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Revelações do Poder
No começo da semana, durante os ensaios na televisão da ópera bufa encenada quinta-feira (6) no plenário do Senado, com o presidente da Companhia no papel de ridículo e desconcertante personagem central, o autor destas linhas cuidava do blog que edita em Salvador desde fevereiro deste ano, com descobertas surpreendentes a cada dia.
Exemplo: abrir a caixa de mensagens eletrônicas e encontrar uma duplamente especial. Primeiro, porque oferecia preciosas informações sobre casos impunes de favorecimentos de governos e instituições públicas, benesses à mãos cheias distribuídas às custas do erário, tema que permeia tantos escândalos ultimamente - federais, estaduais e municipais - entre eles o do senador Sarney (PMDB-AP), um dos mais deslavados.
Em segundo lugar, a mensagem trazia a assinatura do advogado Inácio Gomes, uma referência pessoal e profissional desde sempre, e mais ainda na época em que ele e uns poucos em sua profissão arrostavam perigos pessoais e profissionais na defesa de presos e perseguidos políticos na Bahia, como o ex-deputado Chico Pinto ("este exemplo de parlamentar", como dizia Ulysses Guimarães).
Tempo em que muitos juristas eminentes - e também políticos com mandatos que agora se apresentam em plenário como audazes paladinos da democracia e da coragem cívica em um tempo de covardia - costumavam correr, como o diabo da cruz, de gente com problemas com o regime discricionário em construção.
Quinta-feira, seis de agosto, será lembrada como marco dos tempos temerários que atravessamos. Era dia também do aniversário de nascimento do imenso Adoniran Barbosa, que teria festejado 99 anos naquela data. Mal comparando, o ambiente no Senado, em Brasília, lembrava aquele velho bar do bairro Bixiga, cenário do samba antológico sobre o valentão Nicholas, soberano no meio da pancadaria generalizada em que voavam pizzas e bracholas para todo lado.
No breque do samba antigo, diante dos estragos da briga, o conselho atualíssimo do gênio dos Demônios da Garoa, no vídeo do You Tube em que ele canta com Elis Regina: "A situação está cínica. Os mais pió vai pras Crínicas".
Pode até não parecer, mas isso não é só passado. Fala-se aqui também da história que esta sendo escrita desta quadra nebulosa da vida política nacional. Inácio recorda na mensagem seus encontros com o ex-governador e ex-ministro Antonio Balbino de Carvalho Filho, outra figura legendária da política baiana e nacional, do tempo em que era comum se ouvir que o poder corrompe. "Seu Inácio, o poder não corrompe. O poder revela!", ensinava Balbino ao jovem advogado.
Quanta verdade e atualidade em tão poucas palavras. Basta citar dois personagens da semana. Um deles é o maranhense José Sarney, senador pelo Amapá, presidente de um dos poderes da nação, peixe grande apanhado em rede de desvios, favorecimentos, falsificações e, agora também em falta com a verdade, na qual se enrola cada dia mais até o pescoço.
O outro é o mineiro José Alencar, vice-presidente da República, em sua batalha contra o mal insidioso que não lhe dá trégua, mas contra o qual ele guerreia não apenas "armado de muita fé", mas de ação e exemplos comoventes e inspiradores. Símbolo revelador ambulante de que o poder é incapaz de corromper a tudo e a todos.
Recordo do poderoso empresário mineiro que vi de perto pela primeira vez na campanha presidencial de 2002, quando Alencar visitava a histórica Associação Comercial da Bahia, em meio a um dos maiores temporais já vistos em Salvador.
Garganta inflamada, queimando-se em febre de quase 39 graus, chegou a figura que parecia saída das páginas de um livro de Guimarães Rosa, debaixo da chuva naquela noite de trovões e relâmpagos assustadores. Vinha pedir aos seus pares que dessem uma chance ao "companheiro", líder dos sindicatos do ABC, na disputa pela presidência da República.
Quanta semelhança, física e moral, com a figura que apareceu esta semana no Jornal Nacional, da Rede Globo, horas antes de embarcar em um avião para os Estados Unidos, de onde já está de volta, para seguir o tratamento experimental que faz contra o câncer no abdome.
"Estamos lutando bravamente porque temos recebido também um apoio que nós não sabemos como agradecer. Uma corrente nacional, que é feita a meu favor neste caso do câncer. É uma coisa que confesso a você que eu não sei se mereço isso, sinceramente", diz o modesto e firme Alencar.
Quanta diferença das imagens confusas e titubeantes de Sarney, quando posto também diante das câmeras implacáveis da tevê e dos olhos da opinião pública. Que falta faz Adoniran Barbosa! Quem sabe, em outro samba antológico como o do valentão Nicholas, ele nos diria para onde Sarney deve ser levado. Saudades!
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br