Símiles diabólicos
Então Lula foi conduzido ao governo, deserto onde gente livre é escassa. Alí, foi tentado pelo Cujo. E tendo consumido churrasco durante quarenta dias e quarenta noites, ainda teve fome. Chegando então o Marrafo, disse-lhe : “se tu és o messias do Brasil, manda que estas pedras se tornem em pães”. Mas Lula respondeu: “está escrito no meu programa : nem só de pão vive o homem, mas de toda aliança que traga votos”. O Capiroto fica perplexo com a esperteza. Mas como todo bom Demo, persevera. Ardiloso Dianho, ele pegou Lula e o levou à cidade nada santa, a Brasília dos mil políticos (ou 340 picaretas, conforme o petista) e dos impostos sumidos, colocou-o no pináculo do Senado. Então disse: se és o líder do país, lança-te daqui abaixo; porque está escrito que aos bajuladores dará ordens a teu respeito; e eles te sustentarão nas mãos para que nunca tropeces em alguma pedra ou Comissão Parlamentar de Inquérito. Replicou-lhe Lula: também está escrito: não tentarás o TCU, o TSE e o STF. Novamente o Coisa-Ruim o levou a um monte e mostrou-lhe toda a ONU e mais a glória do Conselho de Segurança e disse-lhe : tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares. Então Lula ordenou-lhe: vai-te ó Tisnado, porque está escrito: ao senhor PMDB adorarás, e só ao Sarney (com ajuda de Renan e Collor) servirás. Então o Azarape o deixou, e eis que vieram os bajuladores e o serviram.
Se você, leitor, for católico ou protestante, com certeza se irritou com o uso feito acima da cena mais relevante do Evangelho, onde o poder terrestre é recusado por Jesus. Mas a sua mesma consciência não se levanta contra as blasfêmias do presidente, nesta infeliz república? Em primeiro lugar, ao dizer que a governabilidade exige que Jesus se alie aos Judas dos partidos, ele se compara ao Cristo. Esquece o trecho acima de Mateus (4, 1), no qual o Messias afasta o poder que usa falsos milagres para enganar os humanos. Lula não é um deus. Sempre que, na história política, dirigentes usurparam as prerrogativas divinas, vieram catástrofes e morte de milhões. Se como político ele prefere pactuar com Judas, o homem dos trinta dinheiros, é sua escolha, mas sem direito ao deboche.
Fiquei estarrecido com a fleugma dos bispos católicos, frente à zombaria presidencial. Também não vi indignação entre os que seguem a Reforma. Erro se imagino que, para tal tolerância, no caso dos católicos, muito contribui a recente Concordata assinada por Lula e pelo Vaticano? Blasfêmia do governante, simonia dos pastores ? Erro se imagino que os protestantes tem escondida na manga a Lei sobre as Religiões? “Não te é lícito”, disse o Batista ao tirânico Herodes. Tal deveria ser a atitude dos encarregados de pregar o respeito ao divino. “É preciso obedecer mais a Deus do que aos homens” (Atos, 5, 29). Tal preceito, segundo Max Weber, foi a barreira mais sólida na defesa dos povos, até a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Senhores antístetes: não é lícito apenas rir de um governante, quando ele se compara a Deus e reduz o trato de Cristo com seus discípulos à prática do “é dando que se recebe”. Todos somos pecadores, erramos e, para isto, temos na lei divina o nosso corretivo. O fato de ser poderoso e aplaudido pela massa não dá a ninguém o direito de pregar a impunidade. Na arte de se comparar aos personagens bíblicos (nela o presidente é doutor) existe um quesito que não deve abandonar a nossa memória. Quando se trata de popularidade, não foi o Cristo o aplaudido, mas um nome indicado pelos políticos. No texto evangélico onde aparece Judas, vemos o plebiscito que escolheu um senhor muito popular. Pergunta Pilatos: qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus? Os príncipes dos sacerdotes persuadiram à multidão que pedisse Barrabás, cuja popularidade, então, subiu a mais de 80%. Não foi necessária nenhuma outra “pesquisa de opinião”. Cristo foi crucificado. Barrabás, com certeza, ganhou um cargo no governo da época. Nota: os nomes do Demo, aqui usados, foram extraídos de Grandes Sertões. Veredas, bom Guimarães Rosa.