segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Blog de Marta Bellini.

Segunda-feira, 10 de Agosto de 2009

O que falar quer dizer


A crise dos atos secretos evidenciou o compadrio de quatro figuras públicas que, há cerca de duas décadas, trocavam acusações de corrupção, incompetência e desequilíbrio. Em diversos momentos, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor, José Sarney e Renan Calheiros se portaram mais como inimigos que como adversários. Com o tempo, conveniências políticas fizeram com que todos gravitassem para o mesmo lado.
“Gostaria de tratar o senhor José Sarney com elegância e respeito, mas não posso, porque estou falando com um irresponsável, um omisso, um desastrado, um fraco. (…) O senhor sempre foi um político de segunda classe, nunca teve uma atitude de coragem.”
As frases são de Collor, no horário gratuito de TV da campanha eleitoral de 1989, quando acusava Sarney de patrocinar, a 15 dias da eleição, uma manobra para incluir o apresentador Silvio Santos entre os candidatos a presidente. “O senhor passou boa parte de seu governo apadrinhando seus amigos, seus familiares, muitos dos quais hoje estão sendo processados por atos de corrupção”, disse o então representante do PRN.
Passadas duas décadas, Sarney é novamente acusado de apadrinhar amigos e parentes, mas Collor agora está entre seus principais defensores - após ter conquistado, com o apoio do novo aliado, a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado.
Segundo o hoje senador pelo PTB de Alagoas, as denúncias de envolvimento do colega peemedebista em contratações irregulares e secretas fazem parte de uma “campanha difamatória”. “Sei o que é isso, porque por isso passei, só que em maior escala. Sei como essas coisas funcionam e como isso tudo é feito, tudo é forjado. Sei a quem interessa que o Senado retire daquela cadeira o presidente que todos nós elegemos”, disse Collor, se referindo ao processo que o derrubou da Presidência da República, em 1992.
Em 1989, os ataques televisivos do candidato do PRN resultaram em um processo por calúnia, injúria e difamação. “Sarney quer ver Collor preso”, noticiou o Estado na edição de 7 de novembro daquele ano. Sarney também ganhou um direito de resposta e, na TV, se apresentou como vítima de “vandalismo verbal e terrorismo eleitoral”. “O Brasil é testemunha da brutalidade, da violência, do desatino com que fui agredido por um candidato profundamente transtornado”, afirmou, a uma semana do primeiro turno.
A polarização com o presidente - cujo final de mandato foi marcado pela explosão dos índices de inflação e impopularidade - era tudo o que o grupo collorido queria. Naquela mesma noite, o candidato do PRN foi comemorar na casa de Renan Calheiros, então seu braço direito na campanha e um dos principais articuladores da estratégia de “demonização” de Sarney como forma de ganhar eleitores.
RETRIBUIÇÃO
Hoje Renan e Sarney são unha e carne
. Ao liderar a tropa de choque que busca evitar a queda do presidente do Senado, o alagoano retribui a solidariedade que recebeu do colega quando seu próprio mandato esteve a perigo, em 2007, por causa das acusações de que teria contas pagas por um lobista da empreiteira Andrade Gutierrez.
Em relação a Collor e Lula, a trajetória de Renan também é oscilante. Rompeu com o primeiro em 1990, depois de disputar - e perder - as eleições para o governo de Alagoas sem a esperada ajuda da máquina federal. Chegou a ser processado pelo antigo amigo, depois de acusá-lo na CPI que deflagrou o impeachment. “O presidente da República tinha pleno conhecimento das ações do senhor PC Farias porque foi por mim advertido e informado, enquanto fui líder de seu governo na Câmara dos Deputados”, disse, ao prestar depoimento à comissão parlamentar de inquérito, em 1992.
Na CPI, Renan ainda comparou o ex-aliado aos “perversos” imperadores romanos Nero e Calígula. Não era a primeira comparação entre Collor e figuras históricas com trajetórias nada louváveis. Em 1988, no governo Sarney, o ainda ativo Serviço Nacional de Informações (SNI) produziu um relatório que qualificava o então governador de Alagoas como “um Al Capone moderno e discípulo aplicado de Goebbels”.
(*) Por Daniel Bramatti, no Estadão