Um liberal verdadeiro.
Roberto Romano
A semana anterior trouxe espetáculos deprimentes para o brasileiro que paga impostos e nada tem em troca, muito menos o respeito dos seus pretensos representantes no Congresso. Com arrogância que ultrapassa as barreiras da mera decência, um deputado (aliás, com processo judicial contra seu nome, por coisas inomináveis), no ridículo conselho de “ética” da Câmara afirmou que se “lixa” para a opinião pública. A causa do despautério é o fato de que ele, como relator do processo contra o seu colega dono de castelo (agora também réu no STF por crimes contra o erário público) deu “solidariedade” ao processado, antes que o hilário conselho (mas ainda conselho, pelo menos na forma) decida. O relator prejulgou o caso e se comportou como advogado de defesa.
Os parlamentares, cujo costume é usar a coisa pública em proveito próprio ou de seus familiares ou de seus apaniguados, odeiam quando suas traquinagens são postas diante dos contribuintes. Eles se voltam contra a imprensa, após tentar, por meios sutis ou truculentos, a intimidação dos jornalistas. Não é de hoje o vezo exibido, sem nenhum pudor, pelos políticos aboletados nas regalias nada republicanas de Brasília.
Houve época, no entanto, em que a situação foi pior. Nos tempos do Império, para evitar que seus nomes fossem para a lama, parlamentares e governantes compravam o silêncio obsequioso da imprensa. Assim, corrompiam a ordem pública e os encarregados de por ela zelar em nome da cidadania. Corrompidos os cofres do Estado e as redações, imaginavam eles, tudo ficaria bem. Assim como as pessoas que pensam afastar o fedor das carniças, sobre elas jogando um pano sujo.
Devemos ao grande parlamentar, de estirpe hoje ignorada no Congresso Nacional, um discurso precioso que denuncia a compra nojenta da imprensa pelos oligarcas e donos do poder. Minha referência é José Bonifácio de Andrada e Silva. No volume de seus “Discursos Parlamentares” (Fundap/ Imprensa Oficial, 2007) podemos ler a sua fala (11/08/1886) contra a presença, no orçamento oficial, da rubrica “Despezas secretas” para amaciar jornalistas e redações. “ A verba secreta pode ser encarada em si mesma, em suas relações e nas que mantém com a imprensa, real interprete da opinião, quando soube exprimíl-a, ua posição libérrima, em que a deve encarar a consciência da nação”. A verba secreta para financiar jornalistas venais, que entregam sua pena para louvar governos e deputados, “desnatura a missão governamental. Não é mais a polemica de todos os dias, inspirada pelo poder, em defeza do interesse publico; não é a discussão, guiada pelo espírito político, rebatendo a crítica oposicionista pela critica ministerial; não é o sacerdócio da administração, consagrando a imprensa como instituição politica; não é a imprensa nobilissima de um gabinete probo, sensato e ilustrado, procurando inteirar o paiz de todos os seus intuitos, e fornecendo as provas irrefragaveis de suas intenções e juízos esclarecidos. Não: receiando apparecer, o governo substitue a autoridade moral pelo descredito do anonymo; a discussão degenera quasi sempre em conflito pessoal ou polemica odiosa. Os louvores transformam-se em moeda falsa, fabricada clandestinamente no thesouro publico”.
Liberal efetivo, e não de mentirinha como ocorre com os políticos de hoje, José Bonifácio de Andrada e Silva se levanta contra o segredo de Estado e contra verbas secretas. Hoje, com certeza, ele seria cassado pelo Congresso que julga lícito esconder despesas de parlamentares e da Presidência da República. Liberal, e não simulador, José Bonifácio verbera os que vendem e compram a cumplicidade da imprensa, acobertando assim bandalheiras com os impostos. Liberal, ele defende o cidadão contra os poderes arbitrários e injustos, à diferença dos políticos que proclamam não desejar que as despesas de seu cargo sejam publicadas, porque são “ coisas suas”. Liberal, ele teria renunciado ao cargo, hoje, em vez de santificar a subversão do Estado, praticada pelos legisladores em conluio com o Palácio do Planalto.