09/12/2009 - 10h00
Duas em cada cinco empresas já receberam oferta de propina, diz relatório da Transparência Internacional
Rosanne D'Agostino
Do UOL Notícias
Em São Paulo
Do UOL Notícias
Em São Paulo
A corrupção tem solução?
Praticamente duas de cada cinco empresas no mundo afirmam que seus executivos já foram solicitados a pagar propina ao lidar com instituições públicas. Esta é uma das constatações do Relatório Global de Corrupção 2009, publicado anualmente pela ONG Transparência Internacional sobre a corrupção no setor privado.
Segundo o estudo, que classifica a escala e o alcance do suborno nos negócios de "desconcertante", a corrupção aumenta os custos de projetos em, no mínimo, 10%. Uma em cada cinco empresas alega ter perdido negócios devido a pagamentos de propina por parte de um concorrente e mais de um terço delas percebe um aumento da corrupção no período analisado.
Segundo o estudo, que classifica a escala e o alcance do suborno nos negócios de "desconcertante", a corrupção aumenta os custos de projetos em, no mínimo, 10%. Uma em cada cinco empresas alega ter perdido negócios devido a pagamentos de propina por parte de um concorrente e mais de um terço delas percebe um aumento da corrupção no período analisado.
Em 2009, Congresso aprovou só um projeto anticorrupção
Quase 70 projetos de lei que tratam da prevenção e combate à corrupção ainda aguardam votação no Congresso Nacional. Atualmente, 13 das propostas que tratam do tema estão prontas para votação em plenário da Câmara dos Deputados. Apesar disso, desde agosto do ano passado, quando o Contas Abertas relacionou as proposições legislativas, apenas uma foi aprovada. O único projeto aprovado, em maio deste ano, foi a Lei Complementar 131 obrigará os governos federal, estaduais e municipais a divulgar "informações pormenorizadas" sobre a execução orçamentária e financeira a partir do ano que vem.
O relatório não traz um ranking da corrupção, mas cita que "empresas na Índia, China e no Brasil são avaliadas pelos seus pares como as mais corruptas na realização de negócios no exterior.
Segundo Roberto Romano, professor titular de Filosofia e Ética da Unicamp, a consequência imediata da propina é o prejuízo de uma empresa que deveria estar em igualdade de condições, mas que, em razão do suborno, acaba por perder uma licitação. "Mas o pior dano acaba sendo mesmo ao contribuinte, que paga impostos e não recebe isso em benefício próprio", afirma.
Um exemplo, diz o professor, é a fraude em uma licitação na área da saúde. "Se o dinheiro que deveria ser gasto é utilizado para pagar o intermediador da fraude, isso significa menos remédios, menos leitos. Então, não é aquilo que é mais visível que é o mais nocivo."
O relatório cita que "somente nos países em desenvolvimento e em transição, políticos e funcionários do governo corruptos recebem propinas estimadas entre US$ 20 a 40 bilhões por ano - o que equivale a aproximadamente 20% a 40% do subsídio oficial para o desenvolvimento".
Além dos prejuízos monetários, a pesquisa cita outros exemplos, como "a falta de água na Espanha, a exploração da mão-de-obra na China, ou o desmatamento ilegal na Indonésia, até o uso de medicamentos inseguros na Nigéria e prédios de má construção na Turquia que desabam, provocando mortes".
Nepotismo e lobby
O problema da corrupção, no entanto, é mais amplo, mais complexo e mais sutil do que o pagamento de propinas, diz o levantamento. Entre os grandes obstáculos ao crescimento econômico mundial citados estão o nepotismo e o oportunismo de administradores que abusam dos poderes que lhe são confiados para ganho pessoal. "A corrupção no mercado impede a concorrência leal, os preços justos e a eficiência no mundo inteiro", avalia a pesquisa.
Segundo Roberto Romano, professor titular de Filosofia e Ética da Unicamp, a consequência imediata da propina é o prejuízo de uma empresa que deveria estar em igualdade de condições, mas que, em razão do suborno, acaba por perder uma licitação. "Mas o pior dano acaba sendo mesmo ao contribuinte, que paga impostos e não recebe isso em benefício próprio", afirma.
