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Comunicação e universidade
No curso do professor Claude Lefort, meu orientador, o programa era conforme aos procedimentos da instituição: voltado para a pesquisa de ponta mas recolhendo os problemas de ordem prática dos Estados e sociedades ocidentais. Após as disciplinas exigidas, os estudantes apresentavam um projeto de trabalho e o defendiam diante de banca especializada. No meu caso, dadas as premissas da proposta, tive como examinadores o historiador Jacques Le Goff e o helenista Jean-Pierre Vernant. Assim ocorreu com todos os brasileiros inscritos na Escola. Aprovado, o candidato participava de seminários sobre o campo a ser discutido em sua tese. O professor Lefort orientou, tendo em vista os planos de seus orientandos, um seminário nuclear sobre Estado e sociedade na América Latina. Como partícipes e convidados vieram pessoas da mais diversas tendências científicas e políticas, européias e brasileiras. Ali, de nossos patrícios, se apresentaram Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, e outros.
A ditadura brasileira perdia o pulso da situação nacional. Modelos ideais de partidos ou movimentos socialistas e democráticos se apresentaram no seminário indicado, sendo discutidos com pleno interesse. Uma parte dos que expunham tais matrizes se encontrava no velho MDB “autêntico” ou nas organizações de esquerda, inclusive sindicais. Não sendo possível passar, de imediato, dos paradigmas aos atos, o projeto de partido socialista unido se diluiu em setores diversos. Algumas pessoas ficaram no MDB, defendendo posições éticas (contra os que, na agremiação, tinham assumido as marcas corruptas da política). Tal é o núcleo do PSDB, cuja face acadêmica é o Cebrap.
De outro lado, temos os que se organizaram no apoio ao movimento sindical e às várias posições de esquerda (incluindo a mais relevante na época, a Igreja progressista) e criaram o PT, cujo instituto acadêmico era o Cedec. O discurso das novas lideranças e militâncias dizia que o partido dos trabalhadores seria o “novo” na política. Ainda não era tempo do slogan sobre a ética, empolgado pelos tucanos contra seus velhos adversários no MDB. O PT só usou a palavra de ordem sobre a ética na “era Collor”. Vencidos pelos órgãos de comunicação social, que ungiram o “caçador de marajás” e o elegeram com manipulações desonestas, os petistas se apoderaram da ética como bem privado. É de então o dito “o PT é o único partido ético, o resto é farinha do mesmo saco”. Hoje o PT faz seus bolos indigestos com a farinha de oligarcas como José Sarney, o campeão da ditadura no Congresso Nacional.
Mas o assunto que me atrai é o peso de uma Escola, mesmo estrangeira, na ordem política brasileira e internacional. Enquanto a universidade francesa ruminava seus assuntos etnocêntricos, a Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais mergulhava em ações e pesquisas de ordem social e política. Seus integrantes analisaram a vida humana em múltiplos prismas, da economia à administração, da política às religiões. Pesquisa e ordem prática fizeram daquela Escola um novo marco de influência francesa no mundo e nas Américas. Voltarei ao tema porque vivemos um instante, no Brasil, que exige das escolas superiores ousadia para unir estudo e sua aplicação. Sem tal quesito, o elo entre os campi e a ordem social se atenua em detrimento de todos. Uma política de comunicação social universitária precisa partir de premissas similares às empregadas na Escola de Altos Estudos. Caso contrário teremos apenas a erudição acumulada e, de outro lado, o empirismo sem peias. Ou seja, teremos o triste Brasil de sempre: mergulhado numa realidade sem imaginação política ou teórica. Sem alma.