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Assassinos na Bandeirantes
Roberto Romano
É confortável, para a classe média ou rica do Brasil, criticar políticos pela corrupção. Esta permeia os elos institucionais dos três poderes. Mas na vida (ou inferno) civil, assistimos comportamentos assustadores mantidos pelas mesmas individualidades que dizem ter nojo da vida pública. A ética nefanda das relações de favor é s eguida pelos profetas da moralidade. Sempre que precisam, eles correm aos desprezados políticos pedindo-lhes “ajuda” nos diversos campos sociais, econômicos etc. E todos votam apenas em candidatos que trazem obras e recursos para seus municípios. Jamais perguntam aos mesmos candidatos o que eles devem fazer para garantir tais benesses. Se mantivessem a honestidade de os interrogar, teriam como resposta o “é dando que se recebe”, a corrupção. Dessa última, os “santos” eleitores são cúmplices hipócritas.
Os mesmos anjos matam nas ruas e estradas, com violência que supera a de muitas guerras. No carrão importado ou Brasília amarela, os idiotas imaginam usufruir privilégios sobre os pedestres, meros corpos de carne e osso competindo com aço frio e duro. Se um assassino desses for interrogado após desrespeitar o sinal vermelho e a faixa dos transeuntes, ele negará sua desonestidade. Na cabeça mole, a conduta que o leva ao crime sempre tem justificativas. A culpa dos atropelamentos, claro, é das vítimas. Logo, impossível aceitar os queixumes dos brasileiros sobre seus dirigentes políticos. O modo pelo qual dirigem (desculpem a troca proposital de palavras) seus carros mostra que eles são iguais ou piores do que os operadores do poder. Observar ruas e estradas brasileiras é sentir vergonha de nossa gente. Triste assim.
As mortes por acidentes cresceram nas estradas de São Paulo entre 2001 e 2008. Os dados vêm da Artesp, a agência estadual responsável pelos contratos das rodovias concedidas à iniciativa privada. O aumento inclui a AutoBan (Anhanguera-Bandeirantes, onde o índice passou de 1,83 para 2,32), Ecovias (Anchieta-Imigrantes, de 2,45 para 3,24) e ViaOeste (parte da Castello Branco e da Raposo Tavares, de 0,89 para 2,35).
No dia 14 de outubro último, por volta de 7:30, eu seguia pela Bandeirantes rumo à Unicamp. Me surpreendi com dois ônibus de turismo que saíam da pista da direita e voavam para as da esquerda. O exercício delirante seguiu até o primeiro pedágio (sentido São Paulo/Campinas). Quando me preparava para o Sem Parar, um deles se aproximou da traseira de meu carro, quase nele batendo. Fiz sinal para o motorista pedindo que fosse mais devagar. Resposta: imensos faróis e velocidade maior, com gesticulação obscena. Até a Unicamp, nenhum policial. No retorno, num comando, tentei falar com o vigilante. Passei-lhe a chapa do ônibus (a pessoa que estava comigo anotou uma das placas) e não percebi maior interesse. Ele anotou o número do meu RG e da placa. Tentei conversar com os demais membros da PM. O enfado que eles mostraram foi tão evidente que me despedi (sem retorno do cumprimento).
A corporação dos policiais rodoviários paulistas, no passado distante, tinha a marca de atenção à cidadania, urbanidade, gentileza, além da presença nas estradas. Hoje, com as maquinetas de arrecadar impostos extorquidos, batizadas de radar, não temos quem cuide dos motoristas. E os que exibem potencial assassino voam com seus carros, caminhões, ônibus, o que gera o morticínio noticiado. Se entre os leitores deste artigo existir algum policial rodoviário, parente ou amigo dele, transmita a chapa do ônibus cujo motorista se imagina Ayrton Senna: o número é KOJ 5564. Na Bandeirantes, via de beleza técnica e estética incomparável, a moda é sair aos 150 km/hora, da pista da extrema direita, cortar os carros do meio rumo à extrema esquerda, para de lá retornar se "um chato" ali estiver rodando com “apenas” 120 km a hora. Os assassinos do trânsito estão à solta. Os policiais, quando não ausentes, se entediam com as denúncias. Fala bem Tracy Chapman: “The police, always come late, if they come at all...”.