Um exemplo, diz o professor, é a fraude em uma licitação na área da saúde. "Se o dinheiro que deveria ser gasto é utilizado para pagar o intermediador da fraude, isso significa menos remédios, menos leitos. Então, não é aquilo que é mais visível que é o mais nocivo."
O relatório cita que "somente nos países em desenvolvimento e em transição, políticos e funcionários do governo corruptos recebem propinas estimadas entre US$ 20 a 40 bilhões por ano - o que equivale a aproximadamente 20% a 40% do subsídio oficial para o desenvolvimento".
Além dos prejuízos monetários, a pesquisa cita outros exemplos, como "a falta de água na Espanha, a exploração da mão-de-obra na China, ou o desmatamento ilegal na Indonésia, até o uso de medicamentos inseguros na Nigéria e prédios de má construção na Turquia que desabam, provocando mortes".
Nepotismo e lobby
O problema da corrupção, no entanto, é mais amplo, mais complexo e mais sutil do que o pagamento de propinas, diz o levantamento. Entre os grandes obstáculos ao crescimento econômico mundial citados estão o nepotismo e o oportunismo de administradores que abusam dos poderes que lhe são confiados para ganho pessoal. "A corrupção no mercado impede a concorrência leal, os preços justos e a eficiência no mundo inteiro", avalia a pesquisa.
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O relatório diz ainda que sistemas de articulação continuam fortes entre empresas e governos, tanto nos países em desenvolvimento como nos países industrializados, com crescente risco de influência desproporcional devido à formação de lobbies empresariais. Caso de países como Bangladesh, Alemanha, Malásia e Trinidad e Tobago.
Conforme o estudo, no Reino Unido, estima-se que empresas com vínculos políticos respondam por quase 40% da capitalização do mercado - um nível que aumenta para 80% na Rússia. Nos Estados Unidos, as despesas das empresas com lobby aumentaram fortemente e, no nível governamental, somam em média US$ 200 mil por legislador, enquanto cinco lobistas competem pela atenção de cada legislador.
"A democracia não se mede pelo regime político", afirma Romano. "Existe um projeto na Câmara para regularizar o lobby no Brasil, mas está na gaveta. É que, a partir do momento em que se normatizar, tudo o que for conseguido fora dessas normas vai ser muito difícil de não pegar. Hoje tudo é feito às escuras, o deputado é cassado às escuras", critica.
Para o filósofo, ainda há muito a ser feito no combate à corrupção. "Hoje temos boas iniciativas, como o Contas Abertas (veja aqui), o trabalho de grupos de juízes e do próprio Ministério Público, em que parte dos políticos vive querendo colocar mordaça exatamente por causa das investigações. Mas é preciso um cidadão vigilante, capaz de ajuizar que essas verbas e obras que chegam vêm provocando uma lentidão no sistema todo e fazem girar a corrupção", afirma.
Essa também é uma das conclusões do relatório: de que o combate à corrupção não cabe somente às empresas. Por isso, a ONG pede que o setor público reconheça que os riscos de corrupção começam com o suborno, que os governos concentrem-se nas possibilidades regulatórias e na cooperação internacional e que a sociedade civil adquira plena consciência de que a corrupção em empresas é a origem de muitos outros problemas sociais.
O Relatório Global de Corrupção 2009 terá sua versão em português lançada na noite desta quarta-feira (9), durante seminário sobre o tema em Brasília. A tradução foi feita pela Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (ABRACCI), Transparência Internacional, com apoio financeiro da Fundação Avina e do Instituto Ethos.
Indicadores de corrupção utilizados pelos principais institutos internacionais mostram que, nos últimos dez anos, o Brasil não conseguiu melhorar seu desempenho nesse quesito. Em algumas pesquisas, inclusive, a realidade brasileira piorou no período.
De acordo com levantamento feito pela BBC Brasil, o país chegou a melhorar sua posição em alguns rankings - em geral porque os institutos ampliaram o número de países avaliados, incluindo governos menos democráticos e transparentes.
