quarta-feira, 3 de março de 2010

Jornal Opção. No BSB Estação da Notícia, de Carlos Honorato.

INFERNO & CÉU
Sarney foi Geni de Collor e Lula


EULER DE FRANÇA BELÉM - Jornal Opção


Vários livros são úteis para compreender o Brasil, seu povo e seus políticos. Um dos menos imprecisos é “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro, que, brilhante analista de Machado de Assis, talvez tenha retirado do autor de “Teoria do Medalhão” a tese de como as elites conciliam pelo alto, em praticamente todos os conflitos, com o objetivo de manter o poder. A dissimulação — a farsa do conflito que não é conflito, e sim jogadas, do muito barulho por nada — das elites é descrita com mestria pelo sociólogo e jurista. No início, pensa-se que houve uma troca de grupos no poder, com a incorporação do povão, ser mais “votante” do que “participante”, mas, logo depois, há uma recomposição e parte da sociedade é esquecida e as elites estabelecem novo pacto, em nome da governabilidade e, parte não explícita no discurso, dos negócios. Lula foi eleito para, segundo as velhas e esquecidas teorias do PT, iniciar a construção do socialismo no País. No poder, adepto da realpolitik, esqueceu quase tudo, assim como o mais refinado Fernando Henrique Cardoso olvidou sua obra, e compôs com José Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho e, mais recentemente, com Fernando Collor. Em nome, é claro, da governabilidade. Noutras palavras, o petista-chefe avalia que precisa dessa turma para contrapor às pressões de tucanos e democratas. Ah, sim, Fernandinho Beira-Mar felizmente ficou de fora, por não ser político, do quadro de alianças. O Lula que esqueceu do socialismo radical, mas continua de esquerda, a pragmática, piorou menos do que se tivesse continuado fantasioso e pregador de teses que não deram certo em nenhum outro lugar. Apesar do que dizem tucanos e democratas, o País não piorou com Lula no poder. Mas o presidente, assim como outros políticos, aderiram à célebre frase do presidente Getúlio Vargas: “Nunca tive um amigo que não pudesse tornar-se um inimigo ou um inimigo que não pudesse tornar-se amigo”.

O Jornal Opção colheu no ótimo e subestimado livro “Notícias do Planalto — A Imprensa e Fernando Collor” (Companhia das Letras, 719 páginas), do jornalista Mario Sergio Conti, e em reportagens de Daniel Bramatti, do “Estadão”, e da revista “Veja”, frases picantes e, algumas, grosseiras de Lula, Sarney, Collor e Renan Calheiros. Conforme a circunstância, se atacam e se elogiam. Deixamos por conta do leitor a conclusão de se eles têm razão quando elogiam ou quando atacam. Pedimos, desde já, desculpas pela crueza de algumas palavras, que são publicadas integralmente para que o leitor possa perceber como se dá o jogo político real, sem a tradicional conciliação e mediação dos editores e revisores de jornais. “Filho da puta”, tradicionalmente escrito eufemisticamente com as iniciais f.d.p, como se isto mudasse o sentido, sai, aqui, como foi pronunciada e, em livro, escrita.

Lula e Mobral
— Em 1989, na campanha presidencial, Lula e Collor praticamente reinventaram o dicionário de palavrões de Mário Souto Maior. A turma de Collor dizia, quando Lula ou aliados do petista passavam: “Au, au, au, Lula pro Mobral”.

Nos bastidores do debate eleitoral programado pela Band, Lula disse para o diretor de Jornalismo, Fernando Mitre, segundo relato de Mario Sergio Conti: “Não vou apertar a mão daquele filho da puta”. A ira tinha a ver com a divulgação de que Lula teria dito para Miriam Cordeiro, sua namorada, abortar a filha, Lurian. Miriam foi regiamente paga pela equipe collorida. Ao saber, por Fernando Mitre, da recusa do petista em apertar sua mão, Collor reagiu com virulência: “E quem quer apertar a mão daquele escroto?”.

