sábado, 5 de dezembro de 2009

Veja, 05/12/2009

Por que é tão bom ser político no Brasil?

Luxemburgo gaba-se de ser um dos técnicos (ou o técnico) mais bem pagos do futebol brasileiro: são 500.000 reais ao mês, especula-se no mercado. Apesar da bolada, o treinador - nascido no Rio e que trabalha em Santos (SP) - se filiou, em julho, ao Partidos dos Trabalhadores (PT) de Tocantins e agora pode lançar candidatura ao Congresso. Comenta-se que quer trocar a alcunha "Luxemburgo, o estrategista" por "Vanderlei, o senador". Seu caso não é único. Os ex-atacantes Romário e Edmundo e o ex-pugilista Acelino de Freitas, o Popó, querem uma vaguinha na Câmara dos Deputados. Não é difícil imaginar por quê.

Deputados e senadores recebem 14 salários de 16.500 reais ao ano, além de benefícios e outras mordomias. Mas esses não são o principal atrativo para os famosos que pretendem entrar na política. "O que essas pessoas procuram é notoriedade, ascensão social e circulação em extratos mais elevados da sociedade", afirma Roberto Romano, professor de ética e política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Some-se a isso ganhos como direito a foro privilegiado. O saldo do pacote de benefícios, portanto, parece bem vantajoso - seja o candidato famoso ou não. Confira no quadro a seguir salários, benefícios e outras vantagens da vida parlamentar, além das verbas para exercício das atividades profissionais.

VEJA

Eis a principal razão da praga da corrupção que assola o país. Ela só deixará de nos assombrar a cada novo vídeo quando definirmos que tipo de nação queremos construir

Otávio Cabral e Gustavo Ribeiro

O governador José Roberto Arruda já tinha tentado outras vezes, mas só agora conseguiu obter as credenciais definitivas para se juntar a um seleto clube de personalidades do mundo político. Revelada uma parte de sua devastadora cinebiografia, antes restrita a uma singela violação do painel eletrônico do Congresso, o governador voltou a traçar planos para o futuro. Em conversas com amigos, disse que não há a mínima possibilidade de renunciar ao mandato. Acredita que, até o fim de 2010, outros escândalos de corrupção vão surgir e o dele será esquecido. Se não for expulso do DEM, como deseja, ainda se candidata a uma vaga de deputado federal, garantindo com isso a imunidade, o foro privilegiado e o santo graal de políticos como ele: a impunidade. Impunidade significa falta de castigo. A punição de culpados por crimes é uma das pedras angulares da civilização. Mas não no Brasil, e muito menos para políticos que se associam a malas de dinheiro e corrupção, como Arruda.

A punição existe para impor limites, refrear instintos naturais e permitir que os indivíduos possam se proteger uns dos outros. A impunidade é o avesso de tudo isso. Impunitas peccandi illecebra (a impunidade estimula a delinquência), lembra o ditado em latim. Ou, quando não chega a tanto, ao menos produz a impressão de que vivemos em um mundo sem limites. Na semana passada, VEJA ouviu cientistas políticos, filósofos, advogados e historiadores sobre as raízes da corrupção. Eles são unânimes em apontar a impunidade como a principal causa da corrupção. "Enquanto não colocarem um corrupto graúdo na cadeia, nada vai mudar", diz o filósofo Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Parece mesmo estar longe o dia em que um corrupto estrelado pagará por seus crimes. O máximo que se vê são admoestações. O STF, a corte encarregada de punir os incomuns, nunca condenou nenhum. Os envolvidos nos principais escândalos recentes estão livres, leves e soltos - revelando um terrível costume que não vem de hoje. No Império, havia até pena de morte para crimes graves - sempre aplicada às camadas mais baixas da sociedade. Já naquela época, os políticos se beneficiavam da impunidade. José Carlos Rodrigues foi um dos primeiros corruptos notórios do Brasil. Em 1866, ele era chefe de gabinete do ministro da Fazenda, Conselheiro Carrão, quando foi flagrado tentando sacar dinheiro da tesouraria do ministério com uma assinatura falsificada do seu superior. Condenado a vinte anos de prisão, fugiu do Brasil para os Estados Unidos. Com a proclamação da República, acabou nomeado para um cargo na Embaixada do Brasil em Londres, mesmo sendo considerado fugitivo pela Justiça brasileira.

