os monstros instalam-se inúmeros seres que transitam entre o estatuto de “feios”, mas “bons” (é o caso do quase lobisomem que ajuda um dos heróis) e de máquinas “boas” e “quase humanas”. Os extremos são as máquinas nada humanas e os homens que se tornaram máquinas feias, como o pai de Luke. Há nos filmes uma explosão de vidas diferentes, todas lutando pela sobrevivência num cenário hobbesiano de guerra de todos contra todos. Contra este pano de fundo vital, mas letífero, instala-se a comunidade dos bons e dos bonitos, fundados no arquétipo grego (na verdade gerado pelas doutrinas do classicismo moderno sobre a Grécia, porque, segundo a lição de Nietzsche e da arqueologia, as estátuas gregas não eram imaculadamente brancas mas cobertas de cores berrantes, o que no classicismo seria visto como péssimo gosto) de beleza e bondade. Um ser humano bom e belo torna-se horrendo e monstruoso quando expõe em seu corpo a fealdade que se instalou na sua alma, como é o caso de Vader. Mas também surgem no filme seres horrendos, estranhos ao homem, como os bandidos que operam à margem da lei e do Estado. O romantismo explorou muito a experiência do feio e do monstruoso (basta pensar no Corcunda de Notre Dame) em contraposição ao belo. O contraste entre os dois campos não impede de notar que um passa ao outro, em situações dramáticas. É o caso do Retrato de Dorian Gray, de Mr. Hyde e seu oposto, etc. Todos aqueles “heróis” tentam fugir da feia e cansativa rotina cotidiana e caem na monstruosidade. Segundo Karl Rosenkranz, “o tedioso é feio ou quase isto: feiúra na beira da morte, despertar tautológico e vazio do tédio em nós”. O mesmo Rosenkranz publicou um tratado sobre o assunto chamado Ästhetik des Hässlichen (Estética do Feio), em 1883. Nele, temos uma lista de feiúras em categorias de deformações, desfiguração, etc. Cada categoria possui divisões menores. Entre as categorias, temos o repulsivo e o banal. No item “repulsivo” temos o Mal, o demoníaco, o criminoso. Todas essas categorias são exploradas em personagens humanos e não humanos por Lucas.