Num dia de Manny Pacquiao, Lula bateu no fígado de Collor. O candidato do PRN, segundo o petista, “invadiu 4 mil metros do governo do Distrito Federal para aumentar a sua residência”. Depois, jabeou: “Meu adversário [Collor] comia pela mão do regime militar e foi indicado prefeito biônico, ganhando a prefeitura de presente de casamento, em Maceió”. Collor, longe de ser apenas “caçador de marajás” (título de uma reportagem de capa da revista “Veja”, criado pelo jornalista Tales Alvarenga), era “caçador de maracujás”. Aí, pelo menos, Lula mostrou-se divertido e quase infantil, pois caçador de maracujás, apesar de a palavra rimar com, pobremente, marajás, não quer dizer nada, negativa ou positivamente.

Collor contra-atacou, como Floyd Mayweather, com um gancho de direita: “Esse PT louco”. Chamou Lula de “cambalacheiro”. Frisou que, se fosse eleito, o petista iria “expropriar casas” e os petistas “invadiriam” apartamentos e terras. Muita gente saiu à cata de um dicionário para entender o que significava “expropriar”. Milhões compraram a propaganda collorida. Irado, com os olhos esbugalhados, o candidato do PRN disse algo que estava em seu inconsciente: o petista iria “confiscar” a poupança. No governo, Collor confiscou a grana de todos que tinham conta em bancos.

Como Lula era candidato do Partido dos Trabalhadores, Collor atingiu-o abaixo da linha-de-cintura. Lula, destacou o candidato de Roberto Marinho, então deus da mídia, “não” trabalhava desde 1978. Curtia “férias” há 11 anos.

Vinte anos depois, com os ânimos serenados e novas alianças estabelecidas, Collor e Lula estão juntos. O tempo, como disse Collor quando foi defenestrado da Presidência da República, é mesmo o senhor da razão. Em 2005, quando a história do mensalão indicava que Lula estava sendo soterrado politicamente, Collor apareceu como aliado, quase amigo: “Não quero para o Lula o que fizeram comigo, pois me apearam do poder sem provas” (a prova mais robusta, literalmente, era PC Farias). Em 2006 o que era impensável em 1989 aconteceu: Collor votou em Lula para presidente. “Não faço parte do rol daqueles brasileiros que tinham o PT como ícone da ética e da moralidade. Tem uma massa do eleitorado do PT que votou no Lula achando isso, mas eu não”, filosofou Collor.

Quando Collor assumiu a presidência da Comissão de Infra-Estrutura do Senado, uma das mais disputadas, Lula apoiou-o e disse para o PT de Aloizio Mercadante não discutir a escolha.

Sarney é Geni — Em 1989, Sarney era a Geni de Fernando Collor, como agora é a Geni do DEM e do PSDB. O líder do PRN usou o então presidente da República como sparring: “Gostaria de tratar o senhor José Sarney com elegância e respeito, mas não posso, porque estou falando com um irresponsável, um omisso, um desastrado, um fraco. O senhor sempre foi um político de segunda classe, nunca teve uma atitude de coragem”. Bateu duro também na honorabilidade: o presidente seria, além de “incompetente, “desonesto”. “Um dos piores presidentes da história do País”, disse, num programa de televisão. E mais: “O senhor passou boa parte de seu governo apadrinhando seus amigos, seus familiares, muitos dos quais hoje estão sendo processados por atos de corrupção”. Collor, falando em 1989, parecia profetizar o que aconteceria com o Sarney também presidente, só que do Senado, duas décadas depois.

Apesar do bigodão mexicano, à Pancho Villa, e do jaquetão anacrônico de acadêmico, Sarney sempre foi, em termos de comportamento, elegante — um “senhor de engenho” refinado e agradável — e reagiu com menos fúria: “O Brasil é testemunha da brutalidade, da violência, do desatino com que fui agredido por um candidato profundamente transtornado”. E acrescentou o Olavo Bilac da política: “Sou vítima da violência, do vandalismo verbal, do terrorismo moral. O que não faria no poder quem não respeita como simples candidato à Presidência?” O deus do Maranhão não sabia direito, mas fez um diagnóstico do que Collor faria no governo e mesmo antes, na campanha, com seu mui amigo Paulo César Farias, chamado de Don Pablo, por Fidel Castro, e de Don Pablo Corleone, por amigos. PC Farias planejou construir hotéis em Cuba e casas populares em Angola, com o apoio do amigão Fidel. O tiranossauro rex cubano só não gostou quando PC fumou um charuto e jogou fumaça em seu rosto. O ditador havia parado de fumar.

