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05/05/2009 - 07h00
Renan deu passagens para envolvidos em escândalo
Acusados de atuar como laranjas, colaboradores do senador receberam bilhetes aéreos da cota parlamentar durante investigações das denúncias de 2007
Renan respondeu a cinco processos por quebra de decoro no Conselho de Ética e teve que deixar a presidência do Senado em 2007 |
Lúcio Lambranho, Edson Sardinha e Eduardo Militão
O Senado pagou 26 passagens para quatro personagens envolvidos nas denúncias que resultaram na queda de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência da Casa em 2007. Enquanto brigava para escapar da cassação e preservar o mandato, o senador cedeu a cota parlamentar para transportar dois assessores e um primo apontados como seus “laranjas” em empresas de comunicação. O quarto passageiro é um veterinário apontado pelo ex-presidente do Senado como responsável pela venda de 1.700 cabeças de gado de sua propriedade.
O principal beneficiário das passagens do atual líder do PMDB é Ildefonso Antonio Tito Uchôa Lopes, primo de Renan e sócio do prefeito de Murici (AL), Renan Calheiros Filho, em um sistema de comunicação. Tito Uchôa, como é mais conhecido, voou 13 vezes na cota parlamentar entre agosto de 2007 e novembro do ano passado, segundo registros de companhias áereas aos quais o Congresso em Foco teve acesso.
Tito Uchôa e dois assessores de Renan – Everaldo França Ferro, que voou sete vezes com a cota, e Carlos Ricardo Santa Ritta, que viajou quatro trechos – foram alvo da terceira das cinco denúncias a que o senador respondeu no Conselho de Ética ao longo de 2007. Renan foi absolvido duas vezes pelo Plenário, apesar de o Conselho ter recomendado sua cassação.
Renan usou apenas 13 dos 271 bilhetes emitidos a partir de sua cota
Sociedade em rádio
Reportagem de Alexandre Oltramari, publicada pela revista Veja em 4 de agosto de 2007, acusava Renan de usar “laranjas” para comprar duas emissoras de rádio e um jornal em Alagoas, avaliados em R$ 2,5 milhões, em sociedade com o usineiro e ex-deputado João Lyra (PTB-AL).
Lyra contou à revista que o senador havia desembolsado R$ 1,3 milhão para se associar a ele no ramo da radiodifusão. “Ele me disse que não tinha como aparecer publicamente à frente do negócio, mas não explicou as razões. Por isso, pediu para colocarmos tudo em nome de laranjas. Eu topei”, disse o ex-deputado à Veja.
Segundo relatou a revista, como a Constituição proíbe que parlamentares sejam proprietários de concessionárias de rádio, o senador teria colocado Carlos Ricardo Santa Ritta, seu assessor e ex-tesoureiro de campanha, como cotista principal da emissora JR Radiodifusão. O outro sócio escolhido, de acordo com Lyra e a revista, foi Tito Uchôa.
Santa Ritta, relatou Veja, funcionou como guardião da outorga da rádio. De acordo com a revista, oficializada a concessão, o ex-tesoureiro repassou sua cota para Renan Calheiros Filho, que se tornou sócio de Tito Uchôa. Na época, o primo do senador recebia um salário de R$ 1.390 da Delegacia Regional do Trabalho em Alagoas, sempre segundo a revista.
Durante a crise que paralisou o Senado, Renan chegou a anunciar a exoneração de Santa Ritta. Em outubro do ano passado, o ex-assessor foi recontratado pelo gabinete do peemedebista. A cota do senador foi usada por ele em voos entre Brasília, Salvador e Maceió em dezembro de 2007 e novembro de 2008.
Mais denúncias
Everaldo foi identificado por João Lyra como o assessor de Renan de quem recebeu R$ 700 mil referentes ao pagamento de um empréstimo feito pelo usineiro para que o senador pudesse concretizar a sociedade. As entregas, de acordo com o ex-deputado, não tinham regularidade absoluta, mas eram feitas sempre em dinheiro vivo.
Santa Ritta e Everaldo foram alvos de outra denúncia, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em agosto de 2007. Segundo reportagem de Leonardo Souza, os dois negociaram mais de 20 veículos, num valor total de R$ 1 milhão em dois anos.
Na época, Everaldo estava sob investigação do Ministério Público por suspeita de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro. De acordo com a denúncia, ele gastou cerca de 70% de seu salário com financiamento de veículos. Um deles, inclusive, vendido a Renan Calheiros em 2006.