Em termos absolutos, porém, não houve melhora das notas obtidas pelo Brasil nos últimos anos.
No Índice de Percepção da Corrupção divulgado anualmente pela ONG Transparência Internacional e considerado um dos principais indicadores, a nota do Brasil caiu de 4,1 em 1999 para 3,7 este ano.
O levantamento é feito com base na percepção de especialistas e empresários locais sobre o grau de corrupção na esfera pública de seu país. Pontuações abaixo de 5 indicam problemas sérios de corrupção.
Outro indicador que mostra a piora do desempenho brasileiro é o Índice de Liberdade Econômica, elaborado pela Heritage Foundation. Segundo a edição de 2009, o Brasil está 35% "livre da corrupção", praticamente estável em relação a 1999, quando o índice era de 36%.
Já o indicador do Banco Mundial - que considera não apenas a percepção, mas dados coletados em mais de 200 países que indicam o nível de combate à corrupção - o Brasil manteve-se praticamente estável de 1998 a 2008.
Melhoras "pontuais"
O coordenador de projetos da ONG Transparência Brasil (que não tem relação com a Transparência Internacional), Fabiano Gelo, discorda de que o Brasil esteja pior do que há dez anos, no quesito corrupção.
"Houve melhoras pontuais e muito aquém do desejável, mas daí a dizer que o país piorou me parece uma avaliação equivocada", diz.
Como fato positivo, ele cita a criação de órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União e o Conselho Nacional de Justiça.
"Mas se por um lado ganhamos um pouco em termos de transparência em nível federal, a situação em Estados e municípios continua péssima", diz.
Ele cita o fato de o Brasil ser um dos poucos países do mundo, entre os democráticos, a não regulamentar uma lei de acesso à informação pública.
"Em mais de 80 países do mundo, sendo onze na América Latina, o funcionário público pode ser punido se não prestar a informação. No Brasil ainda não temos isso", diz.
"Percepção"
O cientista político e consultor das Nações Unidas em combate à corrupção, Stuart Gilman, diz que os indicadores têm um papel "fundamental" e ajudam a balizar os esforços de cada país, mas que os resultados, em geral, são interpretados "de forma superficial".
"É preciso ficar claro que esses indicadores tratam basicamente de percepção. E a percepção não mede fatos", afirma.
"Um país pode estar investigando mais e trazendo novos casos à tona, o que pode puxar o indicador para cima. E não necessariamente o país está mais corrupto", diz.
Gilman vê como um "erro" o fato de as instituições apresentarem os resultados de corrupção em forma de ranking. "Isso estimula uma competição entre países que, na verdade, não serve para muita coisa", diz.
O ideal, segundo ele, seria que instituições dentro de um mesmo país criassem mecanismos para medir o combate à corrupção ao longo do tempo. "É mais razoável saber o que o Brazil fez em relação a escândalos anteriores do que comparar a corrupção no Brasil com a da Bolívia", diz.
Conforme o estudo, no Reino Unido, estima-se que empresas com vínculos políticos respondam por quase 40% da capitalização do mercado - um nível que aumenta para 80% na Rússia. Nos Estados Unidos, as despesas das empresas com lobby aumentaram fortemente e, no nível governamental, somam em média US$ 200 mil por legislador, enquanto cinco lobistas competem pela atenção de cada legislador.
"A democracia não se mede pelo regime político", afirma Romano. "Existe um projeto na Câmara para regularizar o lobby no Brasil, mas está na gaveta. É que, a partir do momento em que se normatizar, tudo o que for conseguido fora dessas normas vai ser muito difícil de não pegar. Hoje tudo é feito às escuras, o deputado é cassado às escuras", critica.
Para o filósofo, ainda há muito a ser feito no combate à corrupção. "Hoje temos boas iniciativas, como o Contas Abertas (veja aqui), o trabalho de grupos de juízes e do próprio Ministério Público, em que parte dos políticos vive querendo colocar mordaça exatamente por causa das investigações. Mas é preciso um cidadão vigilante, capaz de ajuizar que essas verbas e obras que chegam vêm provocando uma lentidão no sistema todo e fazem girar a corrupção", afirma.