Em 2009, com Sarney “surrado” por velhos companheiros de jornada, ex-amigos do peito, que pretendem desgastar mais o governo Lula, para enfraquecer a adversária do tucano José Serra, Dilma Rousseff — mais pesada que trator de esteira —, do que o d. João VI do Amapá e do Maranhão, Collor mudou o discurso: “Sei o que é isso, porque por isso passei, só que em maior escala. Sei como essas coisas funcionam e como isso tudo é feito, tudo é forjado. Sei a quem interessa que o Senado retire daquela cadeira o presidente que todos nós elegemos”. Sarney, felicíssimo, esqueceu o passado e passou a considerar Collor como o Robespierre de Alagoas. O Incorruptível, sem Bastilha, é claro.

Calígula e César — O senador Renan Calheiros, que, de comunista de bolsos vazios, saltou para o lado dos capitalistas de bolsos cheios, era íntimo de Collor em 1989, por isso fuzilou o então presidente: “Ele [Sarney] promoveu uma farsa desesperada”. O presidente divulgou vídeo no qual Collor, o atleta, o elogiava com certo fervor dos puxadores daquilo-roxo.

Mais tarde, candidato a governador de Alagoas, Renan perde para a campanha milionária de Geraldo Bulhões, aquele que apanhava da mulher, a polêmica e brava Denilma Bulhões, com toalha molhada — para não deixar marcas. PC Farias financiou Bulhões e deu migalhas para Renan, que, de Calheiros, virou Caído. Em 1992, durante a CPI do Caso PC Farias, Renan deu depoimento-vingança contundente: “Após cavalgar os sentimentos mais nobres do povo, [Collor] tripudia sobre os enganados, entrega-se à luxúria e aos devaneios do exercício superficial do poder, próprio de quem o confunde com sua própria pessoa. Jovens, fortes e destemidos, ou melhor, perversos, também o foram Nero e Calígula”. Pelo menos não comparou Collor com o cavalo de Calígula, o “senador” Incitatus. Não é brincadeira, não. O cavalo era mesmo “senador”. Só que, claro, não pedia a palavra nem fazia sonolentos apartes. Nem nomeava genros e netos e não fazia ameaças.

Nos bastidores, aliados de Collor tachavam Renan de “a besta de Alagoas”. O deputado Cleto Falcão e o “senador informal” PC Farias, a eminência parda das finanças do collorismo, riam e aplaudiam o chefe de estirpe “não-siciliana”. O que mais irritava Renan era a indiferença com que era tratado por Collor, que, julgando-se nobre, o mantinha à margem.

Hoje, amadurecido e rico, com filho fora do casamento e depois de ter perdido a presidência do Senado, Renan, recém-amigo de Collor, o aproxima mais de Júlio César e Marco Antônio do que de Nero e Calígula.

O fidalgo Sarney, El Bigodon do agreste, nunca atacou Lula com virulência, exceto nos bastidores, pois, como Collor, sempre manteve pose de intelectual. Publicamente, nunca disse que Lula, o espertíssimo, era ou é “apedeuta”. Nos gabinetes, apontava o petista como líder da “vanguarda do atraso”, ou o “semi-letrado” que nunca leu um de seus romances. O filósofo do humor Millôr Fernandes diz que, quando Sarney escreve, a língua portuguesa grita... de dor. Exagero, pois o vice-rei do Nordeste, “discípulo” de Juarez Távora, não escreve tão mal. Fica alguns pontos abaixo de Jorge Amado e José Lins do Rego e um pouco acima de José Mauro de Vasconcelos, autor do lacrimoso “Meu Pé de Laranja Lima”.

Lula, que só se tornou fidalgo depois de assumir a Presidência da República, quando passou a usar ternos de grifes estelares e a usar uma barba discreta e imperial e a tomar Romaneé-Conti com o marqueteiro Duda Mendonça, não tinha bons modos com Sarney. Bateu duro no presidente, em 1987, em Aracaju: “Nós sabemos que antigamente se dizia que o Ademar de Barros era ladrão, que o [Paulo] Maluf era ladrão. Pois bem: Ademar de Barros e Maluf poderiam ser ladrões, mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República”.

