segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Globo, 09/02/2010

Especialistas veem vácuo na articulação tucana

Isso explicaria a postura mais firme de FH na defesa de sua gestão e na crítica ao governo Lula. Eles esperam 'novos ataques de fúria' Comente(35)

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    Para especialistas, críticas de FH a Dilma mostram um vazio na articulação da campanha tucana

    Publicada em 09/02/2010 às 00h05m

    Cristiane Jungblut, Gustavo Paul, Wagner Gomes e Carolina Benevides

    O ex-presidente Fernando Henrique: Para especialistas críticas mostram um vazio na articulação da campanha tucana - Michel Filho

    BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO - Ao criticar a capacidade de liderança da ministra Dilma Rousseff , o ex-presidente Fernando Henrique assume um vazio na articulação do governador José Serra (PSDB) para a campanha presidencial deste ano, analisaram especialistas ouvidos pelo GLOBO. Roberto Romano, professor de ética e política da Unicamp, diz que FH parte para o ataque para cobrir uma falha de estratégia do PSDB nesta campanha. Segundo ele, Fernando Henrique tenta proteger o partido e seus dois governos ao perceber a falta de coordenação dos tucanos.

    " Há um vácuo na campanha tucana que acaba sendo assumido por Fernando Henrique "

    - Há um vácuo na campanha tucana que acaba sendo assumido por Fernando Henrique, até porque ele precisa defender o seu governo, sempre muito criticado por Lula. FH não é político de fulanizar, ele prefere o discurso teórico e intelectual. O problema é que falta alguém no PSDB pronto a polemizar com o presidente Lula - diz Romano.

    O professor da Unicamp diz que é de se esperar "novos ataques de fúria" de Fernando Henrique, até que José Serra se decida oficialmente pela candidatura e passe a fazer críticas duras ao atual governo. Para Romano, caso Serra continue silencioso diante das críticas de Lula, pode parecer que o candidato do PSDB à sucessão não tem tanta força para assumir uma campanha como esta.

    - É preocupante o padrinho de Serra ter que vir constantemente a público defender o seu governo. O tempo pode passar, e o PSDB pode não conseguir revidar os ataques do atual governo. O pescador precisa saber o momento exato para lançar a rede e fisgar o peixe - diz Romano.

    " Lula encontrou uma oposição que não sabe se defender e voou em céu de brigadeiro durante todos esses anos "

    Para Marco Antonio Vila, historiador da Universidade Federal de São Carlos, desde que deixou o governo, Fernando Henrique não encontrou uma pessoa que pudesse defendê-lo dos ataques do PT:

    - O presidente Lula, desde o início do seu governo, diz que recebeu uma herança maldita de Fernando Henrique. Ele falou o que quis sem nunca ter uma resposta à altura da oposição. Lula encontrou uma oposição que não sabe se defender e voou em céu de brigadeiro durante todos esses anos.

    Para o professor de sociologia da Unicamp Ricardo Antunes, o PSDB se mostrou com pouca capacidade de se defender das críticas do atual governo, o que levou Fernando Henrique a tomar uma postura mais agressiva em relação a Lula.

    - Fernando Henrique sabe que a ausência de um candidato oficial do PSDB só fortalece a ministra Dilma. A prova disse é que a candidata de Lula cada vez mais sobe nas pesquisas eleitorais - afirma Antunes.

    Outros vêem um fato positivo para a campanha de Serra:

    - FH ajuda a construir a imagem de Serra e permite que o governador de SP continue esperando o melhor momento para aparecer. Ele vem sendo poupado porque todos sabem que a artilharia vai ser pesada na hora em que assumir que é candidato - diz Ricardo Ismael, professor de Ciência Política da PUC-RJ.

    Para Ricardo, Serra corre o risco de já ter perdido o momento certo de assumir que concorrerá à sucessão:

    - A imagem da Dilma como estadista está sendo construída. A estratégia de poupá-lo é boa, já que Serra lidera as pesquisas, mas o partido não pode esquecer que a campanha começou.

    Para economistas, é preciso analisar contexto

    A comparação dos números dos governos Fernando Henrique e Lula, proposta pelo ex-presidente em artigo publicado no fim de semana , foi questionada por economistas ouvidos pelo GLOBO. Eles analisam que, além de assumirem estratégias diferentes na área econômica, os dois governos conviveram com contextos internos e externos distintos. Sob esse aspecto, alertam, é preciso levar em conta essas diferenças para não contaminar as análises.

    Dados levantados pela ONG Contas Abertas, por exemplo, mostram que o governo Lula investiu 15% a mais que seu antecessor nos sete primeiros anos do governo. Incluindo os investimentos das estatais e da União entre 2003 e 2009, o número chega a R$ 436,4 bilhões (corrigidos pelo IGP-DI), aproveitando a calmaria econômica internacional do meio da década. Já entre 1995 e 2001, o volume foi de R$ 379,3 bilhões, período em que ocorreram as crises econômicas do México, da Rússia, dos chamados Tigres Asiáticos, do Brasil e da Argentina.

    " O governo Lula teve mais folga, mais espaço para investir, mas não investiu tudo o que podia devido à ingerência da máquina "

    Mas, numa outra comparação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), os investimentos do tucano foram maiores que os do petista nos quatro primeiros anos de mandato. Apenas entre 2007 e 2009, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo Lula ultrapassou o antecessor, registrando investimentos superiores a 2% do PIB, de acordo com o Contas Abertas.

    O economista Raul Velloso lembra que Lula ampliou os investimentos devido à "bonança internacional" até a crise de 2008 e à manutenção de uma economia estabilizada. Mas, para ele, Lula é ineficiente no gasto, com uma baixa execução orçamentária. Exemplo dessa situação é que, em 2010, o governo terá R$ 50 bilhões dos chamados "restos a pagar" do ano passado, quase o mesmo valor de R$ 57 bilhões para investimentos no Orçamento da União para este ano.

    - O governo Lula teve mais folga, mais espaço para investir, mas não investiu tudo o que podia devido à ingerência da máquina. Tem como gastar mais, mas tem menos eficiência - disse Velloso, lembrando que o governo tucano apertou os gastos da máquina para fazer frente às crises, enquanto o governo Lula inflou os gastos, principalmente as despesas de pessoal.

    Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Barreto, os dois governos tiveram orientações ideológicas diferentes, além da situação econômica internacional diferenciada:

    - O governo Fernando Henrique teve o trabalho de estabilizar a economia e pegou uma série de crises econômicas que colocaram a economia em xeque. E o governo Lula passou por um período de prosperidade extraordinária. Os dois lados podem usar os números, e haverá uma guerra de números, o que é normal.

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