quinta-feira, 1 de maio de 2014

Zero Hora, 28/04/2014


Uma banana para o preconceito28/04/2014 | 20h28

Especialistas definem ato de Daniel Alves como inovador e contundente contra o racismo

Lateral do Barcelona e da Seleção comeu fruta atirada por torcedor em jogo do Campeonato Espanhol


Especialistas definem ato de Daniel Alves como inovador e contundente contra o racismo Reprodução/Vine
Foto: Reprodução / Vine
Luís Henrique Benfica
Um protesto original, inteligente, muito mais contundente contra o racismo, por seu caráter inovador, do que discursos ou denúncias. É dessa forma que especialistas ouvidos por Zero Hora qualificam o inesperado ato de Daniel Alves, que comeu uma banana jogada em sua direção por torcedores do Villarreal, em partida disputada domingo, na Espanha.

Despertado pelo gesto do lateral do Barcelona, o craque Neymar lançou uma campanha nas redes sociais, conclamando as pessoas que condenaram a ação do torcedor do Villarreal a publicar selfies comendo banana sob a hashtag somostodosmacacos, rapidamente acolhida por celebridades e brasileiros comuns.

Situação rotineira nos campos europeus, o caso de racismo ganhou uma dimensão planetária a partir do ato de Daniel Alves, gerando comentários do presidente da Fifa, Joseph Blatter, e de grandes nomes do esporte. 

Para Roberto Romano, professor de política e de ética da Unicamp, "trata-se de um ato político transcendental", comparável à Marcha do Sal, através da qual a Índia, liderada por Mahatma Gandhi, se insurgiu, de forma pacífica, contra o império britânico. Em 1930, sob a liderança de Gandhi, milhares de indianos se dirigiram ao mar para coletar o próprio sal de cozinha, contrariando a determinação do Reino Unido, que os obrigava a adquirir o produto industrializado. Meses depois, a lei seria abolida.

Para Romano, o jogador do Barcelona teve a lucidez de introduzir na discussão do racismo um elemento novo, que foge ao convencional, pelo qual o ofendido reage de maneira irritada, mas não vê o debate ganhar consequência prática. Em sua visão, o baiano Daniel Alves, que reforçava o orçamento da família trabalhando na roça na infância, compôs, sem palavras, "uma imagem extremamente eloquente, superior a muitas pregações que, por vezes, se tornam monótonas".

— Foi um gesto genial, de uma felicidade ética absoluta. Ele deu um choque. Seu gesto simbólico terá mais peso do que muitos discursos. Fiquei orgulhoso em tê-lo como compatriota — emociona-se Romano, que, envolvido com uma palestra em Marília, não teve tempo, nesta segunda-feira, de postar a foto de uma banana em seu blog, como fizeram milhares de pessoas em todo o planeta.

Integrante do grupo de articulação do Fórum Social Mundial para o Movimento Negro, José Antônio dos Santos da Silva não viu na ação de Daniel Alves a atitude de quem se conforma ante uma situação impossível de ser modificada. Enxerga, ao contrário, um ato de repúdio, só que feito de forma madura.

— Ele fez seu protesto de forma elegante e não agressiva. Que todas as entidades de defesa dos direitos humanos sigam seu exemplo — torce. 

Como Roberto Romano, José Antonio valoriza o fato de Daniel Alves não ter jogado a banana de volta ao torcedor.

— Esse seria um gesto tão grosseiro quanto o da torcida. Ficou demonstrada a nossa superioridade em relação a essas pessoas — avalia.

Advogado e militante da causa negra, Antônio Carlos Côrtes espera que a legislação, como a brasileira, tipifique os crimes raciais. Ele se diz convencido de que o gesto de Daniel Alves provocará uma conscientização do mundo do futebol para o problema do racismo. Fonte de energia, a banana foi a forma encontrada pelo jogador para mostrar que está cansado da situação.

— Ao comer a banana, ele procura demonstrar que é um ser humano como qualquer outro. Seu ato foi de protesto, não de conformismo — afirma o advogado, que vê na educação a única forma de solução para este problema.

Sociólogo do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS, Alex Niche Teixeira elogia a capacidade de Daniel Alves de desqualificar o gesto racista do torcedor. Como alguém pode pretender ser superior se come banana da mesma forma que aquele a quem pretendeu diminuir, indaga. Ele vê paralelo entre o ocorrido e o que faz a torcida do Inter, ao enfraquecer o gesto de alguns torcedores gremistas usando a figura do macaco como seu símbolo.

— O que Daniel Alves fez não resolve a questão do racismo, mas inova na forma de estabelecer o debate — interpreta Alex, sem desconhecer o valor de que as outras formas de denúncia, como a feita recentemente pelo ex-árbitro Márcio Chagas.
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