Em 2009, como precisa de Sarney para a tal governabilidade, também conhecida como pau-de-galinheiro (perdoe, leitor, a linguagem suja; perceba que estamos mimetizando os políticos), Lula mudou de idéia: “O Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. Sarney, o incomum, não é mais “ladrão”, pior do que Ademar “Rouba Mas Faz” de Barros. O filósofo Roberto Romano replicou no tom certo: “Com essa declaração, Lula mostra que não sabe mesmo o que significa ser presidente da República. Por definição, todo cidadão de uma República democrática é um ser comum, independentemente de ser senador. Mas, no fundo, o que o presidente quer sinalizar com essa frase é que há indivíduos que, como ele, estão acima da lei e da República”.

A imprensa diz que, usando o poder da caneta, Lula pressionou senadores, inclusive os do PT, para salvar Sarney, para não permitir que fosse derrubado da presidência do Senado. Do ponto de vista público, Sarney está no chão. Do ponto de vista do mando, e mesmo institucional, Sarney continua no poder. A verdade fica menos imprecisa se se dis-ser, de modo dialético, que, ao salvar Sarney, Lula salvou seu próprio governo. O PT tem apenas 11 senadores e, por isso, precisa de Sarney e do PMDB para que o Senado o “deixe” governar. Não só. Lula não pensa tão-somente em governabilidade. Pensa também em 2010. Se permitisse que tucanos e democratas sujassem inteiramente o “seu” PMDB, o de Sarney, Renan e Jader Barbalho, de que lhe serviria o partido na campanha da petista Dilma Rousseff? Não serviria para nada, ou melhor, serviria, sim, para atrapalhar a elefantina (em termos de peso político) Dilma. Porque o jogo do PSDB e do DEM é habilidoso. Os dois partidos atacam, com som e fúria, o PMDB “de” Lula, mas preservam o PMDB aliado, o de Orestes Quércia, hoje, ao lado de Gilberto Kassab, uma espécie de delfim do governador de São Paulo, José Serra. “Sujo”, o PMDB “de” Lula pouco servirá a Dilma, e, “limpo” o PMDB de Serra, o partido, que ajudaria a petista nos Estados, será pelo menos neutralizado ou, de algum modo, útil ao tucano. Porque o tucanato, com a imprensa que lhe é favorável, cristalizou a tese de que o PMDB “do” pernambucano Jarbas Vasconcelos é o do “bem”, apesar dos milionários Quércia e Joaquim Roriz. O que Lula fez, ao bancar Sarney, foi não deixar o PMDB, o “seu”, ficar ainda mais sujo. Acertou? Como diria Collor, o filósofo de Alagoas, o futuro nem a Deus pertence.

Esqueceram de PC Farias


O ex-presidente Fernando Collor sempre diz que o seu impeachment foi injusto, porque não apresentaram provas cabais de que era “corrupto” e que usou o governo em proveito próprio. Mesmo a imprensa parece esquecer que Paulo César Farias, Don Pablo Corleone, não arrecadou sozinho 160 milhões de dólares para a campanha presidencial de Collor em 1989. Sobraram 60 milhões.

Mario Sergio Conti relata, em “Notícias do Planalto” (página 294), que Don Pablo perguntou para o capo: “O que faço com esses 60 milhões de dólares, Fernando?” Don Fernando orientou o arrecadador: “Vai administrando o dinheiro. Use o que for necessário nesse período de transição até a posse. Pague os salários, as viagens e as hospedagens da nossa equipe. O resto você guarda para a gente gastar na campanha eleitoral do ano que vem. Vamos precisar ter uma bancada forte e governadores que apoiem o governo”.

Editor da revista “Piauí”, Conti não foi processado nem ao publicar o agradecimento de Collor a PC Farias: “Sem você, eu não teria ido para o segundo turno” (página 283).

Conti relata que Collor tentou transformar Don Pablo em sócio das Organizações Arnon de Mello. Não deu certo. Collor e Don Pablo passaram a articular um esquema para comprar a Rede Manchete e fundar jornais. Roberto Marinho não gostou.

Da Redação, em 26/08/2009- 13:59:52