Desde Brasil, Igreja contra Estado (meu doutoramento em Paris, cujo título original era Le Signe et la Doctrine, 1978) alerto esquerda e direita contra as pretensões da hierocracia. Em vão. A esquerda, assim que o livro surgiu, me atacou virulentamente, porque achava (mera ilusão) que a Igreja estava se tornando...socialista. E isto, quando João Paulo 2 subia ao trono! As medidas contra os representantes da esquerda católica eram previsíveis, mas a cegueira ideológica venceu.
A direita se contentou em me difamar, dizendo que eu era, supostamente, "ressentido com a Igreja". Não raro, "argumentos" dos dois naipes se confundiam no corte de emprego para mim, de recursos para meus alunos, nos "desconvites", resenhas insultuosas, etc. Os leitores podem notar que, na mesma ordem em que o livro era citado por autores internacionais, ele "não existia" nas listagens e citações nacionais dos setores "engajados" (nunca apreciei este galicismo horrendo). Era uma forma comum do silêncio não obsequioso que define as seitas e igrejas, quando suas excomunhões deixam de funcionar.
Enfim, no debate que antecedeu a decisão da Câmara, não me empenhei de propósito. Salvo alguns amigos, dignos do máximo respeito não vi, nos que criticavam a Concordata, lastro no passado, coerência com o que sucedeu. Aceitaram as premissas, agora queriam negar as conclusões. Em boa lógica, isto se chama sofisma. Apoiei os amigos, como disse, inclusive postando suas teses, artigos, entrevistas, no Blog. E nada mais.
Apenas para memória, cito agora, abaixo, as últimas linhas do capítulo que publiquei no livro História da Paz (Demetrio Magnoli organizador, Ed. Contexto, 2008). Ninguém, dentre os acadêmicos brasileiros, sequer leu o que escrevi. Mas o drama, com todos os seus atos, está alí descrito. This is this, and that is that. O resto é silêncio. RR
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O fato último é que os tratados de Westfália aplicam a raison d´État e permitem a libertação dos povos e indivíduos do sectarismo autoritário, corriqueiro nas antigas e atuais razões das Igrejas. Em nossos dias, apesar da tentativas sempre renovadas de retomar o mando hierocrático, as confissões cristãs, nos tratos com os poderes civis, seguem a linha diplomática do catolicismo. Este último, como os seus similares da linha ortodoxa russa e demais igrejas cujo carisma é institucional, embora não tenham mais a veleidade suprema de comandar os Estados, neles exercem poderoso encanto sobre massas imensas. Somado ao traço burocrático que dá forma à sua presença mundial, os institutos religiosos cristãos não podem ser desconsiderados pelas soberanias laicas.
(1) Max Weber, “Politische und hierokratische Herrschaft”, in Wirtschaft und Gesellschaft, Grundriss der Verstehenden Soziologie. 5ª Ed. Revista (Tübingen, J.C. B. Mohr, 1972), pp. 690-691.
(3) Cf. G. Lewy: “Le Concordat entre l ´Allemagne et le Saint Siège”, in L´Église Catholique et l ´Allemagne Nazie (Paris, Stock Ed., 1964), pp. 61. 96.
(4) A Igreja Católica, embora afastada por todas as potências, católicas e protestantes na Paz de Westfália, fulmina o Tratado com veemência. O papa Inocêncio 10º, na Bula denuncia os seus aspectos religiosos como “nulos e vazios, inválidos, iníquos, injustos, condenados, rejeitados, absurdos, sem força ou efeito”. Cf. Henry Batteson, Zelo domus Dei,Documents of the Christian Church, pp. 306 e ss.
São Paulo, quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Comissão aprova acordo de Brasil e Vaticano Texto que passou pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara trata de temas jurídicos, casamento e ensino religioso público Igrejas cristãs tradicionais e evangélicas, grupos ateus e entidades católicas que defendem o Estado laico criticam texto do acordo ANA FLOR A Câmara pode aprovar nos próximos dias um acordo entre o governo brasileiro e o Vaticano assinado pelo presidente Lula em novembro de 2008. Apesar do protesto de igrejas cristãs tradicionais, evangélicos, grupos ateus e até mesmo entidades católicas que defendem o Estado laico, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara aprovou ontem o texto. O acordo segue para três comissões, mas, como corre em regime de urgência, pode ser votado no plenário imediatamente. A Folha apurou que houve acordo entre os líderes da Casa para que o texto fosse apreciado no plenário assim que passasse pela Comissão de Relações Exteriores. O texto precisa passar pelo Senado. O documento levou mais de um ano para ser costurado. Ele trata de assuntos jurídicos e outros temas, como ensino religioso público e casamento. Segundo a CNBB, o acordo reconhece a personalidade jurídica da Igreja Católica no país. Deputados da bancada evangélica dizem que é difícil evitar a aprovação. "A Igreja Católica tem muita força no Congresso e toda a tramitação ocorre de forma quase secreta. Estamos indignados", disse o deputado e pastor Pedro Ribeiro (PMDB-GO), da Assembleia de Deus. Em março, o Colégio Episcopal da Igreja Metodista fez uma declaração pública pela não aprovação, por considerar que o acordo fere o artigo 19 da Constituição -que veda relações de dependência ou aliança entre a União e igrejas. Outras denominações citam o privilégio dado à Igreja Católica, já que a Constituição garante que não pode haver "distinção ou preferência entre brasileiros". Entre os deputados contrários ao acordo, o principal argumento é a manutenção do Estado laico. "O Estado brasileiro é democrático e fomenta a liberdade religiosa, inclusive no que se refere ao direito de crer ou de não crer", disse Ivan Valente (PSOL-SP), que votou contra. Segundo o presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), Daniel Sottomaior, a concordata é "um instrumento de evangelização às custas do Estado e de todos os cidadãos brasileiros". Para ele, o texto traz uma "linguagem confusa proposital", que dá impressão de que não há mudanças. Sottomaior cita o artigo sobre o casamento, que abriria espaço para que a Justiça brasileira passe a ser obrigada a aceitar sentenças de anulação matrimonial do Vaticano. Outro artigo polêmico, levantado pelo antropólogo e professor da UFRJ Emerson Giumbelli, trata do ensino religioso público, e insinuaria maior pertinência de uma religião, a católica. Para a Igreja Católica, o acordo organiza questões trabalhistas, como o vínculo empregatício de ministros ordenados -há casos de padres que, ao deixar o sacerdócio, buscam indenização. O mesmo ocorre com fiéis voluntários. Em defesa do acordo, Francisco Borba Ribeiro Neto, do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, diz que o acordo "é até tímido, genérico demais". São Paulo, quinta-feira, 13 de agosto de 2009
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