sexta-feira, 1 de maio de 2009

Sobre o STF, um alerta antigo, e ultrapassado pelos eventos recentes.

No site do Poder Judiciário de Santa Catarina : http://www.tj.sc.gov.br/

Quando Lula ainda não era Lulla, e não tinha Collor e quejandos na sua "base aliada" do Senado e da Câmara, tentei dialogar com ele, pela imprensa (no debate dos candidatos, feito pela Folha, ele me disse, em resposta à uma indagação minha sobre imprensa, Chavez, etc. que estaria aberto ao diálogo) sobre o papel do STF. Não tinha ilusões, mas não poderia deixar de cumprir minha função de professor titular, responsável por uma cadeira de ética e filosofia política. O texto, como podem comprovar abaixo os que integram o PT e os que o recusam, é respeitoso. Mas nele aponto os desvios que imperam em nosso Estado, com a preeminência do Executivo que gera teratologias jurídicas. Palavras ao vento. Agora, que o STF e o Congresso estão na mira da consciência popular, acho interessante reler uma advertência, feita em tempo certo e com linguagem decorosa. Hoje, depois de muitas decepções, não uso mais de tamanha contenção estilítica. O destinatário não merece.

Pelo artigo, os leitores podem notar que só pude ver com bons olhos a cruzada conduzida pelo presidente atual do STF , Gilmar Mendes, contra os abusos da polícia. Ainda resta muito para que os "agentes da lei" respeitem os direitos do cidadão "comum". Foi pedagógico, penso, que eles tenham encontrado resistência aos seus modos selvagens, quando prenderam pessoas da "elite". Agora é exigir respeito igual para os pobres, os remediados, etc. Mas a garra impiedosa foi quebrada. Tal fato não pode ser ignorado pelos que seguem os costumes dos setores repressivos nacionais.

RR


AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, SOBRE O STF

Roberto Romano*

Senhor presidente Luiz Inácio da Silva: Jurandir Xavier Cruz, 46 anos, foi preso ao prestar queixa em delegacia de polícia contra o abuso de autoridade de um policial militar que o agredira na véspera. O eletricista foi acusado de assassinato, por erro de homonímia cometido pela polida. Na sua fala triste, Xavier Cruz contou que os supostos agentes da segurança pública riam dele e lhe diziam que "ficaria preso até 3006 só para aprender a não delatar policial" (Folha, 16.jan.2003, pág. C6).

Três atentados contra os direitos dos cidadãos foram assim cometidos num só lance: agressividade policial, incompetência que produziu danos morais irreparáveis na vítima e intimidação para proteger interesses corporativos. Somemos os dias de cárcere, em hediondo desconforto físico e espiritual, à lentidão da Justiça. Quando os erros oficiais foram expostos, por obra de um digno advogado, alguém, portando uma toga, se recusou a dar voz de soltura à vítima "porque faltava uma assinatura nos autos". Um delegado de polícia libertou Jurandir Xavier Cruz, mesmo sem o alvará de soltura. Como os quesitos burocráticos não foram cumpridos, o agente da autoridade pode sofrer investigação.

Senhor presidente, milhões de pessoas honestas, como Xavier Cruz, passam vexames e violências semelhantes nas mãos de policiais truculentos e de magistrados insensíveis. Elas precisam ser ouvidas de fato nas mais elevadas decisões sobre a Justiça brasileira. A salmodia sobre a falta de justiça basta para mostrar a desconfiança geral quanto à eficácia do Poder Judiciário e das forças que deveriam proteger os contribuintes. O senhor conhece os abusos e o alheamento dos setores em pauta. Desde longa data, a sociedade civil espera uma reforma do judiciário e da policia.

Mas, antes dessas mudanças desejadas, o senhor sabe muito bem, existe uma desastrosa assimetria dos Poderes no Estado. Como herança do Império, nossa República concede prerrogativas excepcionais à Presidência e dá ao chefe de Estado a preeminência atual sobre o Legislativo e o Judiciário. A reforma da Justiça e da polícia supõe ampla reformulação do Estado. Esperamos que o governo dirigido pelo senhor forneça os primeiros passos reais nas mudanças, rumo ao equilíbrio democrático dos Poderes. Enquanto isso não ocorre, o senhor tem nas mãos a ocasião de atenuar a desarmonia do sistema político. Refiro-me à nomeação inédita, em termos numéricos e qualitativos, de novos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Deseja a vida civil que os novos integrantes do Supremo sejam pessoas de alta competência jurídica. Mas isso não basta. Além do requisito técnico, precisamos de juizes capazes de ir além das paredes dos Tribunais, juizes que ouçam os concidadãos, juizes que ponderem suas análises com rigor republicano. Conhecemos as mazelas do Judiciário. A via-crúcis do eletricista que citei acima constitui um pecado venial, se comparado a outros ocorridos na magistratura brasileira. Mas também conhecemos, no interior do Judiciário, juizes que lutam pela dignidade e pelo atendimento exemplar aos cidadãos.

No Ministério Público, tanto no Federal como no Estadual, temos exemplos de bravura (até com a doação da própria vida) de procuradores e promotores na defesa da gente honesta. Por meio de suas associações, eles batalham para garantir justiça às pessoas de bem. Entre os magistrados, conhecemos o trabalho de setores lúcidos, como a Associação Juizes para a Democracia.

Ao enfrentar obstáculos enormes, essa associação buscou, desde o seu início, garantir na vida estatal os valores inscritos em seu nome. Sim, para ela, a justiça efetiva só ocorre no âmbito democrático. Como disse seu ex-presidente Dyrceu Cintra Júnior, em palestra aos estudantes de Direito: "No início do século 21, o mínimo que se espera é um Judiciário engajado no projeto de construção da democracia. Sem direitos humanos - individuais, coletivos e sociais - , não há democracia". Em outro trabalho, um artigo cheio de interesse social, afirmou o mesmo jurista: "Resta aguardar que, numa época menos conturbada, pessoas mais comprometidas com os interesses populares devolvam o Judiciário ao povo brasileiros.

Senhor presidente, há ocasiões em que um erro de avaliação, cometido pelo governante, se torna fatal ao País. Cremos no seu alvo de iniciar a mudança democrática das nossas instituições. No caso do Supremo, recordo as origens políticas representadas pela sua pessoa. O senhor integrou o movimento social, mesmo antes da existência de seu partido político. E tem consciência do quanto os setores organizados dialogam no cotidiano com o verdadeiro soberano, o povo que sustenta o Estado. Ouvir, no provimento dos postos no Supremo, associações como a dos Juizes para a Democracia e organismos que representam os procuradores da República e os promotores democráticos será ato de sabedoria política e social da mais alta relevância. Assim fazendo, o senhor certamente integrará o rol das pessoas que, nas palavras do juiz Dyrceu Cintra Júnior, devolverão "a Justiça ao povo brasileiro". (Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 07/02/03 - p. A3)

* Filósofo, é professor de Ética e de Filosofia Política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).