27/10/2009 - 23h18
Câmara: comissão especial aprova PEC dos Precatórios
Fábio Góis
Com rejeição de destaques, a Câmara aprovou na noite desta terça-feira (27) o texto principal da chamada PEC dos Precatórios, que em suma reduz de 60% para a 50% a parte da conta especial que pode ser reservada aos leilões desse tipo de título. A Proposta de Emenda à Constituição 351/09, relatada pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), estabelece que os outros 50% da conta devem ser aplicados no pagamento de precatório de acordo com a ordem cronológica de apresentação, obrigatoriamente, e com prioridade para créditos de natureza alimentícia (salários, pensões e benefícios previdenciários). A matéria ainda terá de ser aprovada em dois turnos no penário da Casa, e só entra em vigor depois de promulgada em sessão do Congresso.
De acordo com o texto aprovado em dois turnos pelo Senado, em 1º de abril, tal preferência era concedida apenas para pessoas idosas, sem distinção de natureza especial. A proposição aprovada hoje pelos deputados garante a primazia principalmente aos titulares idosos com ao menos 60 anos de idade, ou àqueles que sofrem de alguma doença grave.
Com a aprovação da PEC, fica também definido um mecanismo de deságio segundo o qual receberá antes o valor de direito o credor que aceitar uma taxa de desconto maior do que o que ele receberia normalmente. A modalidade, no entanto, não vale para créditos alimentícios ou aqueles considerados de pouco valor.
Na defesa desse critério, o relator alegou que já existe "mercado paralelo" no pagamento dos precatórios, e que seria injusto impedir que o desconto praticado na informalidade das ruas reduzisse o "endividamento público". "Se essa fosse a única possibilidade de pagamento, seria ruim, mas ninguém será obrigado a optar por receber seu pagamento com deságio", disse Eduardo, segundo a Agência Câmara.
Os entes federativos (estados, municípios e Distrito Federal) terão critérios diferentes quanto aos recursos para pagamento de precatórios. O montante disponível para cada entidade devedora será definido de acordo com o tamanho do estoque de títulos e a receita corrente líquida (RCL).
No caso dos Estados e do Distrito Federal, o percentual de receita destinado ao custeio dessa conta será de: no mínimo 1,5% para os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, além do DF, ou cujo estoque de precatórios pendentes das suas administrações direta e indireta corresponder até a 35% da RCL; no mínimo 2% para os estados das regiões Sul e Sudeste cujo estoque de precatórios pendentes corresponda a mais de 35% da RCL.
Já para municípios, o percentual de receita será de: no mínimo 1% para municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, ou cujo estoque de precatórios pendentes corresponder a até 35% da RCL; no mínimo 1,5% para municípios das regiões Sul e Sudeste, cujo estoque de precatórios corresponder a mais de 35% da RCL.
"PEC do Calote"
Polêmica, a matéria tramitou por cerca de três anos no Senado, tendo sido apresentada pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), no início de 2006 (leia). Em trâmite no Congresso, recebeu forte rejeição de entidades representativas como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que em maio deste ano entregaram ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), um manifesto contra sua aprovação.
O presidente da OAB, Cesar Brito, é um dos principais críticos da proposição. Em 1º de outubro, o advogado disse ao Congresso em Foco que a PEC é "eivada de vícios" e "afronta a Constituição cidadã". "Ela expressamente diz que o governador pode tudo, o prefeito pode tudo e, se o cidadão buscar o Judiciário para reparar a lesão e ver nascer seus direitos, levará 50, 70, 80, 90 anos para ter o ressarcimento. Isso é dar uma carta branca para o abuso do estado”, disse.
Leia: Cezar Britto: “PEC do Calote” é o pior golpe depois da ditadura
01/10/2009 - 18h04
Cezar Britto: “PEC do Calote” é o pior golpe depois da ditadura
Fábio Góis
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, voltou a fazer firmes críticas à chamada PEC dos Precatórios. A matéria estabelece, entre outros pontos, a execução do pagamento de precatórios apenas na ordem cronológica de apresentação, e com observância aos percentuais anuais referentes às recentes correntes líquidas de cada ente da Federação.
Segundo Britto, que compareceu ao Senado nesta quinta-feira (1º), a proposta chegou à Câmara “eivada de vícios”. “A PEC do Calote, para mim, é o maior ataque à democracia depois da ditadura militar, porque ela expressamente diz que o governador pode tudo, o prefeito pode tudo e, se o cidadão buscar o Judiciário para reparar a lesão e ver nascer seus direitos, levará 50, 70, 80, 90 anos para ter o ressarcimento. Isso é dar uma carta branca para o abuso do estado”, disse o advogado ao Congresso em Foco.
Aprovada no Senado em 1º de abril, a Proposta de Emenda à Constituição 12/06 espera votação no plenário da Câmara, onde recebeu alterações na Comissão de Constituição e Justiça.
Britto disse que a proposição “afronta a Constituição Cidadã”, uma vez que esta não tem ênfase no poder do Estado. “Outra grave aberração da PEC é que ela cria um sistema de leilão, ou seja, vai-se leiloar a sentença judicial, em que o comprador, que é o Estado, é que causou a dor. Ele vai ditar o preço do que o outro vai dispor, e todo mundo vai ter de ceder direitos seus para não ter de esperar o resultado por décadas”, criticou. “O leilão em que o preço vai ser pautado pelo tamanho da fome e da necessidade dos cidadãos.”
Para Britto, a proposta guarda semelhanças com outra recentemente aprovada no que diz respeito ao viés eleitoreiro “Essa PEC do Calote tem uma relação com a própria PEC dos Vereadores [aprovada no último dia 22], que é querer agradar a base eleitoral. E, quando se quer agradar a base eleitoral, não se preocupa muito com a base constitucional”, acrescentou.
A matéria recebeu substitutivo no Senado com a definição da ordem cronológica dos pagamentos, com exceções: terão prioridade os débitos referentes a alimentação (com origem em salários, proventos, vencimentos, pensões, indenizações por morte ou invalidez e benefícios previdenciários). Titulares de precatórios com mais de 60 anos de idade também terão a preferência.
Atualmente, as dívidas não quitadas pelos entes – União, estados, municípios e Distrito Federal – acumulam cerca de R$ 70 bilhões.