sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Jean-Luc Marion - filósofo/entrevista
Filósofo critica cristãos caducos que
nada entenderam dos desafios atuais
O filósofo Jean-Luc Marion (foto), 63 anos, co-fundador da revista Communio, fez nesta quinta-feira o seu ingresso à Academia Francesa, ocupando o assento que foi do cardeal Jean-Marie Lustiger. A reportagem é de Isabelle de Gaulmyn, publicada no jornal La Croix, 21-01-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Cristão e filósofo: como o senhor articula esse seu duplo pertencimento?
Sou filósofo, exatamente como outros são pilotos, engenheiros ou bancários. É um trabalho como qualquer outro, na ordem do conhecimento, diria Pascal. A identidade cristã não é da mesma ordem da racionalidade filosófica. Existem filósofos que têm opiniões religiosas, felizmente!
Mas não há em si uma "filosofia católica" ou uma "filosofia cristã". É específico das ideologias, como o marxismo, querer batizar as ciências humanas. A revelação cristã não depende de uma filosofia, graças a Deus! Mas é verdade que me interessei pela teologia porque a filosofia passa todo o tempo abordando a teologia. E particularmente, quando escrevi "Dieu sans l'être" (Deus sem o ser, em tradução livre). Não me coloquei o problema da articulação entre a minha fé cristã e a filosofia, mas sim o problema do direito da filosofia de falar de Deus, da revelação cristã, e o problema dos limites.
A revista internacional Communio, da qual o senhor foi co-fundador, foi durante muito tempo considerada representante de uma corrente minoritária da Igreja do pós-Vaticano II. Posição que hoje, parece, se inverteu.
Na história da Igreja, um Concílio não responde tanto a uma crise, mas sim a provoca. Foi o caso do Vaticano II, que provocou uma crise. Eu acho que isso deriva do fato de que, depois do Concílio, alguns permaneceram na ruptura entre progressistas e conservadores que justamente o Vaticano II quis superar e resolver.
A escolha que foi proposta aos católicos entre as duas atitudes, a progressista e a conservadora, era equivocada. Outros, como Urs von Balthasar, Karol Wojtyla ou Jean-Marie Lustiger, pelo contrário, releram o Concílio em uma perspectiva diferente, à luz dos Padres da Igreja, em um movimento de redescoberta patrística. A revista Communio sustentou esse movimento, e há 35 anos essa revista, gerenciada principalmente por leigos, funciona, sem subvenções.
Mas o senhor não teme hoje um encolhimento identitário por parte dos católicos na França?
Não, não acredito, não é um movimento importante. Os católicos franceses começam a entender qual deve ser o seu papel, não é uma coisa óbvia. São uma minoria, mas a minoria mais importante, que deve ter voz no debate. Alguns cristãos se endurecem em um estado caduco e passado da filosofia, pertencente a uma época escolástica, em que a racionalidade era definida de modo restritivo, em que o confronto entre fé e razão não existia. Mas eles não entenderam nada dos desafios atuais.
Justamente, por que o senhor insiste na relação indissolúvel entre fé e razão?
Acredito que chegamos a um momento chave dessa reflexão. Aqueles que opõem fé e razão têm uma visão da fé como algo que não tem lógica. Pelo contrário, há uma lógica de Deus na revelação cristã, porque Deus é o logos, a razão. E as mesmas pessoas que negam essa parte de reconquista da razão por parte da fé reconhecem hoje que nos encontramos diante de uma crise da racionalidade: quem pode dizer, depois do século XX, o que se entende por razão?
A fronteira entre o racional e o não racional não tem mais nada de evidente. A ciência não é mais a verdade absoluta como se quis acreditar, o progresso científico também assume quase o aspecto de uma ameaça, isso é absolutamente evidente com a crise ecológica. Naquele que eu chamo de "inquietação racional", os cristãos têm o seu espaço, e a sua contribuição pode ser fundamental, contanto que não tragam para o debate convicções frenéticas, mas posições razoáveis. "Manter-se razoável": eis aquilo para o qual os cristãos talvez estejam bem qualificados, porque o seu Deus não é um Deus da onipotência irracional, mas o Deus do logos.
Na Academia Francesa, o senhor sucederá o cardeal Jean-Marie Lustiger, que o senhor conheceu muito bem.
Conheci-o em 1968. Desde então, essa relação nunca se interrompeu: trabalhei com ele durante 25 anos, casei-me, me suportou nos momentos difíceis. Era ao mesmo tempo uma relação filial (tínhamos cerca de 20 anos de diferença) e uma amizade muito profunda, desde 1968 até sua morte. A minha opinião é que ainda não se viu a grandeza desse homem. As pessoas começarão a tomar consciência do seu valor. Compreenderão que esse homem, com todas as suas dimensões, espiritual, política, intelectual, pessoal, tinha uma estatura comparável à de um Padre da Igreja.