
E QUAL É A SEITA DO OMBUDSMAN? OU ELE É SÓ O JUIZ ISENTO?
domingo, 14 de junho de 2009 | 7:11
O ombudsman da Folha, Carlos Eduardo Lins e Silva, resolveu comentar a reação de jornais e jornalistas ao blog criado pela Petrobras. E foi mal, muito mal. Respondeu ao que ninguém pôs em dúvida e deixou de tocar nos aspectos centrais do problema. Ele segue em vermelho. Eu em azul.
A Petrobras e qualquer entidade ou cidadão têm o direito indiscutível de criar quantos blogs, sites, jornais ou publicações de qualquer espécie que quiserem. Se ela deseja tornar públicas todas as perguntas de jornalistas que receber, também não há nada que a impeça nem legal nem eticamente (em especial se deixar claro a quem se dirigir a ela que vai fazer isso).
Ninguém questionou o direito de a Petrobras criar o veículo que bem entender. A afirmação vem responder a uma questão que não foi proposta. Também não se apontou nada de ilegal no procedimento. Mas ético não é — ou, então, o ombudsman deve revolucionar o mundo da ética com um tratado a respeito. A ética — nesse caso, profissional — é o padrão de relacionamento que se estabelece com “o outro”, em que entram muitas variáveis: desde o combinado entre as partes até as normais consagradas de uma determinada prática. As perguntas que um jornalista faz, enquanto a reportagem não é publicada, são parte inalienável e indisponível do seu trabalho. A fonte, seu Carlos Eduardo, tem outro direito, também intocável: não responder. Jogar na praça o trabalho de apuração de um repórter como norma de conduta é coisa de vigaristas.
Ademais, essa história de que o aviso de que a questão será vazada diminui a vigarice ética do vazamento é tolice das grossas. O fato de eu avisar que vou lhe dar uma cotovelada não torna a cotovelada boa, irrelevante ou “ética”.
Não faz sentido a Petrobras querer editar o conteúdo dos veículos de comunicação. Mas não há problema em ela tornar público material que seja cortado durante o processo de edição feito por esses veículos.
De novo, a resposta vem ao que não foi questionado. Publique a empresa o que quiser. Mas não antes das reportagens. Esta sempre foi a questão. Tanto é assim, que a própria empresa decidiu mudar o procedimento. Como se vê, na assessoria de imprensa da Petrobras, Carlos Eduardo Lins e Silva faria pior.
A reação de muitos jornalistas, veículos e entidades à iniciativa foi claramente despropositada. Se alguém pode sair prejudicado pela decisão de revelar as questões de jornalistas antes da publicação das reportagens a que se destinam é a própria empresa, como seu recuo nesse ponto deixou claro: se as pautas exclusivas deixam de ser exclusivas porque a fonte as revela ao público, o mais indicado para quem as produz é não ouvir essa fonte antes de publicar a reportagem.
É mesmo? A reportagem que está hoje na Folha prova a tolice abissal dita por Carlos Eduardo. Leiam o texto em que Leonardo Souza e Hudson Corrêa mostram “duas produtoras de vídeo que trabalharam nas campanhas do governador Jaques Wagner (PT-BA) e de duas prefeitas do PT receberam R$ 4 milhões da Petrobras em 2008, sem licitação, em projetos autorizados por Geovane de Morais, demitido por justa causa por suspeitas de desvio de recursos nos contratos sob sua responsabilidade.” Muito bem, as questões estão no blog da empresa, com as respostas. Não tivesse a Petrobras mudado o procedimento, o que o ombudsman estaria recomendando? Que os dois repórteres deixassem de ouvir o “outro lado”? A fonte, nesse caso, é uma só: a empresa — que contratou uma assessoria de imprensa, embora tenha mais jornalistas do que a própria Folha. Bem, seguissem o que diz Carlos Eduardo, certamente seriam brindados com uma crítica de… Carlos Eduardo: “Cadê o outro lado?”
Do episódio, só há a lamentar que tenha sido mais lenha para atiçar a fogueira do conflito sectário que envenena o ambiente político nacional em prejuízo de todos.
Esse tese do ombudsman é antiga. Onde está o “conflito sectário” a que ele se refere? Por incrível que pareça, essa é a tese daquela gente esquisita que acusa a “grande mídia” de golpista. O ombudsman da Folha, querendo ou não — e eu o considero inteligente o bastante para fazer coisas que não queira —, dá asas a essa bobagem, ela, sim, golpista porque pretende fazer do jornalismo mera caixa de ressonância do governo federal: um golpe contra o jornalismo. Além de golpista, a soldo!
Quem acusa “conflito sectário” tem de dizer onde estão as seitas. Uma delas, então, talvez seja o Blog da Petrobras. Basta entrar na seção de comentários para mergulhar no mundo das teorias conspiratórias as mais exóticas e de ódio explícito à imprensa — que lá eles chamam de “mídia”.
Como é que o ombudsman, num caso como esse, puxa a orelha da imprensa e adula aquela página absurda, destinada, originalmente, a vazar as reportagens que estavam em curso e a conjurar os “patriotas” a satanizar a imprensa, vetando, inclusive, comentários críticos, como se o blog fosse página de uma empresa privada?
Conflito sectário? Qual é a seita do ombudsman? Ou ele se imagina “apenas” o juiz isento? Não sou repórter, como todo mundo sabe, e tenho respeito por quem é. Só investigo advérbios e textos que acusam os outros de sectários. A consideração do ombudsman é ofensiva com quem passa dias — às vezes, semanas — em busca da informação exclusiva. Ela ainda é uma das principais matérias-primas da imprensa.
Ouvi nesta semana uma expressão engaçada, que me contaram que é da novela Caminho das Índias: “Apagaram as lamparinas do cérebro do ombudsman”. No momento, nem a Petrobras concorda com ele. Tanto que mudou parte do procedimento. A satanização da imprensa “golpista” persiste. Também aqueles pterodáctilos acreditam que é preciso acabar com esse “conflito sectário”.
É verdade, gente! Vamos todos nos dar as mãos e lutar pelo bem do Brasil! O Ombudsman gosta de recomendar leituras. Um dos livros recomendados é “Blablablogue”. Está se deixando trair pelo título. Não é o que ele imagina. Mas me dá a chance de observar: há muito blablablá em blogs, claro. Mas também o há em letra impressa. O dos blogueiros, ao menos, não aquece o planeta, né?, como diriam os sectários cheios de blablablá do aquecimento global…