Essa também é uma das conclusões do relatório: de que o combate à corrupção não cabe somente às empresas. Por isso, a ONG pede que o setor público reconheça que os riscos de corrupção começam com o suborno, que os governos concentrem-se nas possibilidades regulatórias e na cooperação internacional e que a sociedade civil adquira plena consciência de que a corrupção em empresas é a origem de muitos outros problemas sociais.
O Relatório Global de Corrupção 2009 terá sua versão em português lançada na noite desta quarta-feira (9), durante seminário sobre o tema em Brasília. A tradução foi feita pela Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (ABRACCI), Transparência Internacional, com apoio financeiro da Fundação Avina e do Instituto Ethos.
A corrupção tem solução?
De acordo com levantamento feito pela BBC Brasil, o país chegou a melhorar sua posição em alguns rankings - em geral porque os institutos ampliaram o número de países avaliados, incluindo governos menos democráticos e transparentes.
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Grupo protesta no Dia Internacional Contra a Corrupção, em Jacarta, Indonésia
Em termos absolutos, porém, não houve melhora das notas obtidas pelo Brasil nos últimos anos.
No Índice de Percepção da Corrupção divulgado anualmente pela ONG Transparência Internacional e considerado um dos principais indicadores, a nota do Brasil caiu de 4,1 em 1999 para 3,7 este ano.
O levantamento é feito com base na percepção de especialistas e empresários locais sobre o grau de corrupção na esfera pública de seu país. Pontuações abaixo de 5 indicam problemas sérios de corrupção.
Outro indicador que mostra a piora do desempenho brasileiro é o Índice de Liberdade Econômica, elaborado pela Heritage Foundation. Segundo a edição de 2009, o Brasil está 35% "livre da corrupção", praticamente estável em relação a 1999, quando o índice era de 36%.
Já o indicador do Banco Mundial - que considera não apenas a percepção, mas dados coletados em mais de 200 países que indicam o nível de combate à corrupção - o Brasil manteve-se praticamente estável de 1998 a 2008.
Melhoras "pontuais"
O coordenador de projetos da ONG Transparência Brasil (que não tem relação com a Transparência Internacional), Fabiano Gelo, discorda de que o Brasil esteja pior do que há dez anos, no quesito corrupção.
"Houve melhoras pontuais e muito aquém do desejável, mas daí a dizer que o país piorou me parece uma avaliação equivocada", diz.
Como fato positivo, ele cita a criação de órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União e o Conselho Nacional de Justiça.
"Mas se por um lado ganhamos um pouco em termos de transparência em nível federal, a situação em Estados e municípios continua péssima", diz.
Ele cita o fato de o Brasil ser um dos poucos países do mundo, entre os democráticos, a não regulamentar uma lei de acesso à informação pública.
"Em mais de 80 países do mundo, sendo onze na América Latina, o funcionário público pode ser punido se não prestar a informação. No Brasil ainda não temos isso", diz.
"Percepção"
O cientista político e consultor das Nações Unidas em combate à corrupção, Stuart Gilman, diz que os indicadores têm um papel "fundamental" e ajudam a balizar os esforços de cada país, mas que os resultados, em geral, são interpretados "de forma superficial".
"É preciso ficar claro que esses indicadores tratam basicamente de percepção. E a percepção não mede fatos", afirma.
"Um país pode estar investigando mais e trazendo novos casos à tona, o que pode puxar o indicador para cima. E não necessariamente o país está mais corrupto", diz.
Gilman vê como um "erro" o fato de as instituições apresentarem os resultados de corrupção em forma de ranking. "Isso estimula uma competição entre países que, na verdade, não serve para muita coisa", diz.
O ideal, segundo ele, seria que instituições dentro de um mesmo país criassem mecanismos para medir o combate à corrupção ao longo do tempo. "É mais razoável saber o que o Brazil fez em relação a escândalos anteriores do que comparar a corrupção no Brasil com a da Bolívia", diz.