Assessor especial de Renan, Everaldo também apareceu no noticiário político após ter sido flagrado pela Polícia Federal em conversas com o empresário Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, acusado de chefiar uma quadrilha que fraudava licitações.
Nas sete vezes em que usou a cota do ex-presidente do Senado, Everaldo se deslocou entre Brasília, Maceió, Salvador e Recife entre agosto e dezembro de 2007. Questionado pela reportagem se as suas viagens foram feitas para atender o gabinete ou a trabalho, o assessor especial do peemedebista foi evasivo.
"As viagens eram feitas quando necessário e seguindo a orientação do senador. Depois do dia 23 está tudo suspenso", disse Everaldo, em referência à data em que o Senado criou novas regras para o uso das passagens.
O site também tentou contato ontem à tarde com Carlos Ricardo Santa Ritta, que ocupa cargo no escritório de Renan em Maceió. Segundo os funcionários, Santa Ritta havia saído mais cedo do escritório e ninguém tinha autorização para passar seus contatos à reportagem. O Congresso em Foco não conseguiu localizar Tito Uchôa.
Tito Uchôa foi acusado formalmente pelo Ministério Público Federal, em novembro de 2006, por improbidade administrativa. Juntamente com outros ex-servidores da Delegacia Regional do Trabalho em Alagoas, era apontado como responsável por um esquema de direcionamento de licitações, fraude em contratos e superfaturamento de preços no órgão.
Venda de gado
O veterinário Gualter Peixoto foi arrastado para o noticiário político em junho de 2007, quando Renan tentava comprovar que não havia recebido recursos do lobista de uma empreiteira para pagar pensão à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha, fruto de um relacionamento extraconjugal.
Renan alegava que tinha dinheiro suficiente para pagar as despesas e que havia ganhado R$ 1,9 milhão com a venda de 1,7 mil cabeças de gado entre 2003 e 2006. No dia 14 de junho, uma reportagem do Jornal Nacional pôs em xeque a autenticidade dos documentos mostrados por Renan como comprovantes da venda dos bois.
Procurado pela TV Globo na época, Renan atribuiu a responsabilidade pelo fechamento do negócio a Gualter Peixoto, que cuidava de suas fazendas em Alagoas. O veterinário também era o chefe do setor de Vigilância Sanitária de Murici, município administrado por Renan Calheiros Filho.
Um dia depois da divulgação da reportagem, o então presidente do Senado mudou a versão e apontou a dona de um frigorífico como responsável pela eventual emissão de notas fiscais frias.
A nova denúncia complicou a situação do senador. Enquanto a Polícia Federal investigava a autenticidade dos documentos apresentados por Renan, o senador cedeu parte de sua cota para que Gualter viajasse de Brasília, com escala em Salvador, até Maceió.
A passagem em favor do veterinário foi emitida no dia 8 de agosto de 2007. Duas semanas depois, no dia 21 de agosto, a perícia feita pela PF concluiu que os recibos e as notas fiscais apresentados por Renan eram inconsistentes e não comprovavam a venda do gado.
O Congresso em Foco procurou Gualter em Murici. O telefone que aparece em nome dele na lista telefônica foi atendido por um senhor que se identificou como pai do veterinário. Informado sobre o teor da reportagem, ele disse que não tinha o contato do filho.
Absolvição
Assim como no caso Mônica Veloso, o Conselho de Ética recomendou a cassação do mandato do senador, que acabou absolvido pelo Plenário.
Apesar de ter mantido o cargo, Renan foi obrigado a renunciar à presidência da Casa em 11 de novembro de 2007, sob forte pressão dos demais senadores. O Conselho de Ética decidiu ainda arquivar duas representações contra o senador e ignorar uma terceira.
Em um dos processos, ele era acusado de ter usado o ex-senador Francisco Escórcio para espionar senadores, em outro, de ter participado de um esquema de arrecadação de recursos em ministérios dirigidos pelo PMDB. Renan também foi acusado de ajudar a reverter uma dívida de R$ 100 milhões da Schincariol com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O ex-presidente do Senado foi procurado pela reportagem. Após a identificação do jornalista, o senador desligou o celular. Ele disse que não podia falar porque estava no meio de uma reunião. O Congresso em Foco não conseguiu novo contato com ele.