Para especialista em ética, Petrobras tenta intimidar Congresso e imprensa com blog
Publicada em 10/06/2009 às 10h41m
Tatiana FarahSÃO PAULO - Professor titular de Filosofia e Ética da Unicamp, Roberto Romano classificou o blog da Petrobras de uma ação de "terrorismo de Estado" e acusou o presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, de tentar garantir um "passaporte para a impunidade", intimidando a imprensa e o Congresso Nacional. Em entrevista ao GLOBO, Romano afirmou que os jornalistas não são "maquinetas de reprodução dos interesses conflitantes" da sociedade.
Qual sua opinião sobre a polêmica em torno do blog da Petrobras?
ROBERTO ROMANO: Não existe polêmica. O que existe é uma ação da direção da Petrobras no sentido de intimidar a imprensa, jornalistas e tudo o mais.
O senhor vê algum problema na criação do blog para a divulgação de perguntas e respostas dadas aos jornalistas antes da publicação das reportagens?
ROMANO: As empresas públicas e privadas têm um serviço de comunicação para divulgar o que a empresa pensa, faz e o que vai fazer, as suas justificativas. É um direito legítimo. É preciso sempre perguntar por que determinado tipo de veículo foi criado. Quando você tem uma página na internet para divulgar a empresa, tudo bem. Mas, nesse caso específico, o que está ocorrendo é um instrumento de ataque, ao mesmo tempo, à imprensa e ao Poder Legislativo. Vai muito além de uma perspectiva de comunicação pública. Nesse sentido, é absolutamente antiético, ilegal e insuportável que uma empresa mantida pelo dinheiro público utilize um instrumento para pressionar o Poder Legislativo e a imprensa.
A empresa também está divulgando os dados antes que a imprensa publique as reportagens. Em sua opinião, por que a Petrobras está fazendo isso?
ROMANO: Chama-se terrorismo de Estado. Não tem outro nome. Estão usando o poder e o dinheiro que lhes é entregue para se impor ao país. Temos aí a Petrobras operando como um Estado dentro do Estado. Isso é o mais grave no meu entender. É como se o presidente da Petrobras fosse um presidente de um Estado dentro do país e que, portanto, tem o direito de intimidar a opinião pública, os meios de comunicação, o Congresso Nacional, sobretudo o Congresso Nacional, tendo em vista o seu passaporte para a impunidade.
Com segurança das informações a serem publicadas e avisando ao leitor, o jornal pode deixar para ouvir a empresa depois de publicar a reportagem, para que não tenha seu material vazado na internet? O que se pode fazer para garantir o direito autoral da reportagem?
ROMANO: O jornal deve publicar a matéria e deixar que eles façam o serviço deles sem dar ampliação ao blog deles. É uma questão muito simples de preservação do autorrespeito profissional de vocês. Vocês devem procurar ouvi-los, colocar na reportagem aquilo que a consciência de vocês recomenda. E eles que se virem com a campanha suja que estão fazendo. Se os jornalistas entram nessa linha da polêmica, legitimam o lado deles. Não existe paridade entre jornalistas, que têm responsabilidade pública, e uma propaganda intimidatória.
O jornalista tem de publicar todas as informações prestadas pela fonte?
ROMANO: De jeito nenhum. A profissão de jornalista é eminentemente intelectual. Uma das funções do intelectual é criticar os dados, sintetizar os dados e interpretar os dados para o leitor. O jornalista não é obrigado a dar a íntegra de uma entrevista. A função do jornalista não é de xerox, vocês não são porta-vozes mecânicos dos interesses vários que se digladiam na sociedade civil e no Estado. O jornalista dá uma interpretação a mais próxima possível do espírito da coisa. Jornalista não é uma maquineta de reproduzir os interesses conflitantes. E, neste caso, bota interesse conflitante nisso.
Petrobras minimiza notícias nas versões internacionais de seu siteNuma aparente tentativa de esvaziar a CPI criada para apurar denúncias contra a Petrobras, o presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, afirmou segunda-feira que o impacto da investigação no exterior seria "pequeno e limitado". No que depender da empresa que ele comanda, continuará assim. Na contramão do discurso de transparência na internet, a Petrobras adotou critérios diferentes para informar a imprensa brasileira e a estrangeira sobre as polêmicas que envolvem sua gestão.
A tática de ocultar notícias comprometedoras do público externo pode ser conferida numa visita ao site da estatal. Ontem à tarde, os assuntos relacionados à CPI eram tema de quatro das seis principais chamadas da Agência Petrobras de Notícias, que distribui as notas da empresa aos jornalistas brasileiros. Nas versões da página em inglês e espanhol, a investigação passava praticamente batida: a única menção a ela era uma nota de três parágrafos, publicada duas semanas atrás.
Devido ao esforço para evitar a "globalização" da CPI, o jornalista estrangeiro pode ficar sem saber que a estatal criou um blog para contestar denúncias e vazar informações obtidas pelos jornais brasileiros. A polêmica iniciativa simplesmente não é mencionada na "Petrobras News Agency" ou na sua equivalente em espanhol. Todas as versões do serviço são mantidas pela gerência de Comunicação Institucional da estatal, chefiada por Wilson Santarosa.
O site brasileiro ainda destaca notas em que a Petrobras rebate críticas da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e reclama da "maneira condenável" como a imprensa estaria trabalhando. Outra chamada apresenta a transcrição da entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, em que Gabrielli tentou atenuar a repercussão da CPI no exterior.
- Se você faz uma análise da imprensa internacional, deve encontrar uma matéria somente sobre a CPI. Consequentemente, o impacto ainda é muito pequeno, muito limitado, muito concentrado no Brasil - disse Gabrielli.
Quando um dos entrevistadores começou a citar reportagens publicadas na imprensa internacional, Gabrielli o interrompeu, numa nova tentativa de minimizar o impacto das publicações.
- É, mas são duas matérias, inclusive muito genéricas, muito pouco específicas sobre a CPI. Então, consequentemente, enquanto isso não chega a uma discussão mais ampla no mercado internacional, o efeito é pequeno - sentenciou o presidente da Petrobras.