Outro caso notório: o sobrinho do presidente Deodoro da Fonseca foi flagrado falsificando atos do governo para favorecer banqueiros amigos. Também deixou o Brasil para escapar da punição. A corrupção e a impunidade na República Velha serviram de matéria-prima para a obra literária de Machado de Assis e Lima Barreto e consagraram imagens e personagens nos tempos mais recentes. Adhemar de Barros, político paulista a quem foi atribuída a frase "rouba mas faz", chegou a ser condenado em primeira instância pela Justiça. Não pelos escandalosos casos de desvio de recursos públicos, mas pelo sumiço de uma obra de arte, a "urna marajoara". Para escapar da prisão, fugiu para o Paraguai e a Bolívia. Na volta, elegeu-se prefeito de São Paulo, foi o candidato mais votado no estado em duas eleições presidenciais e ainda foi eleito governador. Com a ditadura militar, a corrupção foi escondida e os corruptos ligados ao regime agiam impunemente. Com a redemocratização, houve um alento com a cassação de um presidente por corrupção. Mas a punição foi um ponto fora da curva. A regra nos governos seguintes continuou sendo a impunidade. A corrupção tem se revelado uma calamidade que consome o resultado do trabalho de milhões de brasileiros, envergonha o país e mancha a imagem do Brasil no exterior. É um problema que, como se viu nos últimos anos, independe de ideologia ou de partidos políticos. O PT, desde que chegou ao poder com Lula, viveu uma série de escândalos, sendo os mais notáveis o do mensalão e o dos aloprados. Seu parceiro preferencial, o PMDB, tem em seus quadros alguns dos políticos mais notórios do Brasil, como Jader Barbalho, Renan Calheiros e José Sarney. E o PSDB viu na semana passada o Supremo Tribunal Federal acolher a denúncia contra o senador Eduardo Azeredo, operador de um esquema similar ao mensalão quando governava Minas Gerais. São todos casos comprovados, fartamente documentados, mas todos ainda sem punição.Segundo o último levantamento da Transparência Internacional, divulgado em novembro, o Brasil ocupa a 75ª posição no ranking das nações mais corruptas do planeta. O país teve uma nota de 3,7 em uma escala que vai de zero (países mais corruptos) a 10 (países considerados pouco corruptos). Foram analisadas 180 nações. Em relação ao ano anterior, o Brasil melhorou cinco posições. A Transparência faz pesquisas com especialistas de cada país, que avaliam a presença da corrupção nas instituições públicas locais. Com base nessas avaliações, são dadas as notas a cada nação e monta-se um ranking. Segundo a ONG, os problemas do Brasil e da América Latina são instituições fracas, burocracia extrema, excesso de influência privada sobre o setor público e restrições à liberdade de imprensa. O Haiti foi considerado o país mais corrupto da América e a Somália, do mundo. A Nova Zelândia ficou no topo do ranking dos países menos corruptos.

Na América do Sul, apenas duas nações aparecem à frente do Brasil no ranking da corrupção: Uruguai e Chile.Os especialistas ouvidos por VEJA são unânimes em afirmar que a impunidade está na raiz do problema. A ausência de punição funciona como um atrativo à ilegalidade, passando uma ideia de que o crime no Brasil compensa, principalmente entre os criminosos de colarinho-branco. Mas não é só a impunidade que colabora para a perpetuação da corrupção no país. Há pelo menos outros nove pontos levantados pelos estudiosos do assunto que precisam ser atacados para que a corrupção deixe de ser uma endemia. E eles não se restringem ao Poder Judiciá-rio, ao qual cabe, em última instância, a punição dos corruptos. O sistema político também tem sua parcela de responsabilidade. Uma de suas piores mazelas é a distribuição política de cargos. Há no Brasil cerca de 25 000 cargos de livre nomeação pelo presidente da República. Nos Estados Unidos, não chegam a 5 000. Na Inglaterra, mal passam de 100. No Brasil, o chefe do Executivo loteia o governo entre os partidos para garantir o apoio necessário para aprovar seus projetos no Legislativo. Os políticos considerados honestos por eles próprios usam os cargos para arrecadar dinheiro e financiar campanhas. Os desonestos fazem o mesmo para enriquecer. Quase sempre as duas coisas andam juntas, como revelou o ex-diretor dos Correios Maurício Marinho, flagrado levando a peteca de 3 000 reais que expôs o mensalão. "Uma medida urgente e simples para combater a corrupção é reduzir o número de cargos de nomeação política, que está na origem de todo escândalo", afirma Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil. "O roubo existe por causa do ladrão. O álibi do financiamento de campanha usado pelo corrupto precisa ser espancado. O corrupto rouba para viajar para o exterior, para comprar iate, para comprar bolsa Louis Vuitton. Não rouba só para financiar campanha", afirma o
deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ).