Intelectuais de Campinas
Escritores que moram em Campinas, não raro, possuem dimensão nacional e cosmopolita. Eustáquio Gomes, por exemplo, é lido em traduções estrangeiras, inclusive russas. Importa, no caso, a variedade e os matizes dos romances, contos, escritos morais e políticos que a cidade, fertilizada pela cultura sólida do pretérito, oferece aos espíritos que procuram finura e rigor. Outro nome relevante é o de Cecilia Prada. Ela integra, com brilho e denodo, a Academia Campineira de Letras. Dentre os seus textos, aprecio o belo e triste Estudos de Interiores para uma Arquitetura da Solidão (DBA Ed.). Em outro gênero, mas não menos pungente, vem Menores no Brasil: a loucura nua (Ed. Alternativa). A má fé de alguns pretensos críticos aproximam o estilo de Cecilia ao de Clarice Lispector. Na comparação, entretanto, fico indeciso. Prada expõe lados sombrios da alma, ausentes nas páginas de Lispector, icone predileto dos pedantes nacionais.
Existem autores que não mergulham nos oceanos de tristeza e solidão. Seu objetivo reside no riso inteligente, no qual se evidencia tino superior. De Platão aos nossos dias, passando por Luciano de Samosata, Rabelais, Diderot, Sterne, a literatura reúne brilhantes artesãos da palavra. Eles cinzelam frases recolhidas no espaço social. Ao fazer a colheita, tais mãos destras aprimoram os frutos da comum inteligência humana. No final do ano passado recebi um livro delicioso. Trata-se de volume com a marca de Francisco Fernandes de Araújo. Nele, temos um tesouro de sabedoria, nem sempre feliz ou alegre, mas com perene dose de humor. Trata-se de uma coletânea de inúmeras pointes ou mots d´esprit. Longe de ser propriedade exclusiva dos psicanalistas (na trilha de Freud, aqueles terapeutas se apropriaram do famoso Witz), a palavra que acicata já existia quando a escrita foi inventada. Desde então, o dito chistoso serviu para destronar tiranos, desmascarar charlatinismos vários, destruir ou erguer Estados e sociedades. Agrupamentos humanos sem chiste exibem apenas o que restou da alma, quando a liberdade caiu sob o despotismo e a censura. Ditadores são, por definição, mal-humorados. Os que mandaram no Brasil depois de 1964 mantiveram a regra.
Em Pedaços de Vida nas Asas do Vento, Antologia de Pensamentos (Ed. Komedi), Francisco Fernandes de Araújo seleciona ditos que podem ser vistos como diversão, mas encerram muita prudência e sageza. Citar os itens, um a um, seria fantástico. Como o espaço é diminuto, registro apenas alguns: “Quem só tem uma idéia é muito perigoso”. Nos tempos dos totalitarismos fanáticos (que ainda, para nossa desgraça, não terminaram) tal verdade é atualíssima. Se duvida, converse o leitor com um militante religioso ou político e o contradiga. Tire rápido o braço, porque a mordida venenosa é letal! Prudência similar é trazida na sentença seguinte: “Abomina quem pensa saber todas as respostas”. Excelente antídoto contra o dogmatismo arrogante, próprio dos poderosos e dos seus chaleiras. Outra: “De vez em quando todos são normais”. Se tal premissa fosse obedecida, boa parte dos “saudáveis” teria vergonha e não mataria os “anormais” (aplicação direta: os racistas, os que odeiam e matam homossexuais, os que se julgam únicos em virtude...).
“A informática revela grandes riquezas em pequenos chips” (a Unicamp que o diga, pois aprimorou, ainda ontem, um software que mapeia funções cerebrais). Para terminar, em terra de dinheiro nas cuecas e meias, façanha inventada pelos nossos dignos legisladores, a frase meticulosa: “Todos têm o direito de ficar ricos se o dinheiro não for ‘lavado’”.
Enfim, temos em Campinas cérebros inquietos e artífices do verbo. Nossa gratidão lhes seja dirigida. Obrigado Eustáquio, Cecilia, Francisco. Seria difícil enumerar todos os que enriquecem nosso espaço urbano. Mas convenham: a seleção é justa!